
Parecer 8310/2022
Texto Completo
Emendas Modificativas nº 1/2022 e 2/2022, de autoria do Deputado Joel da Harpa, ao Projeto de Lei Complementar nº 3142/2022, de autoria do Governador do Estado
PROPOSIÇÕES ACESSÓRIAS QUE VISAM MODIFICAR A REDAÇÃO O PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 3142/2022, DE AUTORIA DO GOVERNADOR DO ESTADO. A EMENDA MODIFICATIVA Nº 1/2022 TRATA DE PROPOSIÇÃO AUTORIZATIVA. CONFIGURAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E DE VÍCIO DE ANTIJURIDICIDADE. INGERÊNCIA NA ATRIBUIÇÃO DO CHEFE DO EXECUTIVO PARA EXERCER A DIREÇÃO SUPERIOR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DE PODERES E DA RESERVA DA ADMINISTRAÇÃO. MATÉRIA DE INICIATIVA DO GOVERNADOR DO ESTADO (ART. 19, § 1º, INCISOS II E VI, DA CE/89). A EMENDA MODIFICATIVA Nº 2/2022 ACARRETA AUMENTO DE DESPESA PARA O PODER PÚBLICO, IMPLICANDO, ASSIM, EM INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PELA REJEIÇÃO.
1. Relatório
Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, Emendas Modificativas nº 1/2022 e 2/2022, de autoria do Deputado Joel da Harpa, ao Projeto de Lei Complementar nº 3142/2022, de autoria do Governador do Estado
As proposições tramitam em regime de urgência.
2. Parecer do Relator
As Proposições vêm arrimadas no art. 204 do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.
A Emenda Modificativa nº 1/2022 proposta modifica art. 4º e acrescenta art. 5º ao Projeto de Lei Complementar nº 3142/2022, estabelecendo que, no prazo de até 90 (noventa) dias da vigência da Lei Complementar, o Poder Executivo poderá encaminhar mensagem à Assembleia Legislativa, estabelecendo a extinção das faixas salariais para militares de mesma patente, e unificando os seus vencimentos pela última faixa que consta do anexo único da Lei.
Inicialmente, verifica-se que na Emenda Modificativa nº 1/2022 ora examinada prevalece caracteriza a denominada “lei autorizativa”, cuja constitucionalidade é questionada pela doutrina e pelos tribunais pátrios.
Com efeito, consideram-se “autorizativas” as leis de iniciativa parlamentar que têm como objeto uma permissão ao Poder Executivo para executar atos que já são de sua competência constitucional. Segundo Fernandes, os projetos de lei autorizativos apresentam vícios de constitucionalidade e de juridicidade, in verbis:
(...), projeto de lei de iniciativa parlamentar que trate de algum assunto mencionado no citado art. 61, §1°, da Carta Magna, será considerado inconstitucional, de plano, sob o ângulo formal, por conter vício de iniciativa. Tal vício não pode ser sanado sequer pela sanção presidencial posterior, eivando de nulidade o diploma legal assim produzido, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal.
A violação à regra constitucional da iniciativa do processo legislativo representa indevida afronta ao princípio da separação dos poderes. Assim, quando um membro do Congresso Nacional apresenta projeto de lei contrário ao disposto no art. 61, §1°, da Constituição, está, na verdade, tentando usurpar competência deferida privativamente ao Chefe do Poder Executivo pela Carta Magna.
Nesse sentido, a apresentação de projetos de lei autorizativos por parlamentares visa, em regra, contornar tal inconstitucionalidade, fazendo com que seja aprovado comando legal que não obrigue, mas apenas autorize o Poder Executivo a praticar uma determinada ação.
Embora não haja obrigação de cumprimento, é certo que a Constituição não menciona que a iniciativa privativa do Presidente da República restringe-se às leis impositivas. Dessa forma, qualquer projeto que viole o disposto no art. 61, §1°, da Constituição, como os projetos autorizativos, é inconstitucional, obrigando ou não o Poder Executivo.
(...)
Além disso, os projetos de lei autorizativos de iniciativa parlamentar são injurídicos, na medida em que não veiculam norma a ser cumprida por outrem, mas mera faculdade (não solicitada por quem de direito) que pode ou não ser exercida por quem a recebe.
O projeto autorizativo nada acrescenta ao ordenamento jurídico, pois não possui caráter obrigatório para aquele a quem é dirigido. Apenas autoriza o Poder Executivo a fazer aquilo que já lhe compete fazer, mas não atribui dever ao Poder Executivo de usar a autorização, nem atribui direito ao Poder Legislativo de cobrar tal uso.
A lei, portanto, deve conter comando impositivo àquele a quem se dirige, o que não ocorre nos projetos autorizativos, nos quais o eventual descumprimento da autorização concedida não acarretará qualquer sanção ao Poder Executivo, que é o destinatário final desse tipo de norma jurídica.
