Consciência hídrica

Em 22/03/2019 - 10:03
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Marcos Miguel e Ivanna de Castro

O acesso à água potável é um direito humano fundamental, reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2010. Em todo o mundo, porém, três em cada dez pessoas não usufruem dessa garantia, segundo dados de 2017 da Organização Mundial da Saúde (OMS).

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Gente como a agricultora Maria Gercília Alves, de Santa Filomena (Sertão do Araripe). Até 2010, ela enfrentava dificuldades para ter esse bem essencial. “Eu vivia muito triste. Andava bastante para poder adquirir água para lavar roupa. Era uma situação precária”, recorda. “Hoje a gente tem um acesso mais fácil. A água com que eu tomo banho e lavo a louça é toda reaproveitada também.”

70%da mortalidade infantil foi reduzida em dez anos do Programa Um Milhão de Cisternas.

A realidade da pernambucana mudou com a participação no Programa Um Milhão de Cisternas, promovido pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). Coordenador da iniciativa no País, Rafael Neves destaca que mais de cem mil cisternas já foram construídas em Pernambuco pela instituição, em parceria com o Governo do Estado.

O trabalho, segundo o especialista, tem gerado resultados. “Muitos estudos comprovam a redução em até 70% da mortalidade infantil nos dez primeiros anos do Programa Um Milhão de Cisternas, além da diminuição de doenças diarreicas nas crianças e em toda a família. Então, tem um impacto positivo: garantir que as famílias tenham água de qualidade na porta da sua casa”, explica Neves.

A redução do êxodo rural e o aumento de feiras agroecológicas nos municípios beneficiados também estão entre os frutos do programa, de acordo com o gestor. Famílias interessadas em participar do projeto devem cumprir dois pré-requisitos: não podem ter acesso à água em casa, seja por encanamento ou por poço comunitário, e precisam se inscrever no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal.

CISTERNAS - Mais de 100 mil equipamentos foram construídos em Pernambuco, fruto de parceria entre a ASA e o Governo do Estado. Foto: Ana Lira/Divulgação

CISTERNAS – Mais de cem mil equipamentos foram construídos em Pernambuco, fruto de parceria entre a ASA e o Governo do Estado. Foto: Ana Lira/Divulgação

 

Economizar e preservar

Para quem já conta com o serviço de abastecimento de água, uma série de hábitos simples pode fazer a diferença no consumo do recurso natural, de acordo com o professor de Hidráulica e Drenagem Urbana da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Jaime Cabral. Segundo o especialista, mais de 50 litros de água são economizados no banho se o registro estiver fechado durante o uso do sabonete.

50 lde água são economizados no banho com registro fechado.

Na hora de escovar os dentes, a dica é abrir a torneira apenas para o enxágue. Na cozinha, ao lavar a louça, o correto é retirar o excesso de comida com a esponja, antes de abrir o registro. Já na lavanderia, deve-se acumular o máximo de roupa possível para otimizar o gasto de água. Por fim, para quem mora em casa, são duas as orientações: evitar lavar a calçada com mangueira e sempre verificar a existência de possíveis vazamentos.

O motivo para tantos cuidados se justifica. “Pernambuco é o Estado que tem a menor disponibilidade hídrica per capita. Quando a transposição puder ser utilizada, vai ajudar. Por enquanto, ainda faltam algumas obras para serem realizadas. Além disso, a questão do Agreste depende muito dos próximos meses”, avalia o acadêmico. Se o inverno for bom, as chuvas podem recuperar o nível das barragens e melhorar o quadro hídrico da região, observa Cabral.

 

Parlamento engajado na causa

Com o propósito de alertar a população sobre a necessidade de preservação dos recursos hídricos do planeta, a ONU instituiu, em 1992, o Dia Mundial da Água, celebrado anualmente em 22 de março. A Comissão de Meio Ambiente da Alepe se envolveu com o tema e, durante toda a semana, ofereceu programação especial para debater a situação dos recursos naturais do Estado.

