
PROJETO DE RESOLUÇÃO 1179/2023
Submete a indicação da Renda Renascença, para obtenção do Registro do Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco.
Texto Completo
Art. 1º Fica submetida a indicação da Renda Renascença, para obtenção da Concessão do Registro do Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco, nos termos da Lei nº 16.426, de 27 de setembro de 2018.
Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Justificativa
Conhecimento artesanal têxtil secular, a renda Renascença chegou ao Agreste de Pernambuco no início do século XX e encontrou amplo espaço para desenvolvimento. Integrante do grupo das rendas feitas com agulha, a Renascença se inicia a partir do alinhavo do lacê1 sobre o desenho base, em papel manteiga, e sobre um papel mais grosso ou um plástico, que dá mais firmeza à estrutura. Utilizando agulha e linha, faz-se o preenchimento dos espaços vazios entre os lacês com os diferentes tipos de pontos. Finalizada a trama, o alinhavo é desfeito e a renda é solta do papel. Inicia-se a etapa de acabamento, com o reforço da junção, pelo avesso, entre as áreas de recortes do lacê. Em alguns casos, a renda ainda é tingida, lavada, engomada e passada a ferro antes de ser levada aos pontos de venda. É um trabalho artesanal que se caracteriza pela delicadeza e miudeza dos pontos e que consome bastante tempo para ser realizado.
Ressaltamos a importância de documentar a produção da renda Renascença feita em Pernambuco hoje, visto que o desempenho do trabalho artesanal nesta região enfrenta dificuldades, e pode se extinguir com o passar do tempo e com as mudanças de hábito das novas gerações. O artesanato é uma forma de expressão da riqueza cultural de um povo, entretanto, em Pernambuco, há uma carência de bibliografia específica voltada para a memória, valorização cultural e fortalecimento econômico da cadeia produtiva da renda Renascença. Itiro Iida, na apresentação do livro “Análise do design brasileiro entre mimese e mestiçagem”, de Dijon De Moraes (ano), discorre contrariamente ao produto universal, padronizado, impulsionado pela globalização, e defende a importância de trazer o fator cultural para o campo do design brasileiro. “Produtos culturalmente adaptados facilitam a sua identificação com os usuários, por possuírem ‘tempero’ próprio, o ‘cheiro’ de algo que nos pareça familiar e aconchegante, podendo, assim, aumentar o prazer e a autoestima dos consumidores.
O Capítulo 1 registra em texto a valiosa história oral de Dona Odete Primo Cavalcanti, rendeira que fez parte do primeiro grupo produtivo no Agreste pernambucano. Em entrevista, ela se queixou: “Muitos falam sobre a Renascença, mas ninguém conta a história como eu a vivi”. Contou, então, por completo, todos os pormenores da sua experiência com a chegada e o desenvolvimento da renda em Poção e Pesqueira. Esta versão foi “guardada” aqui, visto que Dona Odete é a única rendeira viva e lúcida do grupo das oito primeiras aprendizes da técnica em Poção. O Capítulo 1 também discorre sobre a origem e propagação das rendas no mundo. No Brasil, foram encontrados dois livros publicados que abordam especificamente a Renda Renascença, obras de Nóbrega (2005) e Queiroga (2013).
Também há duas publicações impressas sobre o tema: uma em forma de almanaque, elaborado com apoio do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola, do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura e da Agência Espanhola de Cooperação Internacional (2017); outra em forma de
catálogo, incentivado pelo Governo de Pernambuco, através do Funcultura (2016). Porção é o berço histórico da disseminação da técnica têxtil europeia no Brasil; sedia as duas fábricas de lacê do agreste pernambucano; concentra um grande número de pequenas fábricas; abriga a
sede da fábrica Noemy – voltada para a distribuição do artesanato têxtil em atacado; tem 18,21% da população diretamente ligada à produção de renda renascença e 41,34% da população economicamente dependente, direta ou indiretamente, da atividade.
