A família do menino Jonatas Oliveira, de 9 anos, executado dentro da casa em que morava na zona rural de Barreiros (Mata Sul), recebeu a visita dos presidentes das Comissões de Direitos Humanos da Alepe, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O grupo foi ao Engenho Roncadorzinho, na manhã desta sexta (18), prestar apoio e solidariedade aos parentes da vítima, além de ouvir a comunidade sobre a violência na região.
Logo cedo, moradores prestaram uma homenagem ao garoto com fotos, faixas, canções e discursos nos quais pediam a solução do crime e mais segurança. Em seguida, os parlamentares escutaram agricultores relatarem diversas agressões sofridas, entre elas, ameaças de morte e de despejo, envenenamento da água e do solo, invasões às residências e até atentados a tiros.
Relatórios da Comissão Pastoral da Terra indicam que, das 23 pessoas ameaçadas de morte em Pernambuco no ano passado, 20 estão na Mata Sul, região que concentra 77% dos conflitos agrários do Estado. Além disso, 88% dos trabalhadores rurais que sofreram ameaças são posseiros (pessoas que ocupam terras que não estavam sendo utilizadas). Para o coordenador estadual da entidade, Plácido Júnior, esse último número indica que as disputas vêm ocorrendo porque “empresas estão invadindo as terras e expulsando pessoas que já estavam lá”.
“Em toda a Zona da Mata, há cerca de 1.500 famílias disputando 7 mil hectares de área que pertencem, em sua maioria, a usinas falidas – ou seja, a empreendimentos que não geram um quilo de açúcar nem um real de imposto para o Estado”, apontou o ativista. Segundo ele, atualmente ocorre uma mudança no tipo de interesse dos terrenos, que estão sendo visados para a pecuária de corte. A alteração é impulsionada pela instalação de um grande frigorífico na região.
“Não estou culpando a empresa, mas é preciso haver uma política de Estado que não veja a terra só como negócio, mas perceba as necessidades do homem do campo”, observou Plácido Júnior. No mesmo sentido, o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), Jaime Amorim, afirmou que os agricultores estão “deixando de ser escravos dos engenhos para serem oprimidos por cercas de arame farpado”.
Defensor-público geral de Pernambuco, José Fabrício informou que 40 das 43 ações em que atua o núcleo da DPE responsável por questões de terras, habitação e moradias dizem respeito à Mata Sul. “E a demanda só faz crescer. Hoje adotamos uma postura mais defensiva. Precisamos de instrumentos para pleitear usucapião para os posseiros, pois já há elementos contundentes que nos dão condições de buscar títulos de propriedade para essas famílias”, salientou.
Mobilização
A iniciativa das escutas partiu do mandato coletivo da Juntas (PSOL), que preside a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Alepe e foi representado pelas codeputadas Carol Vergolino e Joelma Carla nas visitas. “Logo que soubemos do caso Jonatas, entramos em contato com os colegiados do Congresso Nacional para fazer essa diligência”, explicou Vergolino. “Queremos celeridade e autonomia nas investigações, além de ações integradas do Governo do Estado.”
Parlamentares e entidades refutaram a primeira hipótese investigativa da polícia, a qual relacionou o crime ao tráfico de drogas. “Não fomos convencidos por essa versão, e o próprio delegado ainda não descartou a questão fundiária”, observou o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, deputado Carlos Veras (PT-PE). Ele frisou que “a segurança e a vida dos trabalhadores rurais são responsabilidades do estado brasileiro”.
Também o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, senador Humberto Costa (PT-PE), cobrou apuração do homicídio de forma “rápida, sendo os responsáveis identificados, julgados e punidos”. O petista pediu uma solução para a violência no campo em Pernambuco e repudiou a linha investigativa inicial: “Ninguém na comunidade tem participação em tráfico de drogas. São trabalhadores honestos, humildes, que produzem alimento para si e para a coletividade. É inaceitável esse tipo de conclusão”.
