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PROJETO DE RESOLUÇÃO 1277/2020

Submete a indicação do Doce de Guabiraba para obtenção do Registro do Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco.

Texto Completo

     Art. 1º Fica submetida a indicação do Doce de Guabiraba para obtenção da Concessão do Registro do Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco, nos termos da Lei nº 16.426, de 27 de setembro de 2018.

     Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Autor: Gustavo Gouveia

Justificativa

     Tradicional doce de Paudalho, Município da Zona da Mata de Pernambuco, o Doce de Guabiraba possui sabor raro, preparado apenas uma vez ao ano, representando uma cultura centenária que faz da cidade um expoente nessa atividade.

     São catadas uma a uma, como num garimpo, e não é para menos: as guabirabas viraram raridade. São comuns no cerrado e podem atingir até 15 metros de altura. O tronco é cheio de lascas que vão se soltando com o tempo. Não se sabe ao certo como as árvores chegaram à Paudalho.

     O fruto conhecido em Pernambuco como guabiraba é de origem Tupi e significa “árvore de casca amarga”. É uma planta da família das “Myrtaceae”, a mesma da goiaba e dos araçás, que apresenta 25 espécies, sendo 15 delas nativas do Brasil. Em outras regiões do país, possui diversas denominações: guabiroba, gabiroba, guariva, guabirobeira.

     Atualmente cultivada nos pomares domésticos, tornou-se popular por suas boas qualidades medicinais, por ser uma planta rica em vitamina C, proteínas, carboidratos, niacina, sais minerais, vitaminas do complexo B. Tais qualidades foram corroboradas por pesquisas e experimentos realizados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e demais meios acadêmicos.  Os frutos e folhas também são utilizados no combate à gripe, e as cascas possuem substâncias adstringentes indicadas para problemas gastrointestinais, como a diarreia, ou tratamento dos males do trato urinário, como a cistite e a uretrite. Em infusão, suas folhas podem ser usadas como um relaxante muscular por meio de banhos de imersão, além de possuir propriedades antioxidantes. A parte mais utilizada são os frutos, para consumo “in natura” ou processados, mas as sementes também servem de alimento para grande número de pássaros, pequenos mamíferos, peixes e até répteis, e a madeira, moderadamente pesada, dura e resistente, serve para confecção de instrumentos musicais e cabos de ferramentas.

     De maneira geral, os frutos maduros da guabiraba apresentam uma vida útil curta, que varia de cinco a sete dias, quando armazenados sob refrigeração. Uma das formas de reaproveitamento é o doce de guabiraba, obtido pela catação embaixo das árvores, num processo extrativista, ainda pouco comercializado. A fruta processada, a polpa concentrada e congelada, acrescida do açúcar, estende o período de consumo. O processamento, quando aliado ao aquecimento, pode transformar a guabiraba em sucos, licores, sorvetes, pudins, geleias e ainda serve de matéria-prima para o saboroso doce.

     A receita do doce atravessa quatro gerações. No período de extração da fruta, as tradicionais doceiras trabalham em mutirão para extrair a polpa da guabiraba, assim como faziam seus pais, avós e agora, os seus descendentes. Este é o caso, por exemplo, da família Pereira que, há quatro gerações, sob a supervisão das mulheres, prepara o doce com dois ingredientes básicos: a polpa da fruta e açúcar. É preciso extrair a polpa da guabiraba espremendo um pouco. A casca é bem fina e a polpa suculenta, cheia de sementes que são retiradas com a ajuda de uma tela ou peneira. Sob o fogão à lenha improvisado, após três horas, o doce é despejado em potes e quando esfria é cortado em fatias. “Os apreciadores garantem que o sabor é único. Uma delícia rara, preparada apenas uma vez por ano” – como já registrado anteriormente, registrando a singularidade dessa iguaria pernambucana.

     Trata-se, portanto, de uma atividade tradicional do município de Paudalho. A forma de comercialização dos produtos, acondicionados em latas, potes plásticos ou enrolados em papel, em barracas à beira de estrada, gerando renda e integração às demais atividades econômicas da região.

