
Parecer 6636/2021
Texto Completo
AO PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 2662/2021
Origem: Poder Executivo do Estado de Pernambuco
Autoria: Governador do Estado de Pernambuco
Parecer ao Projeto de Lei Complementar nº 2662/2021, que dispõe sobre o IPVA e sobre a vedação ao uso de veículos licenciados em outra unidade da Federação por empresa locadora de automóvel que atua em Pernambuco. Pela aprovação.
1. Relatório
Vem a esta Comissão de Finanças, Orçamento e Tributação, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Complementar nº 2662/2021, oriundo do Poder Executivo, encaminhado por meio da Mensagem n° 77/2021, datada de 17 de setembro de 2021 e assinada pelo Governador do Estado de Pernambuco, Paulo Henrique Saraiva Câmara.
No artigo 1º do projeto, propõe-se uma série de modificações na Lei nº 10.849, de 28 de dezembro de 1992, que dispõe sobre o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA. A maior parte das modificações busca mitigar as distorções na tributação sobre veículos automotores de empresas que exploram sua locação no território pernambucano, notadamente aqueles registrados e licenciados em outra unidade federada.
Nessa esteira, o artigo 2º prevê que essas empresas devem disponibilizar aos locatários apenas veículos licenciados no próprio Estado. Em caso de inobservância dessa regra, o artigo 3º traz as sanções aplicáveis.
O artigo 4º fixa prazo de 120 dias, contados da publicação da lei, para que as locadoras se adequem ao novo regramento.
Já no artigo 5º, as alterações propostas referem-se à Lei Complementar nº 457, de 16 de setembro de 2021, que dispõe sobre remissão e anistia de crédito tributário, parcelamento e prorrogação de prazo de recolhimento referente ao IPVA e taxas que especifica, relativamente a motocicletas, ciclomotores e motonetas nacionais, com até 162 cilindradas, de propriedade de pessoa física. A intenção da mudança, segundo o autor, é a de explicitar a abrangência temporal da anistia e da remissão de que trata o referido diploma normativo.
Por fim, o artigo 7º revoga o artigo 3º da Lei nº 10.849/1992, em sintonia com as alterações apresentadas no artigo 1º deste projeto, que trazem nova disciplina à matéria objeto da revogação.
2. Parecer do Relator
A proposição encontra suporte no artigo 19, caput, da Constituição Estadual e no artigo 194, inciso II, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.
De acordo com os artigos 93 e 96 desse Regimento, compete a esta Comissão de Finanças, Orçamento e Tributação emitir parecer sobre proposições que envolvam matéria tributária ou financeira.
A proposição apresentada tem como finalidade precípua a de impedir o desvirtuamento da política fiscal relativa ao IPVA. Muitos entes federados, com a intenção de aumentar a arrecadação do imposto, reduzem suas alíquotas substancialmente de sorte a atrair o licenciamento de veículos de entes distintos, não obstante sua circulação frequente ocorrer nesses entes.
O tema já foi debatido pelo Supremo Tribunal Federal que, no âmbito do Recurso Extraordinário nº 1.016.605, fixou a tese de que a capacidade ativa referente ao IPVA pertence ao Estado onde o veículo automotor deve ser licenciado, considerando-se a residência ou, no caso de pessoa jurídica, seu domicílio, que é o estabelecimento ao qual tal veículo é vinculado. Prevaleceu na Corte Suprema o entendimento de que a imposição do IPVA supõe que o veículo automotor circule no Estado em que é licenciado.
De igual modo, por ocasião do julgamento da ADI nº 4.612/SC, em que se discutia a constitucionalidade da Lei nº 15.242, de 27 de julho de 2010, do Estado de Santa Catarina, o STF validou a sistemática de cobrança prevista na lei questionada e consolidou a tese de que “a capacidade ativa referente ao IPVA pertence ao Estado onde deve o veículo automotor ser licenciado, considerando-se a residência ou o domicílio – assim entendido, no caso de pessoa jurídica, o estabelecimento a que estiver ele vinculado”.
Nessa esteira, o projeto apresenta um conjunto de modificações ao texto normativo que regula o IPVA, demandando, por conseguinte, a apreciação deste Colegiado no tocante à sua adequação à legislação tributária.
