A possível doação para a iniciativa privada de parte do terreno onde funciona o Espaço Ciência, na divisa entre Recife e Olinda, foi debatida nesta quarta (14) em uma audiência pública da Alepe. Promovido pela Comissão de Cidadania, o encontro reuniu as partes diretamente envolvidas, além de cientistas, representantes da sociedade civil e integrantes de órgãos de fiscalização e controle.
A Lei nº 17.940/2022, aprovada em outubro, autorizou o Estado a doar cerca de 8 mil dos 120 mil metros quadrados de área à Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (Adepe). A norma prevê, como encargo, o repasse desse terreno à iniciativa privada de modo a viabilizar a instalação de um data center (centro de processamento de dados) e a construção de um landing station (ponto de aterrissagem) para receber cabos de fibra óptica submarinos.
Quando o Espaço Ciência foi intimado a remover “com urgência” equipamentos do local onde estão situados um Avião Xavante, uma maquete do Veículo Lançador de Satélite (VLS), um Giroscópio Humano, entre outras peças, a sociedade civil reagiu. Houve protestos e um abaixo-assinado contra a cessão da área.
Ao abrir a audiência pública, a deputada Jô Cavalcanti, presidente da Comissão de Cidadania e titular do mandato coletivo Juntas (PSOL), criticou a falta de debate e de transparência, até mesmo na Alepe, durante a tramitação do projeto. Ela destacou que a matéria foi enviada pelo governador Paulo Câmara em regime de urgência e sem especificar qual era o terreno, dificultando o acompanhamento pela população.
A psolista ainda reforçou que não houve consultas prévias ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e ao Espaço Ciência. “Estamos falando de um equipamento que não só proporciona conhecimento técnico, mas também povoa a memória afetiva de milhares de estudantes pernambucanos. Não à toa, grande parte da sociedade ficou chocada com a proposta de mutilação do terreno”, prosseguiu, questionando a doação de um bem público a uma empresa privada sem análise do Tribunal de Contas.
Autor do requerimento da audiência pública, o deputado João Paulo (PT) se prontificou a apresentar, no início da próxima legislatura, um projeto modificando a norma aprovada. Mas disse esperar que haja um entendimento entre os atores envolvidos. “O cerne da discussão é não descaracterizar o Espaço Ciência. Vou propor a nova matéria se não houver alternativa”, pontuou.
Questionamentos
O diretor do Espaço Ciência, Antonio Carlos Pavão, afirmou que autorizaria a utilização de parte do terreno para o landing station, desde que o data center seja construído em outro local. Ele lembrou que a Lei nº 17.613/2021, revogada pela norma deste ano, destinaria ao empreendimento a área da antiga Fábrica Tacaruna, no bairro de Campo Grande, Zona Norte do Recife. “Temos 28 anos de funcionamento, mais de dois milhões de pessoas já passaram por aqui. Ninguém é contra o cabo submarino, mas é absurdo interferir dessa forma num museu”, disse.
Presidente da Academia Pernambucana de Ciências (APC), Anísio Brasileiro leu trechos da nota de repúdio assinada pela comunidade científica pedindo a revogação da Lei 17.940: “A insistência em construir o data center de uma empresa privada dentro de um museu de ciências é uma decisão injustificável”. Chefe do escritório técnico do Iphan em Olinda, Vania Cavalcanti solicitou a apresentação do projeto arquitetônico do empreendimento para uma análise mais aprofundada.
A promotora de Justiça Belize Câmara Correia anunciou que a questão vem sendo acompanhada pelo Ministério Público de Pernambuco por meio de um inquérito civil. Ela citou alguns pontos controversos, como a falta da delimitação do terreno no texto encaminhado para a Alepe, a ausência de informações sobre o projeto do data center e o fato de um parecer técnico contra a obra ter sido ignorado pelo Estado. “Ninguém foi capaz de explicar tecnicamente por que só pode ser naquele terreno”, agregou.
Justificativas
O CEO do projeto liderado pela empresa Recife Co., João Pedro Flecha de Lima, defendeu a localização escolhida, citando estudos sobre fluxos de embarcações, adensamento populacional e presença de arrecifes. De acordo com ele, a doação da área será necessária mesmo que apenas para a instalação do ponto de aterrissagem. “Vivemos no mundo do ‘mi-mi-mi’. Ninguém questiona a importância do Espaço Ciência e nem quer mutilar museu nenhum. Mas quando se fala de progresso, todo mundo tem que ceder um pouco”, opinou o executivo da Sea Cable.
Presidente da Adepe, Roberto de Abreu e Lima argumentou que o Estado está perdendo espaço na recepção de cabos submarinos no Nordeste, especialmente para o Ceará. O secretário estadual de Ciência e Tecnologia, José Fernando Thomé Jucá, afirmou já ter sido cedida ao Espaço Ciência uma área equivalente para substituir o terreno a ser doado.
Durante a discussão, o deputado Aluísio Lessa (PSB) ressaltou o investimento inicial previsto de R$ 250 milhões a fim de “ampliar a conectividade no Estado” – que, atualmente, registra uma das piores conexões de internet do País. O deputado Rodrigo Novaes (PSB) defendeu a integração do projeto do cabo submarino e a rota de visitação do Espaço Ciência. Para o deputado Antônio Moraes (PP), contudo, o melhor caminho é a negociação.
O debate também teve participações de representantes do Tribunal de Contas e da Procuradoria Geral do Estado.