     O tema é de grande importância para a geração de emprego e renda no município de Paudalho, na Região de Desenvolvimento da Mata Norte, por meio do estímulo à organização da agroindústria familiar e identificação de medidas e incentivos para a consolidação e beneficiamento do produto. De acordo com pesquisa realizada no Portal da Transparência e sítios das secretarias e demais órgãos do Governo do Estado, não existe política pública específica para produção, beneficiamento e comercialização de derivados de frutas provenientes da Zona da Mata Norte.

     Neste sentido, vale apontar os órgãos que, em razão de suas atribuições, poderiam contribuir para o desenvolvimento da cadeia produtiva da guabiraba. Cabe, por exemplo, à Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (ADDiper), sociedade de economia mista vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDEC), apoiar o desenvolvimento econômico e social do estado, por meio de ações indutoras e do apoio aos setores industrial, agroindustrial, comercial, de serviços e de artesanato, assim como, a articulação para atrair novos investimentos.

     Já à Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA) compete, entre outras finalidades, realizar o planejamento, promoção e execução da política agrícola estadual, de acordo com as características e peculiaridades de cada região, além das ações relacionadas ao abastecimento, armazenamento e comercialização de insumos, gêneros alimentícios e produtos agropecuários.  Na estrutura dessa secretaria foi criada a Secretaria Executiva de Agricultura Familiar (Seaf), a quem compete realizar parcerias com instituições públicas e privadas sem fins lucrativos para organizar e controlar as atividades afetas à execução das ações de produção, organização, comercialização, capacitação, associativismo e cooperativismo solidário, entre outras ações, em parceria com os programas federais e municipais.  Vale lembrar que a Lei Estadual nº 13.390, de 16 de dezembro de 2008, que dispõe sobre incentivos à pesquisa científica e tecnológica e à inovação no ambiente produtivo e social no Estado de Pernambuco, prevê que a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI), por meio da Fundação de Amparo a Ciência e a Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe), fomente pesquisas, processos e produtos inovadores, visando o desenvolvimento do estado, da comunidade científica, do setor empresarial e da sociedade.  Nesse mesmo contexto, ressalta-se a relevância de estimular o fomento de pesquisas e parcerias com as universidades locais (a exemplo da Faculdade de Nazaré da Mata e escolas técnicas) e demais faculdades nas áreas de agronomia, nutrição, gastronomia, química, botânica, economia doméstica, entre outras, tendo em vista a baixa produção agrícola da guabiraba, a falta generalizada de conhecimento sobre a mesma, do valor nutricional para dietas regionais e potencial uso econômico do seu doce.  Verifica-se, portanto, que existem órgãos aptos a elaborar e executar estratégias para desenvolvimento de tecnologias de produção, de pós-colheita e definição da cadeia produtiva e Arranjo Produtivo Local (APL) da guabiraba no município de Paudalho.

     Entre os órgãos estatais que podem contribuir com as doceiras de Paudalho, além daqueles já citados anteriormente, existe a Unidade de Associativismo e Cooperativismo Solidário (que assessora a gestão dos empreendimentos solidários), o Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) e o Instituto de Terras e Reforma Agrária (Iterpe), que desenvolvem Programas Especiais e Tecnologia Rural.

     A guabiraba está eternizada também na música, na literatura e na memória, como na estrofe da canção “Você (Penas do Tiê)”, atribuída à Hekel Tavares, interpreta por Maria Bethânia:

 

“(...) Já experimentaram guabiraba bem madura / Já viram o céu quando o sol vai se esconder / E já sentiram das planícies orvalhadas / O cheiro doce das frutinhas muçambê (...)”;

 

, no registro do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, em “Tempo de Aprendiz – artigos publicados em jornais na adolescência e na primeira mocidade do autor (1918-1926)”, Editora Global, que apresenta a guabiraba em forma de geleia; no livro “Açúcar – Uma sociologia do doce, com receitas de bolos e doces do Nordeste do Brasil”, de Freyre (1939):

 

