Audiência pública aborda riscos de privatização da Eletrobras e Chesf

Em 09/06/2021 - 21:06
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MP 1031 – Encontro proposto por Isaltino Nascimento reuniu ex-dirigentes do setor e sindicalistas: “Posicionamento pela soberania nacional”. Foto: Roberta Guimarães

Possíveis riscos da privatização do Sistema Eletrobras foram debatidos em audiência virtual promovida pela Comissão de Administração Pública, nesta quarta (9), a pedido do deputado Isaltino Nascimento (PSB). O encontro reuniu ex-dirigentes do setor e sindicalistas, que apontaram preocupações com a Medida Provisória (MP) nº 1031/2021. Aprovado na Câmara dos Deputados e em discussão no Senado Federal, o texto pretende retirar o controle estatal das empresas de energia, entre as quais a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf). 

Na avaliação dos participantes, a MP 1031 visa atrair o capital privado removendo regras que, na prática, diminuem o preço da energia – processo chamado de “descotização”. De acordo com uma norma federal de 2013, os produtores de energia elétrica vendem por cotas de garantia de fornecimento, a um custo bem mais baixo do que se a aquisição ocorresse fora desse sistema. 

“Com as cotas, o custo médio da energia fica em torno de R$ 60 por Megawatt-hora (MWh). No mercado, o preço chega a R$ 294/MWh. Alguém vai pagar essa diferença: o consumidor”, frisou Fabíola Antenaza, dirigente do Sindicato dos Urbanitários do Distrito Federal. 

“O texto aprovado na Câmara prevê que parte do valor da venda da Eletrobras seja utilizado em um fundo destinado a evitar reajustes para pequenos consumidores. Mas não há transparência sobre como serão os repasses. Além disso, grandes consumidores, como as indústrias, vão ficar descobertos, o que deve significar um aumento de 23% nos custos da nossa base produtiva”, complementou a sindicalista.

AUMENTO – Para José Ailton Lima, privatização pode ter efeitos semelhantes aos da mudança na política de combustíveis: “Um mercado atrelado a preços internacionais e à variação do dólar”. Foto: Roberta Guimarães

“Até 2013, as empresas tinham um lucro exorbitante porque vendiam energia proveniente de usinas cujas construções já foram amortizadas há muito tempo, a exemplo da Hidrelétrica de Paulo Afonso, mas cobrando como se elas ainda estivessem sendo edificadas. A MP 1031 retira a limitação de preços, e a escalada de valores será inevitável”, avaliou José Ailton Lima. Ele ocupou cargos de direção nas áreas de Engenharia e de Operações da Chesf entre 2003 e 2016.

“O capital internacional olha para a Eletrobras com um interesse muito grande. É um bem econômico essencial que funciona com inadimplência quase zero – quando o consumidor não paga, a energia é cortada rapidamente”, prosseguiu. Para ele, a privatização pode ter efeitos semelhantes aos da mudança na política de combustíveis da Petrobras: “Um mercado atrelado a preços internacionais e à variação do dólar, atendendo ao interesse de investidores externos”.

Outros impactos

Os convidados consideraram, ainda, que não falta capacidade de investimento à Eletrobras. “Nos últimos 20 anos, passamos de cerca de 200 agentes comercializando energia para mais de 10 mil. Foram construídas 1.291 usinas de produção de energia, com participação tanto da estatal quanto da iniciativa privada. Não podemos dizer que é um setor estagnado”, salientou Lima. 

“A Eletrobras tem R$ 14,3 bilhões em caixa. Além disso, está menos endividada que a maioria de seus concorrentes privados. O que houve de 2017 para cá foi uma decisão política para a empresa vender seus ativos, em vez de fazer investimentos”, observou Fabíola Antenaza.

