Cidadania ouve denúncias de tortura no sistema prisional

Em 19/04/2024 - 12:04
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Castigos, humilhações, privação de água, comida e medicamentos fazem parte da rotina de pessoas sob a tutela do estado de Pernambuco. A conclusão foi apresentada em audiência pública realizada nesta quinta, na Alepe, por representantes do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Coube à Comissão de Cidadania da Casa acolher as denúncias apresentadas por uma equipe de peritas em missão de inspeção.

Nesta semana, foram vistoriadas a Colônia Penal Feminina de Buíque (Agreste Meridional) e a Penitenciária Juiz Plácido de Souza em Caruaru (Agreste Central), além do Presídio de Igarassu, na Região Metropolitana, e o Hospital Psiquiátrico Ulysses Pernambucano, no bairro da Tamarineira, no Recife. 

Após a escuta do relatório do MNPCT, a presidente da Comissão de Cidadania, deputada Dani Portela (PSOL), defendeu a reformulação da lei estadual referente ao Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. Segundo a parlamentar, o órgão técnico sofreu um desmonte por ocasião do “exoneraço” promovido no início da gestão da governadora Raquel Lyra. 

LEI – Dani Portela defendeu a reformulação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. Foto: Nando Chiappetta

A parlamentar participou das inspeções e afirmou que a proposta do Governo de criar mais vagas no sistema prisional não soluciona a degradação estrutural verificada. “A quem interessa esconder os dados das torturas que acontecem no sistema prisional de Pernambuco nesse momento, enquanto a gente está nessa audiência? O que significa a demora para a solução de um órgão que é tão importante para a efetivação e garantia dos direitos humanos? Até quando as mães vão chorar vendo os seus filhos sendo torturados dentro das unidades prisionais no estado de Pernambuco?”, questionou a parlamentar.

Além de pedidos de informações direcionados ao Governo, Dani Portela provocou o Poder Executivo para que atualize o Código Penitenciário do Estado. Durante a audiência pública, a deputada Rosa Amorim (PT) informou que deu entrada em projeto de lei para retomar o mecanismo estadual. A parlamentar comentou as mudanças no contexto político nacional com a aprovação da PEC das Drogas no Senado. A medida legislativa criminaliza a posse ou porte de qualquer quantidade de entorpecentes. Rosa apoiou o voto contrário à iniciativa do senador de Pernambuco Humberto Costa (PT), que denunciou o caráter “punitivo e repressivo” da nova lei.

PROJETO – Rosa Amorim propôs retomada do Mecanismo Estadual. Foto: Nando Chiappetta

Vagas

Perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, Camila Antero rechaçou a alternativa apresentada pela gestão estadual de criar mais 7 mil vagas no sistema carcerário. Ela cobrou a reativação do mecanismo estadual e sugeriu que a nova lei disciplinando a atuação do órgão defina mandatos definidos para os peritos e a garantia de autonomia para realizar inspeções. 

Camila também analisou que a pauta envolvendo as pessoas privadas de liberdade é “extremamente impopular”, e que um dos papeis da missão de inspeção é o de construir empatia em relação a essa população. Existem mais de 30 mil pessoas presas atualmente em Pernambuco. “Entender que aquelas pessoas são titulares de direitos e têm que cumprir a sua pena de forma digna e constitucional. Esse projeto de ampliar ainda mais o sistema prisional pernambucano é uma ideia que não se coaduna com nenhuma perspectiva de humanização e direitos humanos”.

CONTRA – Camila Antero se opôs à criação de novas vagas no sistema carcerário do Estado. Foto: Nando Chiappetta

Na unidade de Buíque, o MNPCT constatou que existem 248 mulheres confinadas, para apenas 107 vagas. Faltam camas e colchões, e muitas delas dormem no chão. A água filtrada é comercializada, e um balde chega a custar R$ 12. A tortura psicológica é uma constante na colônia penal, e os familiares que visitam a unidade passam por uma revista considerada “vexatória” pelo órgão técnico.