“ (...) Acompanhante de comidas de substancia ao café, ao almoço, ao jantar – de carne de sol, da farofa, do jerimum, das batatas, da imbuzada, do cuscuz, da paçoca – ela se torna lúdica, como doce de merenda ou simplesmente de regalo, de meninos, e de gente grande. Além do que, com rapadura é que se fazem no Nordeste sertanejo doces de banana, de goiaba, de araçá, de caju, de abacaxi, de laranja, de guabiraba, de buriti, de leite e ovos; e junto com mel de rapadura, isto é, rapadura derretida ao fogo, se saboreia, como no próprio Nordeste açucareiro, inhame ou macaxeira ou apenas farinha (...)”;

 

e, nas impressões do artista plástico pernambucano José Cláudio, em texto publicado pela Revista Continente, intitulado “Fruta”, datado em 1º de agosto de 2017:

 

“(...) Quando eu era menino via cantarem Quebra quebra guabiraba / Quero ver quebrar / Quebra lá que eu quebro cá / Quero ver quebrar. Longe de mim pensar que “guabiraba” era fruta. Só se for coco, mas coco não é fruta. Até que um dia, já depois de casado, ouvi dizer que em Paudalho tinha doce de guabiraba. Aliás foi um bibliotecário da Faculdade de Direito, Pereira (José Pereira da Silva), quem nos presenteou com uma lata do doce. Fui conferir. E vi na estrada uns pés de guabiraba, altos, parecidos com mangueiras, as frutinhas imitando araçás. Será que inda existem? (...)”.

  

     A presente proposição busca, também, ressaltar a importância da inclusão das mulheres nas políticas públicas de fomento à agroindústria familiar, uma vez que são essas mulheres que produzem os doces em pequena escala, transformam o alimento em arte e sabores exclusivos, cujas receitas são repassadas de geração para geração, produzindo benefícios de natureza econômica, social e cultural para o município de Paudalho e sua região; além de visar contribuir com a preservação do meio ambiente, considerando o atual desmatamento das áreas tradicionais de plantio das guabirobas em Paudalho.

     O doce já integra o Inventario Turístico de Pernambuco – INVTUR/PE, elaborado pela Empresa de Turismo de Pernambuco – EMPETUR.

     Como afirma Gilberto Freyre: “Sem açúcar não se compreende o homem do nordeste".

     Assim, em virtude de sua inquestionável relevância para a sociedade pernambucana, a preservação, proteção e promoção da nossa cultura, solicito aos nobres pares a aprovação do presente projeto de lei.

Histórico

[01/07/2020 11:11:30] PUBLICADO
[01/07/2020 11:11:30] PUBLICADO
[01/07/2020 11:11:30] PUBLICADO
[01/07/2020 11:11:31] PUBLICADO
[01/07/2020 11:16:13] PUBLICADO
[01/07/2020 11:16:14] PUBLICADO
[01/07/2020 11:16:50] PUBLICADO
[12/09/2022 15:00:51] AUTOGRAFO_CRIADO
[12/09/2022 15:01:26] AUTOGRAFO_PROMULGADO
[12/09/2022 15:01:33] AUTOGRAFO_TRANSFORMADO_EM_RESOLUCAO
[16/06/2020 12:43:19] ASSINADO
[16/06/2020 12:45:30] ENVIADO P/ SGMD
[18/06/2020 17:05:09] RETORNADO PARA O AUTOR
[18/06/2020 17:23:05] ENVIADO P/ SGMD
[29/06/2020 15:45:50] ENVIADO PARA COMUNICA��O
[30/06/2020 20:04:54] DESPACHADO
[30/06/2020 20:05:11] EMITIR PARECER
[30/06/2020 21:23:17] ENVIADO PARA PUBLICA��O

Gustavo Gouveia
Deputado


Informações Complementares

Status
Situação do Trâmite: AUTOGRAFO_PROMULGADO
Localização: SECRETARIA GERAL DA MESA DIRETORA (SEGMD)

Tramitação
1ª Publicação: 01/07/2020 D.P.L.: 8
1ª Inserção na O.D.:




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