URBANITÁRIOS – “Grandes consumidores, como as indústrias, vão ficar descobertos, o que deve significar um aumento de 23% nos custos da nossa base produtiva”, apontou Fabíola Antenaza. Foto: Roberta Guimarães

Outro problema apontado na audiência foi o impacto na gestão das bacias hidrológicas. Atualmente, a Eletrobras responde por metade dos reservatórios hidrelétricos, integrando usinas e sistemas de energia em todo o País. Segundo Vicente Andreu, que exerceu o cargo de diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA) entre 2010 e 2018, o gerenciamento da vazão de rios e represas apresenta mais conflitos quando envolve entidades de energia privadas.

“Quando ocorreu a crise envolvendo a Bacia do Rio São Francisco, em 2015, tínhamos duas empresas públicas: a Cemig, de Minas Gerais, e a Chesf, de Pernambuco. Houve total solidariedade e compromisso por parte dessas companhias”, lembrou Andreu. “Quando engloba agentes privados, ocorre conflito e judicialização o tempo todo, pois eles só têm compromisso com o lucro.” Ele ainda colocou em dúvida se investidores privados aceitariam a diminuição da produção de energia para garantir o abastecimento de água para o Polo Agrícola de Petrolina, como foi feito em 2015.

Na visão de Isaltino Nascimento, é preciso pressionar os 27 representantes do Nordeste no Senado para barrar a privatização da Eletrobras. “A síntese da audiência pública é um posicionamento pela soberania nacional, para evitar que a geração de energia seja desnacionalizada”, enfatizou o socialista. O deputado sugeriu a recriação da Frente Parlamentar em Defesa da Chesf, que atuou contra a proposta de privatização apresentada em 2017.

SEGURANÇA – Antônio Moraes avaliou ser “temerário” aprovar a desestatização por medida provisória. Foto: Roberta Guimarães

O líder do Governo na Alepe lembrou que a MP 1031 irá “caducar” até o dia 22 de junho. Os senadores pernambucanos Humberto Costa (PT) e Jarbas Vasconcelos (MDB) já se declararam contrários à iniciativa. “Podemos fazer uma audiência pública sobre o tema na Câmara de Vereadores de Petrolina (Sertão do São Francisco) para levar esse debate à cidade e, assim, pressionar o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB), que é líder do Governo Bolsonaro no Senado”, propôs Nascimento.

Presidente da Comissão de Administração Pública, o deputado Antônio Moraes (PP)  analisou ser “temerário” aprovar a desestatização da Eletrobras por medida provisória. “Independentemente de ser governo ou oposição, se querem privatizar, precisa ser com segurança”, declarou.

Suspensão de despejos

Antes da audiência, o colegiado aprovou um substitutivo ao Projeto de Lei (PL) nº 1010/2021, que suspende reintegrações de posse, despejos e remoções judiciais e extrajudiciais enquanto durar a pandemia. A nova versão restringe a garantia para ocupações realizadas até 20 de março de 2020. 

“Essa mudança segue a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto, para evitar que a suspensão se torne um ‘gatilho’ para novas ocupações”, justificou Moraes. A matéria recebeu votos favoráveis dos deputados José Queiroz (PDT) e Isaltino Nascimento. Abstiveram-se, por sua vez, os deputados Alberto Feitosa (PSC), Delegado Erick Lessa (PP), Joaquim Lira (PSD) e Romero Sales Filho (PTB). 

Autora da proposição original, a deputada Jô Cavalcanti, do mandato coletivo Juntas (PSOL), manifestou-se contra o novo substitutivo. Ela afirmou que a alteração “vai atrasar a aprovação de uma medida que já está em conformidade com a Constituição Federal, além de atender a uma necessidade de saúde pública durante a pandemia”. 

Em resposta, Antônio Moraes disse que a modificação poderá ser apreciada pela Comissão de Justiça na próxima semana. Por sua vez, Isaltino Nascimento lembrou que, “sem a mudança realizada nesta quarta, o PL 1010 não seria aprovado em Plenário”.