No tocante à controvérsia, se ela está na definição do local do registro (licenciamento) dos veículos automotores de propriedade das empresas locadoras, faz-se necessário investigar aquele conceito.
Em relação ao ato de registro, o artigo 120 da Lei Federal nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), estabelece que:
Art. 120 Todo veículo automotor, elétrico, articulado, reboque ou semi-reboque, deve ser registrado perante o órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal, no Município de domicílio ou residência de seu proprietário, na forma da lei. (grifamos)
Vinculado o ato de registro ao domicílio ou residência de seu proprietário, a problemática agora recai sobre qual seria o domicílio das locadoras.
A Lei Federal nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional – CTN), disciplina o conceito de domicílio tributário:
Art. 127. Na falta de eleição, pelo contribuinte ou responsável, de domicílio tributário, na forma da legislação aplicável, considera-se como tal:
I - quanto às pessoas naturais, a sua residência habitual, ou, sendo esta incerta ou desconhecida, o centro habitual de sua atividade;
II - quanto às pessoas jurídicas de direito privado ou às firmas individuais, o lugar da sua sede, ou, em relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação, o de cada estabelecimento;
III - quanto às pessoas jurídicas de direito público, qualquer de suas repartições no território da entidade tributante. (grifamos)
Pela leitura do caput do artigo 127, é possível concluir que o domicílio tributário pode ser eleito pelo contribuinte, sendo essa a regra. Sendo assim, a princípio, não há nada que obrigue a empresa locadora a fixar como domicílio do veículo automotor o estabelecimento ao qual estiver vinculado.
No entanto, orientado pelo princípio do federalismo fiscal e na tese de que o licenciamento do veículo se trata de ato meramente formal, o Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido de reconhecer que a propriedade se materializa no local de uso do veículo. Não por acaso, o ato de usar é um dos atributos do direito de propriedade: usar, gozar e dispor.
O Relator Ministro Dias Toffoli, em voto proferido no julgamento da ADI nº 4.612/SC, pondera que “não pode o contribuinte abusar do direito de eleger domicílio tributário de modo a contrariar o núcleo da materialidade do IPVA, o télos do tributo e, ao cabo, o pacto federativo, preceitos de envergadura constitucional”.
Em complemento ao posicionamento do STF acerca da matéria, faremos nossa análise do projeto de lei apresentado a partir da construção da Regra Matriz de Incidência Tributária (RMIT) do tributo, haja vista sua aptidão em delimitar com precisão o âmbito de incidência normativa e o consequente da relação jurídico-tributária, permitindo assim melhor visualização de sua estrutura[1].
A RMIT é a norma jurídica tributária em sentido estrito, é o comando que marca o âmbito de incidência do tributo, um modelo aplicável a casos concretos. O termo “regra” é sinônimo de norma jurídica, dado que se trata de uma construção do intérprete, a partir de sua percepção do texto da lei. “Matriz” indica que sua construção serve como modelo sintático-semântico na produção da linguagem jurídica concreta. “Incidência” diz respeito a normas produzidas para serem aplicadas.
Em seu Curso de Teoria Geral do Direito, Aurora Tomazini observa que algumas normas são produzidas para incidir, outras nascem como resultado da incidência. Explica a autora[2]:
Nas normas produzidas para incidir (do tipo gerais e abstratas), a classe dos fatos (delimitada pela hipótese) e das relações (delimitada pelo consequente) compreendem inúmeros elementos, tanto quanto forem os acontecimentos concretos que nela se enquadrem, quanto às relações a se instaurarem juridicamente. Nas normas produzidas como resultado da incidência de outras normas (do tipo individuais e concretas), as classes do antecedente e do consequente abarcam um único elemento, o fato jurídico e a relação jurídica objetivados. Estas últimas normas geralmente são produzidas com a incidência das primeiras no caso concreto e, por isso, nelas se fundamentam materialmente. O que uma prescreve abstratamente, a outra dispõe de forma concreta e, assim sendo, encontram-se mais próximas ao campo material das condutas objetivas, tendo mais condições de atuar modificativamente.