A questão da violência na Mata Sul foi alvo de audiência pública no Parlamento Estadual em 2020. Além disso, a Alepe aprovou, em setembro do ano passado, a “Lei do Despejo Zero” ( Lei nº 17.400/2021), de autoria das Juntas, impedindo o cumprimento de mandados de reintegração de posse enquanto durar a pandemia de Covid-19.
Presidente da Comissão de Agricultura da Assembleia, o deputado Doriel Barros (PT) pontuou que, diante da dívida judicial dos antigos proprietários do terreno, o Estado é credor e os trabalhadores, que não foram indenizados quando da falência, possuem legítimo direito a permanecer no local. “O Legislativo precisa discutir rapidamente uma lei que autorize o Governo do Estado a arrecadar essas terras como credor e colocá-las para fins de reforma agrária”, propôs.
Encaminhamentos
A agenda prosseguiu com encontro, no início da tarde, com representantes da Prefeitura de Barreiros. O secretário municipal de Assistência Social, Roberto Marinho, alegou que a gestão possui “olhar diferenciado para a zona rural e tem feito esforços, desde o fim de semana, para atender a família de forma completa, com assistência social”. “Isso inclui benefícios eventuais, como cestas básicas, além de apoio jurídico e na área de saúde”, assinalou.
Ao fim do dia, a comitiva reuniu-se com o governador Paulo Câmara, no Palácio do Campo das Princesas, no Recife. Presentes nas atividades, os deputados estaduais João Paulo (PCdoB) e Isaltino Nascimento (PSB) ressaltaram a conjuntura que levou ao problema da região. Para o comunista, é preciso “enxergar a situação do ponto de vista da luta de classes”.
“Temos que considerar o contexto nacional de estímulo à violência no campo”, disse, por sua vez, o socialista. “E devemos agir para evitar que alguns agentes do Estado não se sintam acima do Poder Público, dando um basta na atuação de milicianos”. Ele sugeriu uma reunião de trabalho já na próxima semana para articular as ações a serem tomadas, bem como a criação de delegacias especializadas em conflitos agrários em Pernambuco.
Já a presidenta da Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Pernambuco (Fetape), Cícera Gomes, citou disputas por terras em outras localidades para propor encaminhamentos com foco na reforma agrária. “Isso demanda recursos, desapropriação de áreas e atuação para barrar leilões criminosos que vendem imóveis por 10% do valor de mercado. Além de respeito à saúde, com uma alimentação sem veneno, e aos direitos humanos, para não vermos nossos filhos mortos a bala”, enumerou a líder sindical.
Após ouvir as falas dessas e de outras autoridades, o governador Paulo Câmara solidarizou-se com a família de Jonatas e anunciou providências para tentar reduzir a violência no campo. “Fatos do tipo intensificaram-se nos últimos anos, e nós sabemos a razão. Mas a gente precisa avançar nas respostas, conjugando esforços em um plano de trabalho formalizado por decreto”, afirmou, concordando com as propostas feitas por Nascimento.
O chefe do Executivo anunciou recursos para dar mais celeridade ao processo e debates com as diversas instituições envolvidas. “Vamos precisar do apoio dos Parlamentos Estadual e Federal, bem como do Poder Judiciário”, avisou. Câmara comprometeu-se, ainda, a “concluir ou chegar nos avanços necessários” até o fim do mandato dele, que se encerra em dezembro deste ano: “Será prioridade do Governo”.
Entenda o caso
Segundo depoimentos dos moradores, sete homens armados e encapuzados invadiram a residência do líder comunitário Geovane da Silva Santos, pai de Jonatas, na noite do dia 10 de fevereiro. O agricultor chegou a ser baleado no ombro, mas conseguiu deixar o local, onde estavam, ainda, a esposa dele e outras três crianças. Jonatas tentou se esconder debaixo de uma cama, mas foi morto na frente da família.
O Engenho Roncadorzinho está localizado nas terras da antiga Usina Santo André, que faliu há 22 anos. No local, atualmente sob administração da Justiça, vivem cerca de 400 agricultores familiares, que tiram o sustento da produção de macaxeira, banana e coco, além da criação de animais. Com a ruína da fábrica, essas pessoas ficaram sem receber seus direitos trabalhistas.