Mais de um terço dos municípios pernambucanos não possuem profissionais capacitados para diagnosticar o transtorno do espectro autista e realizam atendimento em unidades básicas de saúde sem as condições adequadas.
O dado foi apresentado durante audiência pública promovida pela Comissão de Cidadania da Assembleia Legislativa nesta quarta (24) para debater a importância da conscientização do autismo. O levantamento foi realizado pelo Tribunal de Contas de Pernambuco.
Segundo o auditor do TCE, João Francisco Alves, o Tribunal avaliou como falho ou inexistente o atendimento do autismo em Pernambuco porque faltam políticas públicas capazes de garantir direitos como saúde e educação.
“Hoje Pernambuco não gasta qualquer valor específico para a temática do autismo. Paraíba e Bahia têm centros específicos para o TEA, o Pará já vai no quinto núcleo especializado no atendimento de pessoas autistas”, relatou o auditor. “A gente faz uma pergunta: o Pará e Pernambuco tem uma diferença significativa em relação a orçamento? Não tem”, afirma.
Fila para diagnóstico
O debate desta quarta foi presidido pelo deputado Pastor Júnior Tércio (PP), que solicitou a audiência, e teve a participação também do deputado João de Nadegi (PV).
A presidente da Comissão de Cidadania, Dani Portela (PSOL), destacou a estimativa de que a fila por diagnóstico chega a 10 mil famílias. Mesmo depois de conseguir diagnosticar uma criança com TEA, as dificuldades continuam, acrescenta a deputada.
“Na última reunião desta Comissão, escutamos mães autistas do município de Olinda que relataram que o município está fazendo rodízio com seus filhos. Diz: não venha para aula porque não tem assistente para ficar com seu filho hoje”, denunciou a deputada. “A criança está indo uma vez por semana para a escola, no máximo duas. E isso não é uma realidade isolada de Olinda.”
A parlamentar relatou também que o convívio com o enteado, um adolescente autista de 14 anos, traz muitos exemplos da necessidade de políticas que se estendam para além da infância.
A opinião é compartilhada por Cínthia Cardoso, do Projeto Inclusão é Vida e mãe de Nuno, um adolescente de 13 anos com autismo.
Mesmo sendo diretora de uma clínica, ela relatou dificuldade para conseguir profissionais para atendê-lo, e disse que os planos de saúde também passam a recusar tratamentos quando os pacientes deixam a pediatria.
Diagnóstico tardio
O diagnóstico fora da infância é um desafio na visão do médico psiquiatra João Carlos Leitão, que também é autista e convive com falta de preparo dos próprios colegas. Ele acredita que o número de 2 milhões de brasileiros com autismo, 1% da população, é subnotificado, e alertou para os prejuízos do diagnóstico tardio.
A criação de CAPS específicos para neuro divergentes foi uma das propostas para melhorar o atendimento. As atuais unidades do CAPS, quando existem, são voltadas a outras questões, como a dependência de álcool e drogas.
“Quem não é dependente químico, onde é que se encaixa? Na verdade, as pessoas no espectro autista elas têm transtornos de hiperfoco, transtornos sensoriais, transtornos de aprendizagem, transtornos de habilidade sociais”, explica o psiquiatra.
Demandas das famílias
Uma pauta de reivindicações das famílias, como inclusão escolar e centros especializados, foi apresentada por Poliana Dias, presidente da ONG Amar. Ela também pediu atenção para a saúde mental das famílias.
Falta de oportunidade no mercado de trabalho, negativa de matrículas e de transporte foram outras dificuldades relatadas nas falas de pessoas presentes na audiência.
Elas pediram parcerias do Estado com as clínicas particulares para fazer andar as filas de espera enquanto a rede pública não conseguir suprir a demanda.
Os participantes reclamaram da ausência do Governo do Estado, que foi convidado mas não enviou representante. Também cobraram os resultados das outras audiências públicas já realizadas na Assembleia Legislativa sobre o tema e também da Comissão Especial do Autismo, instalada no ano passado.
A deputada federal Clarissa Tercio (PP/PE), que também participou da audiência, garantiu que os pleitos recebidos pelo Legislativo são encaminhados aos órgãos competentes e aos representantes do Poder Executivo.