A regulamentação dos processos de cultivo e distribuição de medicamentos à base de cannabis é fundamental para garantir e ampliar o acesso a tratamentos com derivados da planta. Esse foi o consenso da reunião da Frente Parlamentar da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial, realizada nesta segunda (20). O encontro debateu as normas existentes e o que ainda falta para regulamentar a produção no Brasil.
O Relatório de análise de impacto regulatório sobre produtos de cannabis para fins medicinais, publicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no último dia 15, apresentou pouco avanço nesse sentido, na avaliação dos participantes. O texto mantém o formato atual de autorizações para se conseguir os derivados e indica a necessidade de mais estudos para mudar a categoria dos produtos para medicamentos.
O presidente da Comissão de Direito da Cannabis Medicinal da OAB-PE, Sérgio Urt, questionou o relatório. Ele citou estudos, entre eles uma nota técnica da Fiocruz, que comprovam a eficácia dos tratamentos à base de derivados da cannabis para diversas doenças, como dor crônica, epilepsia e transtornos neuropsiquiátricos. “O que a Anvisa ainda está esperando? Já temos evidências suficientes, temos capacidade de mostrar argumentos científicos para a liberação desses produtos. A nota da Fiocruz é garantidora sine qua non em qualquer decisão judicial”, atestou.
Hoje no Brasil há três maneiras legais de conseguir os derivados da cannabis para uso medicinal: importação (para uso pessoal e mediante autorização da Anvisa), autorização sanitária (para empresas nacionais comercializarem em farmácias mediante prescrição médica) e via associações. Existem 34 produtos com autorização sanitária para comercialização no país, e pelo menos 16 associações têm autorização judicial para cultivar, produzir e fornecer os produtos. As informações estão no estudo apresentado pela Consultoria Legislativa da Alepe, durante a reunião.
O levantamento também aponta as leis em vigor sobre o tema e quais projetos tramitam nas casas legislativas do Brasil com o objetivo de regulamentar a produção e a distribuição dos produtos de cannabis. Só no Congresso Nacional, há 21 propostas em tramitação, segundo o documento. Na Alepe, o Projeto de Lei (PL) nº 1803/2024, de autoria do deputado João Paulo (PT), e o PL nº 474/2023, de iniciativa do deputado Luciano Duque (Solidariedade), buscam instituir políticas estaduais de fornecimento gratuito de medicamentos e produtos à base de cannabis.
A defensora pública de Pernambuco Luana Melo entende que é preciso avançar na regulamentação e que a eficácia dos tratamentos já está comprovada. “Essa é uma discussão superada. O inadiável agora é regulamentar, até porque já estamos falando em atrasos nesse processo. A judicialização é uma solução com muitos entraves”, ressaltou.
Normas
Representantes de associações de Pernambuco reforçaram a necessidade de normatização. “Nossa intenção era chegar em quem não tem condições de pagar pela importação, mas para avançar no acesso é preciso uma regulamentação. Todas as pessoas devem ter a dignidade de fazer o tratamento que quiserem”, destacou a presidente da Aliança Medicinal, Hélida Lacerda.
Para o presidente da associação Medical Agreste, Robson Freire, a pressão legislativa é fundamental para ampliar o fornecimento dos produtos. “Além de fazer chegar a medicação a mais pessoas, é importante fazer chegar a informação. É comum ver casos em que o magistrado não autoriza o acesso do paciente a derivados da cannabis porque desconhece os benefícios desse uso”, observou.
Coordenador da Frente, o deputado João Paulo endossou as críticas à Anvisa. “A Agência continua ignorando o enorme trabalho das associações de pacientes, e o Brasil permanece na contramão do mundo”, afirmou o parlamentar. “Esta Frente Parlamentar se dedica a um marco regulatório que contemple todas as etapas, do cultivo à distribuição de medicamentos”, completou.
A Frente Parlamentar informou que convidou e fez tentativas de contato com a Anvisa, sem sucesso. João Paulo comunicou, ainda, que vai fazer novo convite à Agência, via Ministério da Saúde, e que, caso não haja retorno, o colegiado pode recorrer a uma convocação por parte dos senadores de Pernambuco, Teresa Leitão e Humberto Costa, ambos do PT.