Contar a história da renda Renascença é falar sobre uma série de trocas culturais e de processos de aculturação6 e transculturação . As rendas feitas pelo processo manual podem ser classificadas em três categorias, segundo Silva (2013, p.38), devido aos diferentes suportes e instrumentos utilizados: bilros, agulhas e as rendas formadas por nós. A Itália reivindica a criação da renda de agulhas, grupo no qual se enquadra a renda Renascença, entre os séculos XV e XVI.A renda de agulhas é tecida através do uso de um único fio e de agulha; o tecido vai gradualmente sendo construído, ponto após ponto. Flandres reivindica a criação da renda de bilros, que utiliza hastes de madeira para condução dos fios e construção da trama, chamados bilros. A renda de bilros é formada através do entrelaçamento de vários fios ao mesmo tempo; as diferentes combinações dos posicionamentos dos bilros dão origem aos pontos (WATT, 2016). Também há o grupo das rendas formadas por nós, como o frivolité, de origem francesa (SILVA, 2013).
A renda Renascença é considerada uma renda de alta qualidade, pela complexidade do seu processo produtivo e pela delicadeza do produto final. Seu nome tem origem no momento histórico do seu surgimento: o Renascimento europeu, entre os séculos XV e XVI. A técnica chegou ao nordeste brasileiro através de freiras francesas, da congregação Filhas da Caridade, que viveram no Convento de Santa Teresa, em Olinda, no início do século XX, ou seja, há quase 90 anos. Elas eram as únicas pessoas da região a deter o conhecimento da confecção da renda Renascença, o que tornava o produto raro e caro, agregando ainda mais status a quem o adquirisse. As peças eram itens indispensáveis nos enxovais de noivas da elite local. Outra possibilidade de cruzamento cultural pode ser levantada: as famílias tradicionais brasileiras, que descendiam de colonizadores portugueses, se identificavam com os enxovais de renda Renascença tanto pela tradição de artesanatos têxteis em Portugal quanto por terem uma forte relação histórica com a estética mourisca.
Dona Odete Maciel e a história da chegada da renda a Poção. A técnica de confecção da renda Renascença chegou a Poção, município localizado aproximadamente a 240 km de Recife, capital do estado de Pernambuco, na década de 1930, através de uma moça chamada Maria Pastora. Ela trabalhava no Convento de Santa Tereza, em Olinda, e passando férias em Poção, ensinou o conhecimento aprendido com as freiras francesas, e guardado sob sigilo dentro dos muros do convento, a uma amiga que vivia no pequeno povoado: Elza Medeiros, apelidada de Lala. Lala teceu uma pala, para ser aplicada em um vestido, e a peça chamou a atenção de uma “senhora de posses” que vivia na cidade vizinha de Pesqueira: Dona Áurea Jatobá. Foi ela quem teve a ideia de mandar produzir a Renascença em quantidade e comercializá-la em Recife, já que possuía muitos contatos na cidade. Lala ficou encarregada de formar um grupo de rendeiras capaz de atender às suas encomendas, ensinando a técnica a algumas amigas. Assim foi criado o primeiro grupo produtivo da região, composto por 8 mulheres: Lala, Odete Primo, Edite, Maria Lola, Zezé, Lourdes, Menininha Duarte e Leonor (também conhecida por Lenor). Elas trabalhavam das 6h às 18h, com a porta fechada e os trabalhos não podiam ser levados às residências, porque a técnica deveria ser mantida em absoluto sigilo. No início, a renda era feita com uma pequena variedade de pontos de pouca complexidade: “Sianinha”, “Abacaxi miudinho”, “Ponto de passagem”, “Xerém”, ponto “Dois e um dentro”, ponto “Dois por dois”, ponto “Três por três”.
O ponto “Sianinha” desta época já difere do ponto “Sianinha” feito atualmente na região, visto que os pontos também foram passando por transformações com o passar do tempo. O pequeno grupo de alunas aprendeu a técnica têxtil da Renascença tecendo em fitinha de bebê, o lacê só chegou posteriormente à região, através das compras de matérias primas feitas por Dona Áurea Jatobá. Neste período inicial, elas utilizavam, também, a linha nº 20 da Singer, que é bem fina quando comparada às atuais linhas empregadas na Renascença. Outra curiosidade desta época é que não havia, na fase de acabamento do produto, a etapa de lavagem, então era necessário um cuidado redobrado com a limpeza durante a execução da renda: trabalhava- se com uma bacia d’água ao lado para lavar as mãos com frequência e os pedaços finalizados eram cobertos com tecido para que não se sujassem. Dona Áurea Jatobá era responsável pela compra dos materiais, pela criação dos desenhos da renda Renascença e pela comercialização dos produtos. Como ela morava em Pesqueira, cidade que está localizada a 35 km ao sul de Poção, a cada 35 15 dias era necessário ir até sua casa buscar material e riscos e levar as rendas finalizadas. Utilizava-se o lacê da marca Ypu, que era produzido por uma grande fábrica têxtil homônima na cidade de Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro. Existia variedade de cores e de espessuras do lacê, sendo os mais finos empregados na confecção de enxovais para crianças.
