
Parecer 2847/2020
Texto Completo
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1048/2020
AUTORIA: DEPUTADA DELEGADA GLEIDE ÂNGELO
PROPOSIÇÃO QUE VISA SUSPENDER OS PRAZOS DE GARANTIA, TROCA, DEVOLUÇÃO OU REEMBOLSO DECORRENTES DA AQUISIÇÃO DE PRODUTOS OU SERVIÇOS. PERÍODO DE CALAMIDADE PÚBLICA.COVID-19. MATÉRIAS PERTINENTES À PRODUÇÃO E CONSUMO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE DOS ESTADOS-MEMBROS. ART. 24, V, CF/88. AUSÊNCIA DE NORMA GERAL DA UNIÃO PARA TODAS AS SITUAÇÕES ELENCADAS NA PROPOSIÇÃO. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DAS NORMAS FEDERAIS QUE REGULAM O TEMA. POSSIBILIADDE DE LEGISLAR NAS MATÉRIAS AINDA NÃO DISCIPLINADAS PELA UNIÃO. MP 948/2020 E MP 925/2020. NECESSIDADE DE SUBSTITUTIVO. PELA APROVAÇÃO NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO.
1. RELATÓRIO
Trata-se do Projeto de Lei Ordinária nº 1048/2020, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo, que visa suspender os prazos de garantia, troca, devolução ou reembolso decorrentes da aquisição de produtos ou serviços, no âmbito do Estado de Pernambuco, pelo período em que perdurar a situação anormal caracterizada como “Estado de Calamidade Pública” para fins de prevenção e de enfrentamento à epidemia do novo Coronavírus (SARS-CoV2), causador da COVID-19, estabelecida pelo Decreto nº 48.833, de 20 de março de 2020.
O projeto de lei em referência tramita sob o regime ordinário.
É o relatório.
2. PARECER DO RELATOR
A proposição vem arrimada no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 194, I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa, não estando no rol de matérias afetas à iniciativa reservada ao Governador do Estado, não havendo, portanto, vício de iniciativa.
Observa-se que a matéria ora analisada se insere na competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre produção e consumo e responsabilidade por dano ao consumidor, nos termos do art. 24,V, VIII, da Lei Maior; in verbis:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
[...];
V - produção e consumo;
[...]
VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
[...]
É cediço que no âmbito das competências concorrentes o constituinte originário traçou uma sistemática, justamente a fim de disciplinar como deve ser exercida a competência nesse condomínio legislativo. Desta forma, vejamos os parágrafos do citado artigo 24 para entender a organização estatuída pelo constituinte:
“§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”
Da análise do CDC, observa-se que a Lei Federal nº 8.078, de 1990, - Código de Defesa do Consumidor – de fato estabelece prazos para o consumidor reclamar pelos vícios dos produtos, inclusive prevê as situações em que não há o transcurso desse prazo, bem como dispõe sobre a garantia contratual, conforme se observa nos dispositivos a seguir transcritos:
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:
I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.
§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.
§ 2° Obstam a decadência:
I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;
II - (Vetado).
III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.
§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.
Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
[...]
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.
Art. 50. A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito.
Parágrafo único. O termo de garantia ou equivalente deve ser padronizado e esclarecer, de maneira adequada em que consiste a mesma garantia, bem como a forma, o prazo e o lugar em que pode ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor, devendo ser-lhe entregue, devidamente preenchido pelo fornecedor, no ato do fornecimento, acompanhado de manual de instrução, de instalação e uso do produto em linguagem didática, com ilustrações. (grifos acrescidos)
No entanto, por óbvio que as disposições constantes do CDC tutelam, regem, situações de normalidade, diferentemente do que propõe o PLO 1048/2020.
Prova de que no prazo de vigência de situação de calamidade pública, com a mudança da conjuntura fática social, as normas gerais do CDC não são suficientes para tutelar as relações de consumo, é o fato de o Presidente da República justamente ter editado Medidas Provisórias com normas próprias para a situação da pandemia.
Nesse sentido, a Medida Provisória nº 948, de 8 de abril de 2020, que dispõe sobre o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura em razão do estado de calamidade reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), estabelece que em caso de restituição de valor ao consumidor (situação excepcional), este deverá ocorrer no prazo de 12 meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade. Percebe-se que a citada MP não fala em suspensão dos prazos para reembolso, mas sim apresenta toda uma normatização específica, sobre a qual não cabe lei estadual dispor de forma contrária.
Ainda nesse remanda, tem-se a Medida Provisória nº 925, de 18 de março de 2020, que dispõe sobre medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão da pandemia da covid-19, a qual, em seu art. 3º, prevê que o reembolso do valor relativo à compra de passagens aéreas será de doze meses, observadas as regras do serviço contado da data do voo contratado. Ora, como se falar em suspensão do prazo para reembolso nessas situações em que a União apresenta legislação sobre o tema? Não é viável lei estadual nesse sentido.
Nessa perspectiva, resta claro que as normas gerais presentes no CDC não tutelam situações de anormalidade, como é o caso da atual pandemia que enfrentamos. Neste diapasão, diante da inexistência de normas gerais da União sobre a matéria – com exceção das citadas Medidas Provisórias, que regulam setores específicos- exsurge, nos termos do § 3º do artigo 24 da Constituição Federal a competência legislativa plena para os Estados-Membros, viabilizando a aprovação do PL ora em análise.
