CULTIVO – Áreas de produção de orgânicos vêm crescendo em Pernambuco. Dados oficiais apontaram a existência de 985 unidades em março. Foto: Breno Laprovitera
*Por Edson Alves
A demanda por alimentos orgânicos – caracterizados pela produção com critérios ecológicos e sem uso de agrotóxicos – fez a produção dar um salto nos últimos anos em Pernambuco. Segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o número de unidades de produção do setor evoluiu de 633, em 2013, para 985, em março de 2016 no Estado – um aumento de 56% em três anos. Pela estimativa do órgão, a agricultura orgânica (ou agroecológica, como também é chamada) deve movimentar cerca de R$ 2,5 bilhões em todo o Brasil neste ano. Boa parte desses alimentos chega aos consumidores das cidades por meio das feiras de produtos orgânicos.
De acordo com levantamento do Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, elas são mais de 80 em todo o Estado, empregando cerca de duas mil famílias. “Ter uma feira agroecológica próxima ajuda a mudar hábitos alimentares e a criar um sentido de melhoria de saúde e qualidade de vida dos locais onde elas funcionam”, diz Flávio Duarte, secretário da entidade e vice-presidente para o Nordeste da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).
A bancária Renata Rodrigues foi uma das pessoas que aderiu aos produtos orgânicos. “Desde que meu filho nasceu, há dois anos, comecei a ter uma preocupação em oferecer alimentação sem agrotóxicos para ele e passei a comprar alimentos nessas feiras”, conta. “De um ano para cá, esses locais têm sido bem mais divulgados e aumentou o número de frequentadores. Você tem até que chegar mais cedo para conseguir os melhores produtos”, avalia.
Para dar garantias a consumidores como Renata de que apenas produtos orgânicos estão presentes nesses espaços, foi apresentado na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) o Projeto de Lei nº 769/2016, que pretende regulamentar as feiras de orgânicos. “Ouvimos dos próprios comerciantes essa demanda para garantir a exclusividade de alimentos orgânicos nas feiras, além de maneiras de valorizar os agricultores locais que vendem seus produtos diretamente. Então chamamos algumas associações para colaborar com o projeto”, diz o deputado Miguel Coelho (PSB), autor da proposta. “O texto cria uma regulamentação que deverá ser aplicada pelas prefeituras”, explica o parlamentar.
Conforme a matéria, as feiras deverão ser obrigatoriamente cadastradas no órgão municipal responsável. Os agricultores que vendem sua produção diretamente nesses espaços teriam que comprovar inscrição no Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos, mantido pelo Ministério da Agricultura. Nos casos de comerciantes que não são agricultores, os produtos deverão ter o selo do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica, também mantido pelo ministério.
O projeto foi aprovado pela Comissão de Justiça, com modificações que aumentaram o rol de punições possíveis no caso de descumprimento da lei, variando de multa e advertência, até a interdição da feira. Na Comissão de Meio Ambiente, houve um pedido de vista para que a proposta seja mais debatida. Miguel Coelho, presidente da Comissão de Agricultura da Alepe, ressalta que, “infelizmente, não foi possível fazer uma discussão mais ampla por meio de audiência pública no primeiro semestre”. “De toda maneira, temos o compromisso de discutir os próximos passos para normatização e incentivo à produção orgânica com as associações envolvidas”, acrescenta Coelho.
Davi Fantuzzi, coordenador da Comissão de Produção Orgânica de Pernambuco (fórum ligado ao Mapa) e assessor do Centro Sabiá, considera importante o pedido de vista feito durante a tramitação do projeto de lei. “Ainda vemos na proposta uma série de erros e insuficiências que podem ser sanados. Ela não abarca a realidade de feiras menores no Interior, e o viés punitivo causa preocupação”, pontua.
“É necessário punir produtores que agem com má-fé, mas temos que ter em mente que a contaminação com agrotóxicos pode ser acidental. A fiscalização precisa ser mais estruturada e chegar até o local de produção, não ficando apenas na feira”, sugere Fantuzzi. Raquel Melo de Miranda, gerente de Defesa e Inspeção Vegetal da Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária de Pernambuco (Adagro), diz que o órgão pode ampliar a fiscalização para todas as feiras de produtos orgânicos do Estado. “Isso seria possível com recursos por meio de convênios com o Ministério da Agricultura”, afirma.
Paulo Santana, diretor do Serviço de Tecnologia Alternativa (Serta), centro que trabalha com educação e assistência técnica para produção agroecológica, também sugere alterações na proposta. “O projeto deveria dar mais autonomia para as Organizações de Controle Social (OCSs) frente as prefeituras, e os municípios deveriam mapear regiões que ainda não têm feiras de produtos orgânicos e disponibilizar essa informação para os agricultores familiares devidamente cadastrados”, propõe.
As OCSs citadas por Santana são entidades que privilegiam a venda direta, certificação e fiscalização pelos próprios agricultores. “Cada produtor se compromete a ter sua propriedade aberta para visitação dos consumidores ou qualquer outro ator envolvido no processo. Essa transparência gera uma relação de confiança entre agricultores e consumidores”, explica Flávio Duarte, do Centro Sabiá. “Vivemos um grande contrassenso no Brasil, pois quem produz sem agrotóxico é quem tem de certificar seus produtos, enquanto os que produzem alimentos utilizando veneno não devem nenhuma explicação ou atestado aos consumidores”, critica.
Segundo Davi Fantuzzi, a ideia corrente de que a produção orgânica tem preços mais caros nem sempre corresponde à verdade. Ele informou ter participado de uma pesquisa, realizada em junho de 2015, que constatou que os preços de produtos agrícolas convencionais em grandes redes de supermercados estavam, em média, 56% mais caros do que nas feiras agroecológicas das Graças e de Boa Viagem.
“Essas feiras praticam tabelamento de preços acordado entre os feirantes para garantir um preço justo. A percepção de que produtos orgânicos são mais caros se deve mais aos vendidos em supermercados, que têm certificação feita por entidades externas”, explica Fantuzzi. “Temos feiras com produtos acessíveis, mas ainda restritas a bairros ricos. Precisamos de incentivo, estrutura e segurança para chegar aonde está a classe trabalhadora”, conclui.
*Esta matéria faz parte do jornal Tribuna Parlamentar de julho/2016. Confira a edição completa.