
MUDANÇA – Entre outras medidas, normas preveem a criação de uma previdência complementar, a ser gerida pela Fundação de Aposentadorias e Pensões dos Servidores do Estado (Funape). Foto: Henrique Genecy
*Por Edson Alves Jr.
No último mês de novembro, governadores e União firmaram um pacto com o objetivo de “equilibrar as contas públicas”. O acordo inclui o compromisso dos Estados com a reforma dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), estendendo aos servidores públicos as mudanças do Regime Geral (aplicável a trabalhadores de carteira assinada e autônomos) pretendidas pelo Governo Federal na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 287/2016. Em Pernambuco, a possível alteração encontra um cenário preocupante: em 2015, o valor das aposentadorias pagas pelo Estado superou em R$ 1,8 bilhão o das contribuições recebidas. O montante equivale, por exemplo, a 67,5% dos gastos em segurança pública no mesmo período.
“O regime de repartição se torna deficitário quando a proporção de ativos não sustenta o número de inativos. É o que gerou esse déficit, além da falta de equilíbrio entre as contribuições e os benefícios a longo prazo, o que chamamos de ‘equilíbrio atuarial’”, explica o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Vitor Navarrete, que ministra a disciplina de Ciências Atuariais (estudo dos sistemas de previdência). Atualmente, o Estado tem cerca de 104 mil servidores ativos e 86 mil beneficiários de aposentadorias e pensões.
A situação, contudo, não é uma particularidade de Pernambuco. Um estudo realizado pela Consultoria Legislativa da Alepe (Consuleg) aponta que essa realidade é comum nas diversas unidades da Federação e remonta a uma histórica falta de cuidado com o equilíbrio da Previdência. “Foi só em 1998 que foram instituídos na Constituição Federal os requisitos de equilíbrio financeiro e atuarial para os sistemas de previdência dos servidores públicos. Antes disso, Estados e municípios não precisavam observar esses parâmetros”, destaca o texto de autoria de Augusto César Lima Filho, Erick Souza e Gabriela Palacio.
Publicada na Revista de Estudos Legislativos, a análise calcula ainda que, para conseguir o equilíbrio financeiro num sistema de repartição, o número de servidores ativos teria que ser aumentado em 60%. “O Governo Estadual não teria capacidade de arrecadar recursos para cobrir tamanha elevação dos custos de pessoal”, consideram os consultores.
Mudanças – Para encarar a situação, o Governo do Estado propôs mudanças no Regime Próprio de Previdência Social, aprovadas pela Assembleia Legislativa desde 2013, por meio da Leis Complementares de nos 257 e 258. As normas prevêem a criação de uma previdência complementar e do Fundo de Aposentadorias e Pensões dos Servidores do Estado de Pernambuco, o chamado Funaprev.
Com o Funaprev, a Previdência estadual deixará de ser um regime de repartição para se transformar em um de capitalização. Na prática, em vez de Estado e funcionários da ativa custearem os benefícios dos inativos, o valor da aposentadoria será poupado pelos contribuintes individuais no decorrer da carreira. Uma vez aposentado, o servidor receberá o benefício acrescido dos rendimentos acumulados pelo fundo. As contribuições e aposentadorias ficam limitadas ao mesmo teto da iniciativa privada (atualmente de R$ 5.189,82). O que passar do teto será custeado pela previdência complementar.
“O Funaprev, juntamente com a previdência complementar, irá sanar uma das grandes dificuldades fiscais no Estado. Os resultados de longo prazo possibilitarão a realização de novos investimentos em infraestrutura, saúde, educação e segurança pública”, avalia o presidente da Comissão de Finanças da Alepe, deputado Clodoaldo Magalhães (PSB).
As normas estaduais, entretanto, ainda aguardam implementação. De acordo com o diretor de Previdência Social da Fundação de Aposentadorias e Pensões dos Servidores do Estado (Funape), Maurício Benedito, a efetivação do Funaprev depende da alteração de leis federais que regulam os regimes previdenciários dos Estados.
“Aguardamos a aprovação do Projeto de Lei nº 6.088/2016, enviado ao Congresso Nacional, que permitirá que a entidade gestora da previdência complementar dos servidores federais, a Funprespexe, possa gerir planos de benefícios destinados a servidores de Estados e municípios”, explica o gestor. “Viabilizada a adesão ao Funprespexe, poderemos implementar o Funaprev no decorrer de 2017.”
A partir do momento em que o Funaprev entrar em vigor, ocorrerá o que os especialistas chamam de “segregação de massas”. “Os servidores serão divididos em dois planos: os mais antigos ficam em um regime previdenciário de repartição simples e os que entrarem no serviço público após a mudança, em um regime de capitalização. Como o novo plano começa ‘do zero’, não há déficit e o custo é menor a longo prazo. Já o plano dos funcionários antigos será gradualmente extinto”, explica o professor Vitor Navarrete.
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Segundo o estudo desenvolvido pela Consuleg, as alterações equilibrariam a previdência, mas terão um custo pesado nas próximas décadas (ver gráfico). Isso porque, enquanto as contribuições dos servidores mais jovens são poupadas para o futuro, é preciso aumentar os aportes para pagar as aposentadorias já concedidas.
“Em curto prazo, a implementação da ‘segregação de massas’ pode prejudicar outras políticas públicas com o direcionamento dos gastos para a Previdência. Porém, com a extinção do regime anterior, esse valor se tornará irrisório futuramente e o Poder Público poderá realizar dispêndios somente com políticas sociais – saúde, educação, segurança pública”, observam os consultores.
O professor Navarrete concorda com a avaliação e pontua que a alternativa legalmente possível seria ainda mais dura com os servidores e o Governo. “Segundo a regulamentação do Ministério da Previdência ( Portaria MPS nº 403/2008), a outra opção seria um plano de amortização do déficit por meio de contribuições suplementares e aportes periódicos em um prazo de até 35 anos”, explana. “Como a relação entre ativos e inativos tende a piorar, os aportes serão cada vez maiores. A segregação se torna a única alternativa viável.”
A demora para aprovar e implementar o Funaprev é alvo de críticas do advogado Ricardo Souza, presidente da Federação Nacional dos Sindicatos de Servidores dos Tribunais de Contas (Fenacontas). “Nos últimos anos, Pernambuco teve um crescimento econômico fortíssimo, mas em nenhum momento o Governo carreou recursos para essa transição”, observa. “O município do Recife, por exemplo, começou a reforma de sua previdência em 2000. Se hoje a capital não está numa situação confortável, ao menos já aponta para uma solução”, acrescenta o especialista em Direito Previdenciário.
*Esta matéria faz parte do jornal Tribuna Parlamentar de dezembro de 2016. Confira a edição completa.