“Quando tinha oito anos de vida, o Gui foi escolhido por Deus para ajudar outras ‘borboletas’ e pessoas com epidermólise bolhosa”. A afirmação foi feita por Tayane Gandra durante uma Audiência Pública da Alepe. Ela e o filho Guilherme, hoje com nove anos, se tornaram conhecidos nacionalmente quando um vídeo do reencontro deles em junho, após o menino passar 16 dias em coma num hospital do Rio de Janeiro, viralizou na internet. Os dois participaram nesta quarta do debate sobre o Projeto de Lei Ordinária (PL) nº 1397/2023, que garante direitos e proteção para pessoas com esta doença rara em Pernambuco.
A epidermólise bolhosa é uma condição genética e hereditária rara incurável, que se manifesta no nascimento. É caracterizada pela fragilidade extrema da pele, levando à formação de bolhas e lesões em resposta ao mínimo trauma, o que a torna conhecida também como “doença das Crianças Borboletas”. Ao fazer o relato sobre a situação enfrentada por ela e Guilherme, Tayane cita as 27 internações do garoto, os prejuízos para o crescimento e a nutrição e a necessidade de utilização de curativos frequentes.
Na ocasião em que o vídeo foi feito, ele sofria de uma pneumonia e passou 14 dias entubado, respirando com auxílio de ventilação mecânica. A internação durou 22 dias, no total. “O Gui é um milagre, assim como todas borboletas são. Durante a internação, a todo momento eu era preparada para o pior. Diziam que ele tinha grandes chances de não sobreviver e, se conseguisse, não poderia respirar sem ajuda da traqueostomia”, relata. “O paciente com epidermólise bolhosa mata um leão por dia para sobreviver. A dor, as dificuldades e o preconceito são contínuos”.
De autoria do deputado João Paulo Costa (PCdoB), o PL nº 1397/2023 reconhece esses indivíduos como pessoas com deficiência, assegurando-lhes benefícios e cuidados específicos. Entre eles, o acesso a medicamentos, nutrientes e insumos e a práticas terapêuticas integrativas e complementares. Também inclui o acompanhamento social, psicológico e psiquiátrico para familiares ou responsáveis, a gratuidade no transporte público e o atendimento prioritário em diversos serviços. Por fim, estabelece multa de até R$ 20 mil para atos de preconceito contra essas pessoas.
Inicialmente, se aprovada, a norma se chamaria “Lei Gui”, a exemplo da legislação aprovada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Entretanto, o parlamentar sugeriu a inclusão de “Rê” no nome após o relato feito por Maria de Fátima Correia, presidente da Associação de Epidermólise Bolhosa de Pernambuco. Há cerca de um mês, ela perdeu a filha Renata, após dois outros filhos com a mesma doença terem morrido.
“Meu menino nasceu e, por não saberem muita coisa, veio a óbito. Luciana formou-se, era advogada, fez concurso público federal, trabalhava no TRT (Tribunal Regional do Trabalho) e veio a falecer também. E agora, Renata faleceu após 40 anos de luta”, lamentou Maria de Fátima.
Ela ainda relatou que as duas filhas tiveram que amputar pernas e usar cadeira de rodas, além de sofrerem vários tipos de câncer. “Antes do Gui, eu fui atrás de TV, reportagem, fui para a Secretaria de Saúde, ao Ministério Público, e eu não consegui que nos ouvissem. Eu não quero que aconteça com outras pessoas o que aconteceu com meus filhos”, prosseguiu.
Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, que realizou o debate, João Paulo Costa afirma que a Lei proposta em Pernambuco é ainda mais abrangente que a do Rio, ao incluir o combate ao preconceito. “A Lei vai buscar garantir todos os direitos das pessoas com epidermólise bolhosa. Tenho certeza de que esse projeto vai ser aprovado e transformado em lei em breve em Pernambuco”, afirmou. “E é importante o Poder Legislativo estar integrado com o Governo do Estado, para que seja sancionada e as políticas públicas sejam formuladas”, emendou.
Coordenadora do núcleo de doenças raras da Secretaria Estadual de Saúde, Fernanda Luna disse que a pasta está realizando escutas para reestruturar as políticas estaduais de atenção às pessoas com doenças raras. “É preciso capacitar os municípios e os agentes de saúde que estão indo de porta em porta para ter um olhar clínico e investigativo para buscar esses diagnósticos”, ressaltou.
Conselheira estadual de Saúde, Oilda Maria da Silva citou os protocolos do Ministério da Saúde que estabeleceram em 2021 as Diretrizes Brasileiras da Epidermólise Bolhosa e reforçou a importância do diagnóstico precoce e do tratamento em domicílio por equipe multidisciplinar. Já a coordenadora das promotorias de Saúde do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Helena Capela, sublinhou a necessidade de a Lei ser aplicada em todo o território do Estado.
Conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco (Cremepe), Sérgio Palma apontou que a judicialização tem sido adotada pelos paciente com epidermólise como via para ter acesso ao tratamento, que deveria ser disponibilizado de forma fácil e rápida. E apontou a situação enfrentada pelos grandes hospitais de Pernambuco, como o Barão de Lucena, que sofrem com falta de insumos e medicamentos.
A Audiência Pública foi encerrada com uma fala do menino que motivou o debate: “Eu quero agradecer a todos que estão ajudando, às borboletas, e ao deputado João. Muito obrigado”, expressou Gui.