Em Caruaru, o cenário observado pelos inspetores não foi diferente. Ana Valeska Duarte apontou a superlotação do presídio, com uma população de 1.828 pessoas para 774 vagas. Na unidade prisional, as pessoas dormem em nichos nas paredes ou no chão. “Às vezes, até mais de uma pessoa dorme nessas gavetas. É um local que eu nunca tinha visto antes, e que nos chamou muito a atenção. E como faltam celas ou gavetas, muitas pessoas dormem no pátio, ao léu”, apontou. Ana Valeska também relatou a falta de abastecimento de água e castigos de isolamento sem justificativa formal, que ocorrem sem comunicação à direção da penitenciária.

AGRESTE – Ana Valeska Duarte apontou superlotação em Caruaru. Foto: Nando Chiappetta

O presídio de Igarassu foi avaliado como a unidade mais problemática na perícia, com uma lotação de 5424 pessoas para 1226 vagas, uma taxa de superlotação de mais de 400%. Segundo o órgão fiscalizador, a situação configura “tortura estrutural”, e é agravada pelos castigos irregulares. Já a inspeção no Hospital Psiquiátrico Ulysses Pernambucano, localizado na Zona Norte do Recife, verificou que pacientes e funcionários estão em situação de vulnerabilidade desde o início da construção do Parque da Tamarineira. O MNPCT recomendou que a unidade promova concurso público para recompor a equipe do hospital. 

Racismo

NEGROS – Wilma Melo denunciou o racismo no sistema prisional. Foto: Nando Chiappetta

Wilma Melo, coordenadora do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, chamou a atenção para o fato de que cada pessoa presa tem uma família que sofre com o encarceramento. E alertou sobre o racismo nas prisões. “Convido todo mundo que não conhece a prisão para passear lá. Para entender onde está a casa grande e a senzala. Sala de diretor bonita, com ar condicionado aqui e ali, mas quando você vai na senzala, você conhece a prisão. E, em sua maioria, são negros e pobres, precisando de apoio jurídico”, protestou.

A fala da defensora de direitos humanos foi endossada pelo representante do Movimento Negro Unificado, Tiago Nagô. Ele lembrou que o estado de Pernambuco já foi alvo de condenação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, após violações constatadas no Complexo Penitenciário do Curado em 2018. O juiz titular de Execuções Penais da Capital, Evandro de Melo Cabral, trouxe a experiência dele no Grupo de Monitoramento e Fiscalização do sistema carcerário estadual. O representante do Judiciário afirmou que o Poder não está “fechando os olhos” às mazelas das prisões. E se colocou a favor da criação de mais vagas para presos, por entender que a superlotação é uma forma de tortura. 

A FAVOR – Evandro de Melo Cabral defendeu a criação de novas vagas. Foto: Nando Chiappetta

O defensor público da União André Carneiro Leão participou das inspeções, e recomendou que, num prazo máximo de 15 dias, o Governo providencie lençóis e medicamentos para os pacientes do Hospital Ulysses Pernambucano. Ele cobrou um cronograma de execução dessas medidas pelo Governo. A defensora pública estadual Micheline Lobato denunciou que a principal carência da população privada de liberdade é o atendimento jurídico. Ela questionou a política de encarceramento estadual. “Itaquitinga 1 é isso. Não tem água, não tem esgoto. E agora a gente vai inaugurar Araçoiaba daqui há quatro meses. Como? Abrindo vagas, será que a gente vai remanejar essas pessoas ou a gente só vai encher mais de gente lá dentro?, questionou.  

Representando o Governo Estadual, a secretária de Justiça e Direitos Humanos, Joana Figueiredo, sinalizou o consenso sobre a nomeação de seis peritos técnicos para o monitoramento do sistema prisional. Ela informou ter assumido a pasta há apenas um mês, mas se colocou à disposição para dialogar com a sociedade civil e demais Poderes, e para cobrar celeridade na adoção das medidas recomendadas pelo MNPCT.