Era também Dona Áurea que fazia os desenhos base da Renascença, chamados de riscos. “Até hoje tem muita renda que tem os desenhos dela”, afirma Dona Odete ementrevista, uma das sete moças que aprendeu diretamente com Lala, no início da chegada da Renascença a Poção. No início, o grupo produzia peças menores: passadeiras, lençóis com a barra de renda e panos de bandejas. Com o tempo Dona Áurea foi demandando trabalhos grandes: colchas e toalhas de mesa inteiramente rendadas. Não faltavam encomendas e elas eram remuneradas por um valor pré-estabelecido por serviço realizado. Posteriormente, chegou a Poção uma pessoa do estado de São Paulo, interessada em encomendar renda Renascença. Ela se chamava Maria Amélia e deixou como encarregada da sua produção no município uma senhora chamada Guida. A implantação deste segundo grupo produtivo trouxe muitas novidades para a renda Renascença produzida na região.
Cada uma das moças do grupo passou a lhe fornecer diretamente e Dona Odete formou uma nova equipe de trabalho, chegando a ter até 40 moças confeccionando Renascença sob seu comando em tempos áureos. Nesta época, faziam “serão” e quando a luz da cidade se apagava, às 22h, elas trabalhavam durante a madrugada sob a luz de candeeiro. Conhecimento inicialmente mantido sob sigilo, em Poção, a técnica da renda Renascença foi se espalhando pelas cidades vizinhas e conquistando territórios do agreste pernambucano (Arcoverde, Pedra, Venturosa, Capoeiras, Alagoinha, Cimbres, Pesqueira, Sanharó, Belo Jardim, Brejo da Madre de Deus, Jataúba) e do cariri paraibano (Zabelê, São Sebastião do Umbuzeiro, São João do Tigre, Camalaú, Monteiro). Foram surgindo novos grupos produtivos em toda região. Quando se casou, Dona Odete se mudou para Pesqueira e começou a ensinar renda Renascença pela Prefeitura, que tinha o interesse em disseminar o artesanato têxtil. Atualmente, segue trabalhando na confecção da Renascença. Na região, atualmente, há duas fábricas de lacês: “Noemy” e “Arte Renda”, ambas localizadas
no município de Poção.
Renda Renascença e o produto artesanal brasileiro Não restam dúvidas que a renda Renascença é um produto artesanal. Quando se fala sobre a identidade cultural pernambucana, a renda Renascença está presente no imaginário coletivo – é um objeto carregado de valor afetivo, traz a lembrança de lanches nas casas de avós, com mesas cobertas por toalhas rendadas; remete aos enxovais de noivas da região.
A renda Renascença também é produzida por homens. Há, no entanto, um tabu em volta deste assunto, os garotos e homens rendeiros muitas vezes têm vergonha de falar abertamente sobre o tema. Isso ocorre porque há o temor de que seja posta em dúvida a sua
masculinidade, caso eles admitam ou sejam vistos fazendo uma atividade considerada eminentemente feminina. Não existe nenhum tipo de manual escrito para o ensino da técnica na região, todo o conhecimento foi passado através da observação da feitura e de relatos orais. É muito comum
a resposta “aprendi Renascença vendo minha a mãe fazer”.
Diante de tudo que a Renda Renascença representa para a cultura pernambucana, apelo aos meus pares, a aprovação dessa inciativa.
Histórico
William BrIgido
Deputado
Informações Complementares
Status | |
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Situação do Trâmite: | AUTOGRAFO_PROMULGADO |
Localização: | SECRETARIA GERAL DA MESA DIRETORA (SEGMD) |
Tramitação | |||
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1ª Publicação: | 12/09/2023 | D.P.L.: | 8 |
1ª Inserção na O.D.: |
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