Governo Federal tenta definir limite para gastos públicos

Em 02/12/2016 - 11:12
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ESTADOS – Por meio do PLP nº 257/2016, União dá mais prazo para que entes federados paguem suas dívidas

* Por Luciano Galvão Filho

Conter o endividamento e retomar o crescimento econômico. São esses os objetivos do ajuste nas contas que o Governo Federal se esforça para levar à frente no Congresso Nacional. Revigorar a economia do País é uma meta contra a qual ninguém se opõe. Já os meios para atingir esse fim são motivo de profundas divergências entre especialistas, segmentos produtivos e também entre aqueles a quem cabe decidir sobre o tema: os políticos.

O pacote de medidas subscrito pela União contém desde mudanças na Previdência Social até projetos de privatização. A chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Teto de Gastos congela a maior parte das despesas públicas durante os próximos 20 anos.

O texto passou na Câmara Federal em outubro. Em análise pelo Senado (como PEC nº 55/2016), foi aprovado em primeiro turno, na última terça (29). A votação em segundo turno está prevista para 13 de dezembro.  A medida prevê que, até 2037, todas as despesas primárias – que envolvem salários de servidores, aposentadorias, recursos de programas sociais, compra de materiais de consumo e execução de obras públicas – deverão se limitar ao total pago em 2016, corrigido anualmente pela inflação.

Para o economista da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Marcelo Alves da Silva, o modelo forçará os gestores a aplicar os recursos com mais eficiência. “Pela primeira vez se discutirão prioridades do orçamento, e isso é um passo importante para melhorar a qualidade do gasto”, projeta. “Estamos acostumados a exigir do Governo sem avaliar os custos. A imposição de limites coloca para a sociedade as restrições que a gestão enfrenta.”

Assessora técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Jackeline Natal acredita que a mudança pode resultar na redução da oferta de serviços à população. “Ao longo dos 20 anos em que o congelamento estiver em vigor, o envelhecimento populacional pode exigir mais gastos em saúde e em previdência, mas o orçamento vai estar engessado”, exemplifica.

Diferentes equipes econômicas, desde o início do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2015, defenderam cortes nas obrigações da administração federal. O diagnóstico não mudou com os assessores nomeados pela gestão Michel Temer (PMDB), mas, devido ao apoio construído no parlamento pelo novo presidente da República, as condições para a aprovação do ajuste ficaram mais favoráveis.

Membro da base do Governo no Congresso, o senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) acredita na proposta como medida para “retomar a sustentabilidade” das contas públicas. “Precisamos encontrar caminhos para a superação de uma das mais graves crises da história”, aponta, defendendo que se preservem as despesas com investimentos em infraestrutura, “para melhorar a produtividade”.

A preocupação do senador em manter o investimento público – gastos com obras e aquisições de equipamentos – é a mesma manifestada em estudos da Consultoria da Câmara dos Deputados sobre a PEC. De acordo com técnicos do Legislativo Federal, esse tipo de despesa será o primeiro atingido pela limitação proposta, por não ter quantitativos mínimos de aplicação, como as áreas de saúde e educação. Esses últimos setores podem ver planos de expansão ameaçados, apontam também os consultores, apesar de não sofrerem com ameaças de retração nos recursos disponíveis.

O ex-deputado federal Paulo Rubem Santiago compartilha do receio. O político, que já foi dirigente sindical na educação básica e superior, acredita que o controle da expansão do gasto público por um período tão longo pode impedir a universalização do acesso ao ensino. “O Estado deveria direcionar a aplicação de recursos visando à construção do bem comum. Esse ajuste não tem qualquer compromisso com o bem-estar da população”, critica.

Estados – As administrações estaduais também estão na mira dos cortes propostos. No Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 257/2016, também aprovado na Câmara e ainda em tramitação no Senado, o Governo Federal oferece mais prazo para que entes federados em dívida com a União honrem com suas obrigações. Em contrapartida, os Estados se comprometeriam, por dois anos, a conter o crescimento das despesas primárias correntes – as quais englobam o pagamento de pessoal, a compra de material de consumo, os serviços terceirizados e os custos com água, luz e telefone, por exemplo.

Apesar de ter uma dívida pequena com a União, Pernambuco deve aderir à renegociação. A Secretaria Estadual da Fazenda estima que isso geraria, neste ano, uma economia de R$ 190 milhões, montante considerado “importante, mas não substancial”. “Melhor solução seria a compensação das perdas no Fundo de Participação dos Estados, cujos repasses devem sofrer retração de R$ 500 milhões em relação ao previsto”, informou o órgão em nota.

Para o deputado estadual Joel da Harpa (PTN), os cortes resultantes da PEC do Teto de Gastos podem piorar as condições de trabalho em áreas como a segurança pública, o que afetaria a qualidade do serviço prestado. “No cenário atual, que já é ruim, admitir um pacote de medidas que sacrifique profissionais seria o ‘tiro de misericórdia’ em várias categorias”, alerta.

Nesse contexto, Assembleias Legislativas e Tribunais de Contas dos Estados também podem ver seus recursos escassearem. As despesas dos Legislativos estaduais estariam, a partir de 2017, limitadas ao que foi efetivamente gasto em 2016, conforme pretende a PEC 254/2016, aprovada no Senado e em tramitação na Câmara. O limite vigoraria por tempo indeterminado, atualizado anualmente pela inflação.

Primeiro-secretário da Assembleia Legislativa de Pernambuco e membro da diretoria da União Nacional dos Legislativos Estaduais (Unale), o deputado Diogo Moraes (PSB) considera a medida “equivocada, por não debater amplamente seus impactos e comprometer as atividades das casas legislativas”.

Para o presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Valdecir Pascoal, o teto proposto na PEC não está amparado por estudos que apontem para a necessidade de congelamentos nesse órgãos. “É uma afronta ao controle externo da administração pública, justamente num momento em que a sociedade exige uma fiscalização cada vez mais efetiva da aplicação dos recursos”, assevera.  

*Esta matéria faz parte do jornal Tribuna Parlamentar de Outubro/2016. Confira a edição completa.