Uma das ações desenvolvidas foi a análise do Projeto de Lei n° 37/2019, que tem o objetivo de garantir maior repasse do ICMS Socioambiental aos municípios que atuem em defesa do meio ambiente. Apresentada pelo presidente do colegiado, deputado Wanderson Florêncio (PSC), a proposta está em tramitação na Casa.

DEBATE - “A realidade pernambucana mudou, a população cresceu e a quantidade de água disponível diminuiu", alertou Alexandre Ramos, que preside o Comitê da Bacia Hidrográfica do Capibaribe. Foto: Heluizio Almeida

DEBATE – “A realidade pernambucana mudou, a população cresceu e a quantidade de água disponível diminuiu”, alertou Alexandre Ramos, que preside o Comitê da Bacia Hidrográfica do Capibaribe. Foto: Heluizio Almeida

“O objetivo é corrigir distorções e fazer uma distribuição mais justa da parcela do ICMS devida aos municípios, favorecendo as localidades que tenham ações nas áreas de proteção de mananciais, coleta seletiva e energia renovável”, informa o consultor legislativo da Alepe Alexandre Vasconcelos, que auxiliou na formulação da proposta.

Além de assegurar mais recursos para as prefeituras investirem em sustentabilidade, a retomada de projetos federais foi apontada como ação urgente para garantir o abastecimento dos pernambucanos. Em audiência pública sobre as barragens e os recursos hídricos do Estado, o chefe da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) no Recife, Marcelo Teixeira, disse que o Programa Água para Todos, responsável por construir mais de 42 mil cisternas em Pernambuco, está suspenso desde o fim de 2017.

Já o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Capibaribe, Alexandre Ramos, chamou atenção para a defasagem do Plano Estadual de Recursos Hídricos, criado em 1998. “A realidade pernambucana mudou, a população cresceu e a quantidade de água disponível diminuiu. É preciso atualizar o documento, e a Assembleia é estratégica nesse processo”, acredita. Ele defendeu, ainda, uma articulação estadual similar à criada para enfrentar o problema da segurança pública: o que chama de “Pacto pela Água”.

 

Mobilização

Ações de conscientização também marcaram a semana. Alunos da Rede Estadual de Ensino vieram à Casa de Joaquim Nabuco observar os registros feitos pelo fotógrafo Wesley D’Almeida ao longo dos 248 quilômetros do Rio Capibaribe, bem como assistir ao documentário Expedição Capibaribe. As fotos e o vídeo mostram as potências e as mazelas do curso d’água, que nasce na Serra de Jacarará, no município de Poção (Agreste), e deságua no Oceano Atlântico após cortar a região central do Recife.

VISÃO - “Defender o meio ambiente é um compromisso ético que toda a sociedade deve firmar", acredita Wanderson Florêncio, que preside a Comissão de Meio Ambiente. Durante a semana, colegiado realizou programação especial voltada à sociedade civil. Foto: Heluizio Almeida

VISÃO – “Defender o meio ambiente é um compromisso ético que toda a sociedade deve firmar”, acredita Florêncio, que preside a Comissão de Meio Ambiente da Alepe. Durante a semana, houve programação especial voltada à sociedade civil. Foto: Heluizio Almeida

Uma palestra educativa, ocorrida na quinta (21), chamou atenção dos alunos da Escola Estadual Silva Jardim, na Zona Norte do Recife, para atos cotidianos que trazem riscos ao meio ambiente, a exemplo do descarte de óleo de cozinha nas pias residenciais. Fechando a programação, um passeio de barco pelo Capibaribe verificou danos provocados pelo descarte inadequado de lixo e esgoto nos rios.

“Defender o meio ambiente é um compromisso ético que toda a sociedade deve firmar. A Assembleia está fazendo a parte dela, discutindo leis que valorizem a preservação, promovendo debates sobre a situação dos nossos rios e indo até a sociedade levar aos estudantes a mensagem da sustentabilidade”, resumiu Wanderson Florêncio.  

 

*Fotos em destaque: Clemilson Campos/Arquivo (home), João Bita/Arquivo (Notícias Especiais) e Rinaldo Marques/Arquivo (topo de página)