A autorização em projeto de lei consiste em mera sugestão dirigida a outro Poder, o que não se coaduna com o sentido jurídico de lei, acima exposto. Tal projeto é, portanto, injurídico. Essa injuridicidade independe da matéria veiculada no projeto, e não se prende à iniciativa privativa prevista no art. 61, §1°, da Constituição. (FERNANDES, Márcio Silva. “Inconstitucionalidade de projetos de lei autorizativos”. Disponível em: <http://bd.camara.leg.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1375/inconstitucionalidade_projetos_fernandes.pdf?sequence=4>. Acesso em: 24.09.2021)
No mesmo sentido, a jurisprudência pátria repele a utilização de leis autorizativas:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE HERVAL. LEI AUTORIZATIVA. MATÉRIA QUE VERSA SOBRE ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO. INICIATIVA PRIVATIVA DO PODER LEGISLATIVO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. 1. Padece de inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa, a Lei Municipal nº 1.101/2013, do Município de Herval, que dispõe sobre o transporte para locomoção de alunos de Herval para Arroio Grande/RS, por tratar de matéria cuja competência privativa para legislar é do Chefe do Executivo. 2. A expressão "fica o Poder Executivo Municipal autorizado a viabilizar transporte...", em que pese a louvável intenção do legislador, não significa mera concessão de faculdade ao Prefeito para que assim proceda, possuindo evidente caráter impositivo. 3. Violação ao disposto nos artigos 8º, 10, 60, inciso II, e 82, inciso VII, todos da Constituição Estadual. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70055716161, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 28/10/2013). (grifos acrescidos)
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei municipal que “institui a Semana Municipal do Egresso e dá outras providências”. Lei autorizativa. Norma de iniciativa parlamentar que interfere na prática de atos de gestão administrativa. Separação dos poderes. Inconstitucionalidade configurada. Ação julgada procedente. (Direta de Inconstitucionalidade nº 2003549-62.2015.8.26.0000, Tribunal de Justiça de São Paulo, Órgão Especial do TJ/SP, relator Marcio Bartoli) (grifos acrescidos).
AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. ARTIGO 207 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA AUTORIZATIVA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A implantação de campus universitário sem que a iniciativa legislativa tenha partido do próprio estabelecimento de ensino envolvido caracteriza, em princípio, ofensa à autonomia universitária (CF, artigo 207). Plausibilidade da tese sustentada. 2. Lei autorizativa oriunda de emenda parlamentar. Impossibilidade. Medida liminar deferida. (ADI 2367 MC/SP – São Paulo. Medida Cautelar na Ação Direito de Inconstitucionalidade. Relator: Min. Maurício Corrêa. Julgamento: 05/04/2001 – Tribunal Pleno – DJ 05/04/2004).
Desta feita, a medida violaria os princípios da separação dos poderes (art. 2º da Constituição Federal) e da reserva da administração (art. 84, inciso II, da Constituição de 1988 c/c art. 37, inciso II, da Constituição Estadual), tendo em vista a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo.
Nesse contexto, é possível deduzir que a mera autorização prevista no texto da emenda em comento compromete sua validade, seja pela ocorrência de vício formal de iniciativa, seja pela ausência de juridicidade.
Já a Emenda Modificativa nº 2/2022 altera o art. 1º, determinando que os valores nominais do soldo dos militares do Estado passam a vigorar, a partir de 2º de abril de 2022 e não em 1º de junho, como definido no projeto principal. Logo, há um flagrante aumento de despesa para a administração pública.
Dito isso, saliente-se que o Poder Legislativo detém a competência de emendar todo e qualquer projeto de lei, ainda que fruto da iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (art. 48, CF/88). Tal competência do Poder Legislativo conhece, porém, duas limitações, quais sejam: a) a impossibilidade de o parlamento versar matéria estranha à versada no projeto de lei ; b) a impossibilidade de as emendas parlamentares acarretarem aumento de despesa.
Assim, tem-se, in verbis:
“A jurisprudência da Corte é firme no sentido de que a Constituição Federal veda ao Poder Legislativo formalizar emendas a projetos de iniciativa exclusiva se delas resultar aumento de despesa pública ou se forem elas totalmente impertinentes à matéria versada no projeto (ADI nº 3.288/MG, rel. Min. Ayres Britto, DJ de 24/2/11; ADI n° 2350/GO, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 30/4/2004).” grifo nosso
Portanto, é patente que as Emendas acima destacadas extrapolam o poder de alteração conferido ao parlamentar, conforme vícios acima apontados, quando no tocante a projetos de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.
Diante do exposto, opino no sentido de que o parecer desta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça seja pela rejeição, por vício de inconstitucionalidade, das Emendas Modificativas nº 1/2022 e 2/2022, de autoria do Deputado Joel da Harpa, ao Projeto de Lei Complementar nº 3142/2022, de autoria do Governador do Estado.
3. Conclusão
Ante o exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, opinamos pela rejeição, por vício de inconstitucionalidade, das Emendas Modificativas nº 1/2022 e 2/2022, de autoria do Deputado Joel da Harpa, ao Projeto de Lei Complementar nº 3142/2022, de autoria do Governador do Estado.
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