O caminho das leis
Normas que afetam a vida da população passam, obrigatoriamente, pela avaliação dos deputados. Entenda como uma ideia torna-se lei em Pernambuco
Ivanna de Castro
Mais um mecanismo de proteção a vítimas de violência doméstica foi estabelecido em Pernambuco. Desde a publicação da Lei n° 16.587/2019, em junho deste ano, condomínios residenciais são obrigados a comunicar aos órgãos de segurança pública ocorrências ou indícios de violência contra mulher, criança, adolescente ou idoso praticados nos imóveis ou áreas comuns desses espaços.
A medida, segundo a autora da proposta, deputada Delegada Gleide Ângelo (PSB), visa dar mais segurança a esses grupos de riscos. “Nossa sociedade precisa deixar de ser omissa com a violência e a nova lei busca contribuir para isso”, observou.
Antes de entrar em vigor e, efetivamente, fazer a diferença na vida das pessoas, existe um caminho pelo qual essa e todas as outras normas estaduais precisaram percorrer. O chamado “processo legislativo” começa quando um dos atores previstos pelas constituições Federal e Estadual – entre eles, os deputados estaduais, o governador, o presidente do Tribunal de Justiça ou mesmo a própria população – apresenta uma sugestão de projeto à Secretaria da Mesa Diretora. A proposta recebe um número de identificação e é publicada no Diário Oficial do Estado, para que todos tenham conhecimento do assunto a ser discutido pelos parlamentares.
Após essa etapa, o projeto estará pronto para ser analisado pela Comissão de Constituição, Legislação e Justiça (CCJ), grupo parlamentar que tem a responsabilidade de verificar se o texto respeita a Constituição Federal e a Estadual, legislações superiores no ordenamento jurídico brasileiro. Um deputado do colegiado ficará responsável por relatar a proposta, ou seja, emitir um parecer sobre a constitucionalidade ou não da matéria. Tal parecer deverá ser votado pelos demais membros.

ANÁLISE – Comissão de Justiça verifica se projeto de lei respeita constituições Estadual e Federal, leis superiores no ordenamento jurídico. Foto: Nando Chiappetta
“A gente concede o parecer preliminar a todos os projetos que chegam à Casa, pois cabe à Comissão de Justiça verificar se o que está sendo proposto não agride as constituições ou se choca com outras leis já em vigor”, explica o presidente do colegiado, deputado Waldemar Borges (PSB). “Mas há outra dimensão no nosso trabalho para além dessa, de caráter mais formal. A CCJ é também um espaço de debate e troca de ideias. Quando os temas são mais complexos, promovemos audiências públicas para que especialistas e a sociedade possam contribuir e, assim, chegarmos a um entendimento de maior consenso”, acrescentou o parlamentar.
Se, por unanimidade, os deputados da CCJ identificarem algum atrito do projeto com o que estabelecem as cartas magnas, ele é rejeitado e não pode seguir tramitação na Alepe. Caso o entendimento seja pela constitucionalidade, o debate passará a tratar do mérito, ou seja, da conveniência e do interesse público da proposta. Essa etapa se dá nas comissões temáticas da Casa, como as de Educação, Administração Pública e Saúde, por exemplo.
“Na Comissão de Agricultura, buscamos fazer uma escuta permanente junto à sociedade civil organizada, trabalhadores do campo, empresários e gestores do Governo. Ao colher as sugestões de cada segmento, temos condições de criar propostas legais necessárias para contribuir com o setor”, comenta o presidente do colegiado, deputado Doriel Barros (PT). Durante esse processo, é possível a matéria receber emendas – ou seja, adequações no texto inicialmente apresentado.