Tratando-se do IPVA, o professor Paulo de Barros Carvalho, na sua obra Derivação e Positivação no Direito Tributário, constrói o arquétipo constitucional da sua RMIT da seguinte forma[3]:
Hipótese normativa:
- critério material: ser proprietário de veículo automotor;
- critério espacial: limites territoriais do Estado ou do Distrito Federal em que está registrado o veículo automotor;
- critério temporal: instante fixado em lei, a partir do momento em que a propriedade é adquirida e se mantém.
Consequente normativo:
- critério pessoal: sujeito ativo (Estado ou Distrito Federal em que estiver registrado o veículo automotor/0; sujeito passivo (proprietário do veículo automotor);
- critério quantitativo: base de cálculo (valor venal do veículo automotor); alíquota (percentual fixado em lei do Estado ou do Distrito Federal, com observância ao artigo 155, § 6º, I e II, da Constituição Federal).
Com efeito, tomando-se esse arquétipo constitucional como referência, cada Estado ou o Distrito Federal terá sua própria RMIT do IPVA, ajustada aos contornos da legislação estadual. É a partir desse referencial em conjunto com o entendimento do STF que analisamos o projeto.
No artigo 1º, observa-se que as modificações propostas ampliam o alcance da aplicação da RMIT. A primeira alteração dá-se no artigo 2º, § 5º, da Lei nº 10.849/1992, fixando-se novos momentos de ocorrência do “fato gerador” (hipótese de incidência):
Art. 2º ..........
§ 5º Ocorre também o fato gerador: (NR)
I - no momento da perda ou nulidade da condição que fundamenta a isenção ou imunidade; e (AC)
II - em se tratando de veículo de propriedade de empresa locadora domiciliada em outra Unidade da Federação e com estabelecimento em Pernambuco, na hipótese de o veículo ser objeto de locação no território deste Estado, na data de sua: (AC)
a) locação ou disponibilização para locação, em se tratando de veículo usado, registrado anteriormente em outra Unidade da Federação; ou (AC)
b) aquisição para integrar a frota destinada à locação neste Estado, em se tratando de veículo novo. (AC) (grifamos)
O momento fixado no inciso I do § 5º já tem previsão na lei vigente, tendo apenas sido renumerado; a inovação ocorre com o acréscimo do inciso II, que demarca o instante a ser considerado na primeira incidência do imposto sobre a propriedade do veículo automotor de locadora, atualizando os contornos do critério temporal da hipótese de incidência, tendo em vista a mudança em seu critério espacial definida a seguir.
A segunda modificação é a inclusão do artigo 3º-A. Em razão do acréscimo do dispositivo, o autor optou por revogar em sua totalidade o artigo 3º (pelo artigo 7º da proposição), que dispunha também sobre o local da incidência:
Art. 3º-A. O IPVA é devido no local: (AC)
I - na hipótese de pessoa natural, da sua residência habitual ou; (AC)
II - na hipótese de pessoa jurídica:
a) do estabelecimento situado no território deste Estado, quanto aos veículos que a ele estejam vinculados na data da ocorrência do fato gerador; (AC)
b) do estabelecimento onde o veículo estiver disponível para entrega ao locatário na data da ocorrência do fato gerador, no caso de contrato de locação avulsa; ou (AC)
c) do domicílio do locatário ao qual estiver vinculado o veículo na data da ocorrência do fato gerador, no caso de locação de veículo para integrar sua frota. (AC)
§ 1º Na hipótese de a pessoa natural possuir mais de uma residência habitual, presume-se como domicílio tributário, para fim de pagamento do IPVA: (AC)
I - o local onde exerça profissão; ou (AC)
II - o endereço constante da Declaração de Imposto de Renda, caso exerça profissão em mais de um local. (AC)
§ 2º Na impossibilidade de se determinar o domicílio tributário da pessoa natural nos termos dos § 1º, a autoridade administrativa deve fixá-lo tomando por base o endereço apurado em órgãos públicos, nos cadastros de domicílio eleitoral ou nos cadastros de empresa seguradora ou concessionária de serviço público. (AC)
§ 3º Na hipótese de pessoa jurídica, não sendo possível determinar a vinculação do veículo, presume-se como domicílio o local do estabelecimento onde haja indício de utilização do veículo com predominância sobre os demais estabelecimentos da mesma pessoa jurídica. (AC)
§ 4º Em se tratando de veículo de propriedade de empresa de arrendamento mercantil, o imposto é devido no local do domicílio ou residência do arrendatário. (AC)
§ 5º Equipara-se a estabelecimento da empresa locadora de veículo neste Estado o local de situação dos veículos colocados à disposição para locação. (AC)
Percebe-se que o texto acrescido reflete, de modo geral, o entendimento do STF, notadamente na mitigação da faculdade de eleição do domicílio tributário pelo contribuinte, prevista no artigo 127 do CTN, dado que a nova redação delimita com precisão o local em que o imposto será devido. Tendo em vista o critério espacial da RMIT do IPVA, esse local necessariamente coincidirá com o do registro do veículo automotor.
