
DEBATE – Posição foi apresentada durante reunião da Frente Parlamentar sobre os Impactos da Quarta Revolução Industrial em Pernambuco. Foto: Roberta Guimarães
O trabalho intermediado por aplicativos – como os de transporte e entrega de alimentos – deveria ser regulamentado, reconhecendo a relação entre as empresas e as pessoas que prestam serviços. Foi o que defenderam os pesquisadores de Direito do Trabalho Everaldo Gaspar e Carlo Cosentino em reunião promovida, nesta terça (8), pela Frente Parlamentar sobre os Impactos da Quarta Revolução Industrial em Pernambuco.
Para os especialistas, houve precarização do trabalho no capitalismo contemporâneo. “A chamada ‘economia do compartilhamento’ é um modelo em que o capital administra o trabalho das pessoas sem que elas sejam consideradas trabalhadoras subordinadas a esse capital. Uma empresa como a Uber não considera seus motoristas como empregados, mas como prestadores de um serviço comercial”, explicou Carlo Cosentino. Ele é advogado trabalhista e professor da Faculdade de Direito do Recife, vinculada à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

PRECARIZAÇÃO – “Empresas não consideram motoristas como empregados, mas como prestadores de um serviço comercial”, pontuou Cosentino. Foto: Roberta Guimarães
Ainda segundo Cosentino, o sistema proposto por aplicativos de transporte e entrega de produtos tem um “discurso novo, disruptivo e tecnológico”, mas, na prática, manifesta-se como uma reedição de velhas formas de exploração do trabalho. “Vemos pessoas trabalhando 12 horas por dia, sem nenhum tipo de proteção, para ganhar R$ 3 mil. Porém, se você conversa com os motoristas, muitos deles defendem a empresa, pois veem a si mesmo como empresários”, exemplifica. “O que o ocorre é uma captura das subjetividades: a pessoa não deixa de ‘ser uma empresa’ em nenhum momento”, complementou o professor.
“Tenta-se implantar uma visão agressiva para transformar o ser humano sob uma ética neoliberal, em que o fracasso depende apenas do indivíduo. É inadmissível que se explore hoje o trabalhador com jornadas piores que as da primeira Revolução Industrial”, considerou Everaldo Gaspar, que é coordenador da Pós-Graduação em Direito da UFPE. “A única maneira de os trabalhadores se protegerem neste cenário é retomar as lutas emancipatórias, juntando os que possuem vínculos formais e terceirizados com aqueles excluídos e clandestinizados, a fim de enfrentar as barbáries trazidas pelo ultraliberalismo global”, propôs.
Para Carlo Cosentino, a solução para os problemas gerados por esse modelo passa pela regulação estatal. De acordo com ele, mudanças já estão ocorrendo em países com tradição jurídica e econômica liberal, como os Estados Unidos. “A nova legislação aprovada no Estado norte-americano da Califórnia, que reconhece que motoristas de aplicativos de transporte como empregados de empresas como a Uber, é um grande avanço. É um verdadeiro divisor de águas, que cria expectativas de mudança de paradigma nessa relação”, aponta o professor.
O advogado trabalhista acrescentou que, no Brasil, a questão ainda não está pacificada nos tribunais, com decisões tanto pelo reconhecimento da relação empregatícia quanto pela visão contrária, defendida pelas empresas. “Do ponto de vista da doutrina e de nossos estudos, entendemos que a relação dos motoristas de aplicativos estabelece vínculo empregatício, pois estão presentes os cinco elementos fáticos do emprego: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica. A subordinação, por exemplo, não se dá de maneira tradicional, mas pelos algoritmos”, observou Cosentino.

CRÍTICA – “É inadmissível que se explore hoje o trabalhador com jornadas piores que as da primeira Revolução Industrial”, considerou Everaldo Gaspar. Foto: Roberta Guimarães
Coordenador do colegiado que promoveu a palestra, o deputado João Paulo (PCdoB) avaliou que a reunião promoveu “um encontro da produção intelectual da universidade com a realidade da classe trabalhadora, neste cenário em que grandes avanços tecnológicos estão sendo colocados a serviço da ultraexploração das pessoas, levando-as à condição de escravidão digital”. “Precisamos, cada vez mais, ampliar as nossas forças”, enfatizou o parlamentar.
O evento também teve a presença do deputado Isaltino Nascimento (PSB), de Robeyoncé Lima, codeputada do mandato das Juntas (PSOL), e do vice-prefeito do Recife, Luciano Siqueira, além de dirigentes de diversos sindicatos e centrais sindicais.