AGRICULTURA – “Ao colher sugestões de cada segmento, temos condições de criar propostas para o setor”, acredita Doriel Barros. Foto: Evane Manço
Após análise das comissões temáticas, a proposta estará, então, pronta para ir ao Plenário, órgão máximo de deliberação da Casa. Compete ao presidente da Alepe pautá-la para ser discutida e votada por todos os 49 deputados estaduais. Cada tipo de matéria exige um número diferenciado de votos para ser aprovada, em turno único ou em duas rodadas de discussões (ver quadro abaixo).
Se for acatado pelo Plenário, o projeto de lei vai para o governador do Estado, que tem a prerrogativa de sancionar a matéria completa, vetar uma parte dela ou rejeitar o texto na totalidade. No caso de sanção, o projeto é publicado no Diário Oficial do Estado e torna-se, finalmente, lei. Se houver veto do governador, o texto volta para a Assembleia, e o Plenário decide se irá mantê-lo ou derrubá-lo. O processo se altera um pouco no caso de Propostas de Emenda à Constituição (PEC), de Projetos de Resolução e de Decreto Legislativo, quando a sanção não é feita pelo governador, sendo a própria Mesa Diretora responsável pela promulgação.
Limites
Não é qualquer assunto que pode ser votado pelos deputados estaduais. A Constituição Federal estabelece que leis referentes ao Direito Civil, Penal ou de Trânsito, por exemplo, só podem ser formuladas pelo Congresso Nacional. Entre os temas que podem ser tratados pelos parlamentares da Alepe estão as leis orçamentárias estaduais, projetos que versam sobre carreiras de servidores públicos e empréstimos do Governo do Estado, bem como aqueles que suplementam normas federais nas mais diferentes áreas, a fim de atender às particularidades do Estado.
“A Constituição diz que cabe à União estabelecer as normas gerais, de aplicabilidade em todo o território nacional, e aos Estados complementar essas regras. Na prática, no entanto, observamos muitas vezes a União criar leis que entram nas particularidades, o que acaba restringindo a atuação do legislador estadual”, comenta o procurador da Assembleia Paulo Roberto Pinto. Segundo ele, há outra restrição às propostas apresentadas pelos deputados: elas não podem aumentar a despesa do Governo do Estado nem tratar de matéria tributária.
“Em Pernambuco, projetos com essas características são de iniciativa do governador. Isso significa que apenas ele pode apresentar uma proposta que conceda benefício fiscal a um setor econômico ou propor a redução ou aumento da alíquota do IPVA, por exemplo”, explica o procurador. “O deputado é impedido, também, de apresentar projetos que acarretem gastos ao Executivo, como obrigar a oferta de um serviço de saúde à população ou prever a instalação de câmeras de segurança em escolas estaduais”, acrescentou.

VOTAÇÃO – Após análise das comissões temáticas, propostas seguem para o Plenário, órgão máximo de deliberação da Casa. Foto: Roberto Soares
O presidente da Comissão de Finanças, deputado Lucas Ramos (PSB) ressalta, no entanto, que o Executivo não tem poder absoluto: para valer, todos os benefícios fiscais ou impostos estaduais propostos pelo Governo do Estado precisam ser aprovados anteriormente pela Assembleia Legislativa. Reajustes para servidores, mudanças na estrutura administrativa e a criação de novos programas ou serviços públicos exigem, também, o aval prévio dos parlamentares.
“Cabe também à Comissão de Finanças aprovar as leis orçamentárias enviadas todos os anos pelo Executivo, as quais indicam quanto o Estado arrecadará no ano seguinte e onde o dinheiro do contribuinte será investido. Neste momento, nós, deputados, avaliamos se o orçamento comporta as propostas e apresentamos emendas para remanejar recursos entre as áreas, de modo a contribuir com a decisão e melhor atender às necessidades da população”, elucida.

FINANÇAS – “Deputados avaliam se orçamento comporta as propostas e apresentam emendas para remanejar recursos”, explica Lucas Ramos. Foto: Roberto Soares
Autor: o povo
Não são só deputados e autoridades políticas que podem sugerir projetos de lei. A Constituição Estadual garante esse poder também aos cidadãos. Para isso, é preciso cumprir alguns requisitos: as propostas devem ser subscritas por, pelo menos, 1% do eleitorado estadual, distribuído em, pelo menos, um quinto dos municípios pernambucanos, com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles.
Visando estimular um aumento da participação popular, tramita atualmente na Alepe um projeto que quer tornar essas regras menos rígidas. Apresentada pelo primeiro-secretário da Casa, deputado Clodoaldo Magalhães (PSB), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 5/2019 busca reduzir o percentual mínimo para 0,5% do eleitorado, distribuído em um décimo dos municípios, com 0,1% da população de cada uma das localidades.
“Vivemos momentos, no Brasil e no mundo, em que a população cobra ser ouvida e ter espaço de participação no processo político. Este é o momento de o Parlamento mostrar que não tem medo da participação popular. Vamos somar forças para diminuir a burocracia e ver, ainda neste mandato, uma lei criada pelo povo pernambucano”, defendeu Magalhães, destacando que nenhuma lei do tipo foi criada no Estado até então.
Curiosidades
. Desde 1947, PE promulgou mais de 16,6 mil leis ordinárias
. A Constituição Estadual de 1988 recebeu, até o momento, 45 emendas
. Ao todo, 407 leis complementares foram aprovadas em Pernambuco, a primeira em 1990
. Na última Legislatura (2015-2018) foram criadas 1.076 leis ordinárias, 108 leis complementares, 284 resoluções e quatro emendas constitucionais
. Todas as leis criadas no Estado desde 1972 estão disponíveis para consulta no portal Alepe Legis
- (Fonte: Departamento de Legislação Estadual)
*Fotos em destaque: (home) e Jarbas Araújo (Notícias Especiais)