A falta de uma regulamentação estabelecendo normas para a instalação de usinas eólicas foi um dos pontos apontados em Audiência Pública realizada pela Comissão de Meio Ambiente nesta segunda (4). Durante o encontro, foram apresentados relatos e estudos comprovando o adoecimento físico e mental de pessoas que moram perto das torres que transformam vento em eletricidade, além de outros impactos socioambientais, como conflitos e dissolução de modos de vida tradicionais.
Professora e pesquisadora da Universidade de Pernambuco (UPE), Wanessa da Silva apresentou o resultado preliminar de um estudo sobre os efeitos dos infrassons e ruídos audíveis emitidos pelos aerogeradores em comunidades camponesas do Agreste Meridional. Os danos atingem a saúde mental (insônia, ataques de pânico, ansiedade e outros sintomas) e física (prejuízos para visão e audição, hipertensão, lesões cardiovasculares) e até mesmo alergias aos resíduos lançados no ar.
No estudo realizado na comunidade de Sobradinho, em Caetés, no Agreste Meridional, foi constatado que a distância média para as turbinas é de 411 metros. “Tem casas a 100 metros de distância das torres, quando há estudos mostrando que os infrassons causam danos em um raio de 15 quilômetros”, disse. “Há países que estabelecem distância mínima de 1,5 quilômetro, mas no Brasil não há nenhuma legislação para normatizar a questão”, prosseguiu.
Alguns índices que chamaram a atenção da especialista em saúde coletiva são os de pessoas que fazem uso de medicação contínua (70%) e para conseguir dormir (64%). “A gente vê de crianças a idosos tomando medicações controladas”, relata. O cientista social Luiz Soares também apresentou um estudo sobre os efeitos das linhas de transmissão, como exposição a radiação, desaparecimento de abelhas e pássaros, expulsão de agricultores e desvalorização de terras.
Depoimentos
Durante a discussão, um dos pontos abordados foi a fragilidade dos moradores desses sítios (geralmente pessoas com escolaridade e renda baixas) ao negociarem contratos de arrendamento diretamente com as empresas. Também foi ressaltado que os prejuízos não se limitam àqueles que cedem parte do terreno para os complexos eólicos.
É o caso do agricultor Simão Salgado, da comunidade Sítio Pau-Ferro, em Caetés. Depois que um vizinho, que não mora ali, negociou a instalação de nove aerogeradores, ele teve a propriedade cercada por torres, ficando a cerca de 200 metros de uma delas. Quando a esposa passou a sofrer de depressão, eles tiveram que abandonar a propriedade – que era uma referência em agroecologia – para morar na cidade, pagando aluguel. Aos 75 anos, ele espera receber uma indenização para recomeçar a vida em outro local.
“Minha esposa ficou agressiva, não se alimentava e não dormia. Aí eu não tive escolha: tive que abandonar a propriedade. Se nós tivéssemos assinado o contrato e viéssemos recebendo algum recurso, não poderia estar reclamando, mas fomos apenas afetados com o empreendimento, que está trazendo grandes danos para a população, o meio ambiente e os animais”, lamentou.
“Nós estamos vivendo à base de medicamentos, sem assistência nenhuma. Nossa vida acabou. Estamos obrigados a deixar o nosso canto em nome de quê? Do capitalismo? De uma energia que a gente nem usa”, questionou Roselma Melo, da comunidade de Sobradinho. “Qual o benefício que a comunidade tem? Nenhum”, apelou.
Governo e sociedade
Diretora da Secretaria Nacional de Diálogos Sociais da Secretaria-Geral da Presidência da República, Islândia Bezerra falou da comitiva interministerial que esteve em Caetés e em municípios da Paraíba para escutar as populações afetadas pelos complexos eólicos. De acordo com ela, um relatório final está sendo feito, a partir dessas visitas e outros estudos, para encaminhar propostas de melhorias envolvendo diversos setores do Governo Federal. “Estamos fazendo o que deveria ter sido feito antes de os empreendimentos serem instalados”, reconhece.
Representando o Consórcio Nordeste, o advogado Anselmo Castilho defendeu que uma legislação unificada seja criada para toda a região tratando do licenciamento desses empreendimentos.
Álvaro Severo, do Instituto Serra Grande, defendeu a revisão – e anulação, se necessário – de contratos de arrendamento. E observou a defasagem dos equipamentos usados no Brasil, que ele tachou de “sucata da Europa”. Neilda Pereira, da coordenação regional da Cáritas Brasileira, sugeriu ações como desligamento de torres, concessão de auxílio-emergencial aos prejudicados e apoio jurídico especializado à população durante as negociações de arrendamento para empreendimentos eólicos.
Subdefensor de Causas Coletivas da Defensoria Pública de Pernambuco (DPE-PE), Rafael Alcoforado pontuou a dificuldade para processar as empresas na Justiça diante da falta de legislação. Já a assessora jurídica da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Luisa Duque lembrou que a Resolução nº 462/2014, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) impede o licenciamento simplificado para os empreendimentos eólicos que inviabilizam comunidades ou em áreas de ocorrência de espécies endêmicas.
“Esses complexos eólicos estão licenciados de forma irregular. Deveriam ser paralisados até serem licenciados de forma adequada, com estudo de impactos ambientais e consulta popular”, sustentou. Também participaram representantes do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-PE) e da Federação dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco (Fetape).
Encaminhamentos
O debate da Comissão de Meio Ambiente foi realizado a pedido dos deputados da bancada do PT, tendo sido presidido pelo deputado João Paulo. Líder do grupo, ele lamentou a ausência dos órgãos do Estado, como Secretaria de Meio Ambiente (Semas) e Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) e do Ministério Público.
“Como há limitações do ponto de vista da legislação estadual, a presença do Governo Federal foi fundamental para que possam ser tomadas providências. Esperamos que essa Audiência Pública tenha proporcionado iniciativas que venham a parar a instalação dessas novas eólicas no Estado até que haja condições de segurança para as famílias”, pontuou. Ele sugeriu, como encaminhamentos, a pesquisa de normas internacionais e a ampliação da mobilização da sociedade e da bancada federal de Pernambuco.
A deputada Rosa Amorim (PT) registrou as contradições entre um modelo de energia renovável e os impactos gerados nas comunidades do entorno. “Os contratos retiram das famílias agricultoras a autonomia sobre a gestão do uso do seu território. Estamos diante de latifúndios eólicos”, observou. “Os impactos sociais sobre o conjunto das comunidades rurais têm demonstrado problemas, desde ameaças, violências e contratos draconianos formulados pelas empresas”, reforçou.
Por sua vez, Doriel Barros (PT) lamentou que um projeto de lei apresentado por ele, estabelecendo distância mínima de 500 metros entre as torres e as casas, não tenha prosperado na legislatura anterior. E defendeu a exigência de compensações ambientais para a instalação das usinas eólicas. “Os projetos não têm compensação nenhuma para as famílias. Esses agricultores têm que receber água, energia e royalties”, defendeu.