
POLÊMICA – Matéria tem provocado debates entre os que defendem a limitação e os que querem preservar a independência da polícia. Foto: Ninja Mídia/Flickr
Graças ao uso de um expediente de participação popular ainda pouco conhecido pelos pernambucanos – a Sugestão Legislativa da Sociedade Civil -, está tramitando na Casa Joaquim Nabuco um projeto de lei que visa disciplinar a atuação policial em determinados eventos públicos, tais como manifestações de rua e processos de reintegração de posse. Transformada no PL n° 372/2015, após acolhimento da Comissão de Cidadania e posterior aprovação da Mesa Diretora, a matéria foi proposta em conjunto por 21 entidades e movimentos sociais que atuam na área de direitos humanos no Estado. Na Casa, o texto tem provocado debates entre os que defendem a limitação do uso da força policial nas ocorrências e aqueles que querem preservar a independência da polícia para avaliar quando lançar mão do recurso.
Coordenadora-executiva do Gabinete de Apoio Jurídico às Organizações Populares (Gajop), uma das entidades autoras da Sugestão Legislativa, Edna Jatobá conta que as discussões sobre a atuação policial em manifestações populares surgiram há dois anos, nas chamadas Jornadas de Junho de 2013. Ela explicou que, após um período de “esfriamento” dos debates, o assunto voltou a ganhar força após o deputado Antônio Moraes (PSDB) apresentar o PL n° 191/2015, que estabelece, entre outras regras, a obrigatoriedade de notificação prévia às autoridades sobre a realização de protestos.
“Durante audiência pública para discutir o projeto de Moraes, percebemos que a proposta estava focada apenas no controle dos manifestantes, excluindo os policiais de qualquer restrição”, pontuou a coordenadora. Segundo Edna, a expectativa é de que a nova proposição sirva, também, para abrir um canal de diálogo permanente com as forças policiais, de forma que a sociedade civil possa contribuir para a criação de uma “formação mais adequada dos agentes de segurança pública, com o foco voltado para os direitos humanos”.
É o que espera Luana Varejão, advogada do Centro Popular dos Direitos Humanos (CPDH) e participante frequente de manifestações no Recife. Ela disse já ter presenciado condutas policiais abusivas, como no processo de reintegração de posse dos armazéns Cais José Estelita, em junho de 2014. “No total, 50 pessoas ficaram feridas em um processo que não contou com a presença de advogados ou do Ministério Público”, relatou.
Na opinião do professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Jorge Zaverucha, esse tipo de abordagem mais ofensiva da polícia era mais recorrente em meados de 2013, durante as primeiras manifestações. “A polícia não estava preparada para esses eventos e realmente agiu com extrema violência para repreender atos pacíficos, mas também é preciso reconhecer atos violentos de manifestantes. As corporações foram aprendendo e hoje têm um comportamento mais adequado que antes. No entanto, é preciso sempre fazer avaliações e revisões”, comentou.
O estudioso do comportamento policial acredita que um ponto forte da proposta, e de fácil aplicação, é a exigência da identificação dos oficiais durante as operações. “Esse é o melhor mecanismo de controle para a atuação de qualquer profissional a serviço do público. O tripé identificação obrigatória, ouvidoria eficiente e corregedoria atuante é muito eficaz para impor limites aos policiais que extrapolem na sua atuação.” No entanto, Zaverucha criticou a proposta de proibição do uso de armas de fogo em atos públicos. “A ideia é interessante se considerarmos que todas as manifestações são pacíficas, mas, infelizmente, a gente tem que lembrar que existem grupos que não querem negociar. É arriscado colocar os policiais sempre como vilões e deixá-los de mãos atadas”, analisou.
QUESTIONAMENTO – A restrição ao uso de armas de fogo em manifestações também foi questionada pelo chefe do Estado Maior da Polícia Militar de Pernambuco, coronel Franklin Barbosa. “Não é prudente o legislador tirar essa possibilidade tática de atuação policial. Cabe ao órgão de segurança pública avaliar a situação e determinar o nível de força mais adequado a ser adotado”, ponderou. O oficial explicou que os militares passam por cursos de capacitação e, se abusos forem cometidos, a instituição conta com uma Ouvidoria aberta a denúncias – inclusive anônimas -, além de uma Corregedoria responsável pela apuração dos fatos.
Segundo Barbosa, alguns outros pontos do projeto precisam ser melhor debatidos, como a utilização de expressões como “situação extrema” e “manifestações majoritariamente pacíficas”, que, segundo o oficial, apresentam grande margem de interpretação, precisando, portanto, serem especificadas. Além disso, a avaliação da corporação é de que a matéria deve trazer algumas obrigações aos organizadores das manifestações, de forma a garantir os direitos daqueles que não participam do evento. Para isso, um documento com sugestões à proposição deverá ser encaminhado pela Secretaria de Defesa Social à Assembleia. Apesar das divergências, o representante da PM “vê com bons olhos” a iniciativa. “É ponto pacífico entre nós a necessidade de uma normatização do nosso modus operandi, uma previsão legal que fundamente nosso proceder. Entendemos que o debate deve mesmo acontecer”, concluiu.
*Esta matéria faz parte do jornal Tribuna Parlamentar de setembro. Confira a edição completa.