Importante destacar que os prazos que restam suspensos são todos tutelados pela lógica consumerista, ainda que contratuais. Em desrespeitado o prazo de garantia ofertado pelo fornecedor também se resolverá o eventual litígio com observância das regras de Direito do Consumidor. Vejamos excerto, tanto do voto do Relator Ministro Luis Felipe Salomão quanto da Ementa, do Recurso Especial 984.106/SC, por meio do qual infere-se que a tutela a ser realizada por descumprimento da garantia contratual é feita na seara consumerista, já que mesmo os vícios ocorridos após a expiração desta também se resolvem no âmbito do Direito do Consumidor:
“Há apenas um prazo para que, tornando-se aparente o defeito, possa o consumidor reclamar a reparação, de modo que, se este realizar tal providência dentro do prazo legal de decadência, ainda é preciso saber se o fornecedor é ou não responsável pela reparação do vício.
Se o defeito surgiu dentro da garantia contratual, certamente o fornecedor por ele responderá, mesmo porque nem corre o prazo decadencial nesse período (REsp 547.794/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 15/02/2011).”
“5. Por óbvio, o fornecedor não está, ad aeternum , responsável pelos produtos colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita pura e simplesmente ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio. Deve ser considerada para a aferição da responsabilidade do fornecedor a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia
6. Os prazos de garantia, sejam eles legais ou contratuais, visam a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa, como sendo um intervalo mínimo de tempo no qual não se espera que haja deterioração do objeto. Depois desse prazo, tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa mesmo surgir. Coisa diversa é o vício intrínseco do produto existente desde sempre, mas que somente veio a se manifestar depois de expirada a garantia. Nessa categoria de vício intrínseco certamente se inserem os defeitos de fabricação relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, os quais, em não raras vezes, somente se tornam conhecidos depois de algum tempo de uso, mas que, todavia, não decorrem diretamente da fruição do bem, e sim de uma característica oculta que esteve latente até então.
7. Cuidando-se de vício aparente, é certo que o consumidor deve exigir a reparação no prazo de noventa dias, em se tratando de produtos duráveis, iniciando a contagem a partir da entrega efetiva do bem e não fluindo o citado prazo durante a garantia contratual. Porém, conforme assevera a doutrina consumerista, o Código de Defesa do Consumidor, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual.
8. Com efeito, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, e relativo a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, o prazo para reclamar pela reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, não obstante tenha isso ocorrido depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem.”
Assim sendo, resta claro que por serem tais prazos afetos à relação consumerista também podem ser tutelados pelo Projeto ora em análise, salvo nas hipóteses em que haja lei nacional tratando do tema de maneira diversa, como explicitado anteriormente.
Por fim, mister apresentar Substitutivo, a fim de demarcar que o presente PL apenas se aplicará para aqueles casos em que não haja normatização realizada pela União, pois, em havendo estas, restará afastada a competência estadual, salvo para complementá-las naquilo que não lhes contraria. Tem-se, portanto:
SUBSTITUTIVO N° /2020
AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1048/2020.
Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária nº 1048/2020.
Artigo único. O Projeto de Lei Ordinária nº 1048/2020 passa a ter a seguinte redação:
“Suspende os prazos de garantia, troca, devolução ou reembolso decorrentes da aquisição de produtos ou serviços, no âmbito do Estado de Pernambuco, pelo período em que perdurar a situação anormal caracterizada como “Estado de Calamidade Pública” para fins de prevenção e de enfrentamento ao Coronavírus (SARS-CoV2), causador da COVID-19, respeitadas as disposições constantes em normas da União sobre a matéria.
Art. 1º Ficam suspensos os prazos de garantia, troca, devolução ou reembolso decorrentes da aquisição de produtos ou serviços, no âmbito do Estado de Pernambuco, pelo período em que perdurar a situação anormal caracterizada como “Estado de Calamidade Pública” para fins de prevenção e de enfrentamento à epidemia do novo Coronavírus (SARS-CoV2), causador da COVID-19, estabelecida pelo Decreto nº 48.833, de 20 de março de 2020.
§ 1º Findado o período de situação anormal caracterizada como “Estado de Calamidade Pública” de que trata o caput , o transcurso dos prazos de garantia, troca, devolução ou reembolso prosseguirá pelo lapso temporal remanescente fixado em Lei ou nos respectivos atos contratuais.
§ 2º Havendo prorrogação da situação anormal caracterizada como “Estado de Calamidade Pública”, a suspensão de que trata este artigo será renovada por igual período fixado em novo Decreto do Chefe do Poder Executivo estadual.
Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se às hipóteses em que os produtos ou serviços tenham sido adquiridos antes ou durante a situação anormal caracterizada como “Estado de Calamidade Pública” de que trata o art. 1º, bem como dentro ou fora do estabelecimento comercial, por telefone, a domicílio ou por via eletrônica, cujos prazos para exercício do direito de garantia, troca, devolução ou reembolso tenham sido prejudicados pelas medidas emergenciais estabelecidas pelos Decretos nºs 48.809, de 14 de março de 2020; 48.832, de 19 de março de 2020; e 48.834, de 20 de março de 2020.
Art. 3º O disposto nesta Lei não se aplica para casos que já estejam regulados por normas gerais editadas pela União.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Diante do exposto, opino pela aprovação, nos termos do substitutivo, do Projeto de Lei Ordinária nº 1048/2020, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo.
3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO
Ante o exposto, tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina pela aprovação, nos termos do substitutivo, do Projeto de Lei Ordinária nº 1048/2020, de autoria da Deputada Delegada Gleide Ângelo.
Histórico