
DEBATE – Audiência pública da Comissão de Meio Ambiente foi presidida pelo deputado Tony Gel. Foto: Evane Manço
Moradores de Olinda defendem a criação de um parque linear para recuperar as condições naturais das margens do Rio Fragoso, que corta esse município da Região Metropolitana do Recife (RMR). A sugestão foi apresentada pelo Movimento Fragoso Resiste em audiência pública da Comissão de Meio Ambiente da Alepe, nesta sexta (20), presidida pelo deputado Tony Gel (MDB). Segundo eles, a iniciativa custaria menos e traria melhores resultados do que as intervenções atuais de expansão e canalização.
“Queremos ampliar o acesso da comunidade a espaços de uso público de lazer, contemplação e esporte, dos quais a cidade é tão carente. São reservas de qualidade de vida futura”, argumentou Alexandre Moura, um dos representantes do Fragoso Resiste. “Alargar e canalizar a beira do rio nas dimensões propostas não faz sentido, porque o aumento da vazão só será necessário em poucos dias por ano”, prosseguiu.
O serviço, que é alvo de questionamentos, vem sendo executado pela Companhia Estadual de Habitação e Obras (Cehab) em parceria com a Prefeitura de Olinda. Além da canalização do curso d’água, o trabalho abrange a construção de uma via para ligar a Ponte do Janga ao terminal de ônibus da Rodovia PE-15, como parte do Arco Metropolitano Norte. Iniciado em 2013, o empreendimento deveria ter sido finalizado até 2016, mas ainda não foi concluído.
Os integrantes do movimento, por sua vez, sugerem a implantação de um novo conceito no trecho de dois quilômetros de extensão restante. “Em nosso projeto, o próprio parque serviria como área de mitigação das inundações, com um custo menor e fazendo as mesmas desapropriações da proposta original”, explicou Moura. Para isso, o alargamento do Fragoso seria menor, assim como o espaço para o trânsito de veículos nas margens dele.

QUALIDADE – “Queremos ampliar o acesso da comunidade a espaços de uso público de lazer, contemplação e esporte”, argumentou Alexandre Moura. Foto: Evane Manço
Confira a apresentação do Movimento Fragoso Resiste na íntegra
“Canalizar um rio é uma ideia dos anos 1970 que destrói o ecossistema e afasta a população. Além disso, privilegia um projeto viário centrado no automóvel. Está totalmente na contramão do urbanismo atual”, observou o professor de Arquitetura da Faculdade de Olinda (Focca) Alexandre Ramos, que também integra o Fragoso Resiste. Ele reuniu alunos para propor modelos de ocupação das margens, prevendo o parque linear e mantendo áreas de preservação ambiental.
O fato de a obra já estar em execução não representaria um impeditivo. “No Recife, já havia até projeto licitado para vias expressas ao redor do Rio Capibaribe, mas a sociedade se mobilizou e o plano foi modificado para se tornar o Parque Capibaribe, que está sendo construído”, exemplificou Ramos. A professora do Mestrado em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Circe Monteiro concorda: “Verificamos em pesquisas que um parque valoriza em cerca de 20% os imóveis ao redor. No caso do Capibaribe, chegou a 80%”, frisou.
Para o futuro, o grupo Fragoso Resiste sugere que seja revertida a canalização feita até agora para dar lugar à chamada “renaturalização” do rio. A medida é tendência em algumas cidades do mundo, como Madri (Espanha), Medellín (Colômbia) e, no Brasil, em Niterói (RJ).

URBANISMO – Professor de Arquitetura, Alexandre Ramos apresentou modelos de ocupação das margens. Foto: Reprodução/Movimento Fragoso Resiste
Respostas das autoridades
O diretor de Obras da Cehab, Wilson Souza, confirmou ser viável a adaptação do trecho sugerido pela sociedade civil. “Podemos tentar, obedecendo às licenças que já temos e verificando o que é viável técnica e financeiramente”, disse. O gestor ressaltou, porém, que a questão precisa ser discutida com a Prefeitura de Olinda, também responsável pelo projeto.
O Movimento Fragoso Resiste também propôs a criação de um grupo de trabalho com a participação de seus integrantes e de autoridades responsáveis, a fim de reformular as intervenções nas margens do rio. Gerente de Estudos e Auditorias Temáticas do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE), Alfredo Montezuma apoiou a medida, mas pediu urgência. “Ao mesmo tempo que se quer melhorar o projeto, a população segue angustiada com riscos em períodos de chuva forte”, alertou.
A mudança, entretanto, enfrenta resistência. Para o engenheiro Alessandro Sarmento, especialista em drenagem e morador do entorno do Fragoso, a obra deve ser concluída o mais rapidamente possível, nos moldes atuais. “A criação da via do Arco Metropolitano Norte é importante para desafogar o trânsito. Olinda é uma cidade precária e não vai ser agora que vamos conseguir implantar as melhores coisas do mundo lá. Precisamos garantir que não haja mais alagamentos”, opinou. O vereador de Olinda Vlademir Labanca (PSC) endossou o posicionamento.

ANÁLISE – Diretor de Obras da Cehab, Wilson Souza, confirmou ser viável a adaptação do trecho sugerido pela sociedade civil. Foto: Evane Manço
Inundações
A alteração no projeto de urbanização vem na esteira das queixas dos moradores quanto ao aumento das inundações após o início das obras de canalização, fato que já foi abordado em reunião realizada na Alepe em 2016. Desde então, o TCE-PE tem acompanhado de perto a construção e investigado a relação entre a obra e os alagamentos. Para solucionar o problema, pretende-se implantar uma lagoa de contenção próxima do terminal da PE-15.
As dificuldades decorrentes da cheia de 2016 continuaram nos anos seguintes. Líder comunitária do Jardim Fragoso, Andreia Neves contou que os filhos perderam livros escolares e estão sem camas até hoje. “Já perdi todos os meus móveis por duas vezes. Os moradores ficam nervosos na época de chuva, com medo de que isso se repita. Precisamos de planos efetivos e de soluções, não de discursos”, cobrou.
Para a artista plástica Gabriela Holanda, moradora da região e integrante do Fragoso Resiste, o problema ocorreu porque a obra começou na foz e seguiu em direção à nascente, quando deveria ter sido o contrário. “Agora, a população tem que elevar as casas ou pode perder os bens todos os anos”, salientou. Ela tem feito registros do drama dos moradores com os alagamentos.
Gabriela ainda apresentou outras consequências negativas: diversas pontes criadas pela própria comunidade foram desfeitas, deixando as localidades mais distantes, e poucas vias para pedestres foram construídas. “As ruas nas margens ficaram desabitadas e perigosas, principalmente para as mulheres. Mesmo motoristas de aplicativos se recusam a entrar”, relatou. Segundo ela, não houve diálogo com a população e, nas desapropriações realizadas, “têm sido pagos valores baixos demais, que não permitem aos moradores continuar vivendo no local”.
Os deputados Teresa Leitão (PT) e João Paulo (PCdoB), que solicitaram a audiência pública, fizeram coro às denúncias e propostas do movimento. “O Fragoso Resiste pretende fazer daquela comunidade um lugar bom de se morar, bonito de se ver e seguro. Queremos que Olinda tenha o melhor”, ressaltou a petista.
Para o comunista, é necessário discutir mais com a população a fim de corrigir os erros do plano original. “O projeto teve uma concepção equivocada e precisamos saber o impacto desses erros. Mas devemos correr contra o tempo para isso”, avaliou. Também registraram apoio o mandato coletivo Juntas (PSOL) e o vereador de Olinda Vinicius Castello (PT).