
RELATÓRIO – Auditor do TCE João Francisco Alves calcula que 40 mil pernambucanos de até 14 anos apresentem o transtorno. Foto: Nando Chiappetta
Uma audiência pública realizada pela Comissão de Cidadania da Alepe, nesta quinta (7), motivou a abertura de um inquérito civil pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE), a fim de apurar problemas em políticas direcionadas a pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). O encontro também abordou o acordo assinado na véspera por Secretaria de Saúde (SES) e Tribunal de Contas do Estado (TCE), com foco na formulação de ações para o segmento. Os pontos debatidos nesta manhã vão se somar aos levantados pela Comissão de Administração Pública na última terça (5), fundamentando relatório a ser encaminhado ao Poder Executivo.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), 1% da população mundial tem TEA. Já o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos estima que uma em cada 44 crianças seja autista. Com base nessas informações, o auditor do TCE João Francisco de Assis Alves calcula que aproximadamente 40 mil pernambucanos de até 14 anos apresentem o transtorno.
Durante o encontro virtual, ele apresentou um relatório do órgão sobre os serviços públicos direcionados a essa população. O levantamento aponta as seguintes dificuldades:
Vazios assistenciais – Há apenas 23 equipamentos de saúde no Estado, que não são específicos para TEA e estão mal distribuídos no território.
Diagnóstico em idade tardia – A idade média do paciente diagnosticado pela rede pública é de 5 anos e 3 meses.
Demora no atendimento especializado – Apurou-se que há 1.060 pessoas na fila de espera, mas o número ainda corresponderia a uma fração do real, pois poucos centros de atendimento e reabilitação responderam aos ofícios.
Falta de ações de capacitação – Cerca de 65% dos profissionais que fazem atendimento ao TEA não têm especialização. A carga horária do curso oferecido pelo Estado é de apenas duas horas.
Carga horária semanal de tratamento insuficiente – Tratamento oferecido varia entre 1 hora e 2 horas e 40 minutos por semana, quando especialistas recomendam 15 horas.
Falta de políticas públicas e financiamento – Não há destinação de recursos específicos para a assistência de pessoas com TEA.
Após a conclusão do trabalho, o TCE propôs à Secretaria de Saúde a assinatura de um Termo de Ajuste de Gestão (TAG), o que ocorreu na quarta (6). A partir do documento, firmado pelo secretário estadual André Longo, a pasta vai criar Grupos de Trabalho com o objetivo de apresentar, em 120 dias, um plano de ação. “A questão, porém, não se resume ao Estado. Também passa por municípios e União”, ressalvou Alves.

PRESSÃO – Promotora de Justiça Eleonora Rodrigues anunciou a instauração de inquérito civil a partir de informações do Tribunal de Contas. Foto: Nando Chiappetta
Para a promotora de Justiça Eleonora Marise Silva Rodrigues, após a sanção e regulamentação da Lei 15.487, a prioridade agora é sensibilizar os gestores públicos para a efetiva aplicação da norma. Ela anunciou a instauração de um inquérito civil, a partir das informações do Tribunal de Contas, de modo a pressionar o Governo Estadual a estruturar uma rede de acolhida e tratamento.
Demandas
Titular do mandato coletivo Juntas (PSOL) e presidente da Comissão de Cidadania, a deputada Jô Cavalcanti afirmou que o colegiado vai cobrar do Governo Estadual que cumpra as recomendações do TCE e envie à Alepe um projeto de lei criando uma política de proteção dos direitos dessas pessoas. Também pressionará pela implantação do prontuário virtual e da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), prevista na Lei Federal nº 13.977/2020. “Todos cidadãos precisam ser cuidados de forma adequada e com a devida atenção”, frisou.
Outras demandas a serem apresentadas ao Executivo pelo grupo parlamentar incluem terapia psicológica para mães e responsáveis e realização de estudos científicos. “Formaremos um comitê, a partir dos encontros desta semana, para levar os encaminhamentos ao Governo. E vamos atrás de orçamento para essas políticas públicas”, acrescentou Carol Vergolino, codeputada das Juntas.
A audiência pública foi feita a pedido de entidades da sociedade civil. Coordenadora do Grupo Supermães, Paula Santos afirmou que, a despeito da lei estadual de 2015 que estabelece os direitos da pessoa com TEA, não houve melhoras significativas na situação pelo menos desde que o filho dela foi diagnosticado, há oito anos. “Nossa sensação é de que a rede de apoio é inexistente, pois não atende às demandas por diagnóstico, acolhimento e tratamento eficaz. O prejuízo é imensurável. À medida que nossos filhos crescem, as dificuldades aumentam”, pontuou.

AÇÃO – Comissão de Cidadania vai cobrar do Estado política pública, terapia psicológica para responsáveis e realização de estudos científicos, avisou Jô Cavalcanti. Foto: Nando Chiappetta
Daniela Rorato, do Comitê de Crise em Defesa das Pessoas com Deficiência de Pernambuco, criticou a inexistência de prontuário virtual, bem como de políticas estaduais, centros especializados e, até mesmo, protocolos de atendimento para orientar as famílias. “Não é justo que as famílias tenham que peregrinar atrás de um direito fundamental, que é o diagnóstico da criança.”
Representando o grupo de estudo Associação de Amigos do Autista, Izabel Santos considerou a norma estadual, embora “pontual”, um avanço no que diz respeito à inclusão escolar de estudantes com necessidades especiais. Porém, na avaliação dela, a falta de políticas de saúde pode fazer com que as de educação não sejam devidamente implementadas. “Há autistas adultos que já não respondem à medicação e vivem em cárcere privado”, denunciou.
Coordenadora pedagógica da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), Lúcia Damásio relatou dificuldade em atender a alta demanda de pessoas encaminhadas pelas unidades públicas de saúde. O presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Geziel Bezerra, anunciou que o órgão discute a criação de uma comissão provisória para tratar especificamente do tema.
Providências
Gerente de Saúde Mental do Estado, João Marcelo Costa Ferreira considerou que o relatório do TCE vai subsidiar ações para pessoas com TEA em Pernambuco. Ele lembrou que o autismo não é uma condição recente, mas só há pouco tempo entrou no campo das políticas públicas. “A Secretaria de Saúde se comprometeu com o Tribunal de Contas em construir essas diretrizes e contribuir para que a sociedade tenha a resposta que merece”, assegurou.

DIFICULDADE – “Não é justo que as famílias tenham que peregrinar atrás de um direito fundamental, que é o diagnóstico da criança”, pontuou Daniela Rorato. Foto: Nando Chiappetta
O gestor ressaltou, porém, a importância de as prefeituras serem incluídas no debate, por meio do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems-PE), assim como o Governo Federal. “O Estado induz, coordena, apoia tecnicamente e politicamente, mas quem opera o cuidado é, essencialmente, o município. E os gestores estão inseguros em ampliar suas redes, porque a União não está garantindo os recursos”, mencionou.
Para Arabela Veloso de Morais, coordenadora de Atenção à Saúde da Pessoa com Deficiência da SES, a linha de cuidado da pessoa com TEA deve ser específica, conforme firmado na assinatura do Termo de Ajuste. “Estamos vendo a possibilidade de outros aparelhos de assistência, como as Unidades Pernambucanas de Atenção Especializada (UPAEs), serem usados para regionalizar e descentralizar o atendimento.”