A próxima modificação ocorre no artigo 7º, § 2º, inciso IV, alínea “a”, que traz um dos requisitos para que um estabelecimento seja considerado como locadora de veículo: “ser proprietária ou possuidora em decorrência de contrato de arrendamento mercantil - leasing, com registro no cadastro do DETRAN-PE”. Com o novo texto, além do contrato de arrendamento mercantil, a propriedade ou a posse podem decorrer de “instrumento contratual congênere”, ampliando o alcance do conceito (critério material).
Finalmente, propõe-se o acréscimo de responsável solidário pelo pagamento do IPVA ao rol do artigo 10 da lei, criando-se mais um sujeito passivo da obrigação tributária (critério pessoal do consequente normativo):
Art. 10. ....
VI - a pessoa jurídica que tomar em locação veículo para uso neste Estado, em relação aos fatos geradores ocorridos nos exercícios em que o veículo estiver sob locação. (AC)
§ 1º A solidariedade prevista neste artigo não comporta benefício de ordem. (AC)
§ 2º Para eximir-se da responsabilidade prevista no inciso VI do caput, a pessoa jurídica deve exigir comprovação do pagamento do imposto devido a este Estado, relativamente aos veículos objetos da locação. (AC) (grifamos)
Na sequência, as demais inovações trazidas pelo projeto à Lei nº 10.849/1992 não implicam em violação à legislação tributária, apenas fixam sanções em virtude do descumprimento de obrigação que prevê (artigos 2º e 3º) e estabelecem prazo para adequação das empresas de locação de veículos ao novo regramento (artigo 4º), conforme apresentado em nosso relatório.
Finalmente, o artigo 5º procede à atualização de outro texto normativo, qual seja a Lei Complementar nº 457/2021, que dispõe sobre remissão e anistia de crédito tributário, parcelamento e prorrogação de prazo de recolhimento referente ao IPVA e taxas que especifica.
De acordo com o artigo 156, inciso IV, do CTN, a remissão extingue o crédito tributário, enquanto a anistia o exclui, consoante o artigo 175, inciso II, do mesmo diploma legal. A Lei Complementar Federal nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF) caracteriza essas duas figuras como modalidades de renúncia de receita, conforme rol contido no § 1º do seu artigo 14.
Todavia, a modificação proposta não cria nova hipótese de anistia ou de remissão, apenas explicita a abrangência temporal da anistia e da remissão das taxas de diária, de reboque, de vistoria e de liberação de veículos recolhidos em depósito.
No mais, correta a escolha do Projeto de Lei Complementar como veículo introdutor das modificações nos textos legais, dado que uma das leis também possui essa mesma natureza: a Lei Complementar nº 457/2021.
Diante dos argumentos expendidos, não enxergo óbices para a aprovação da proposição na forma como se apresenta, uma vez que ela observa os preceitos da legislação tributária. Não há implicações na legislação financeira.
Fundamentado no exposto, opino no sentido de que o parecer desta Comissão de Finanças, Orçamento e Tributação seja pela aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 2662/2021, oriundo do Poder Executivo.
3. Conclusão da Comissão
Acolhendo o parecer do relator, esta Comissão de Finanças, Orçamento e Tributação declara que o Projeto de Lei Complementar nº 2662/2021, de autoria do Governador do Estado, está em condições de ser aprovado.
Recife, 29 de setembro de 2021.
Histórico