A importância dos exames neonatais para identificar doenças raras, especialmente a Atrofia Muscular Espinhal (AME), foi tema de debate promovido, nesta terça (13), pela Comissão de Administração Pública da Alepe. Além de chamar atenção para a relevância do diagnóstico precoce, os participantes da audiência pública cobraram a aplicação, no Estado, da Lei Federal nº 14.154/2021, que amplia as doenças detectáveis no Teste do Pezinho de seis para mais de 50 — incluindo a AME.
Essa alteração genética causa a diminuição dos níveis da proteína SMN, fundamental para a sobrevivência dos neurônios motores. Por isso, os músculos sofrem um processo de degeneração, tornando-se fracos. “Os pacientes têm os movimentos prejudicados, com impacto até na respiração”, explicou a bióloga Vanessa Romanelli Tavares, que é doutora em Genética Humana pela Universidade de São Paulo (USP).
Supervisora do Laboratório de Biologia Molecular do Instituto Jô Clemente (IJC), na capital paulista, a especialista apontou os testes neonatais como a maneira mais eficaz de impedir o avanço da doença. “Crianças com os tipos mais graves chegam a perder 95% dos neurônios motores já nos três primeiros meses de vida. É primordial detectar o quanto antes a patologia”, asseverou, em palestra feita por videoconferência. O prazo ideal para realizar o Teste do Pezinho é entre o terceiro e o quinto dia de vida.
Uma das coordenadoras do Serviço de Referência em Doenças Raras (Rarus) do Hospital Maria Lucinda, no Recife, a neuropediatra Vanessa Van Der Linden explicou que, em 2016, o Brasil aprovou um tratamento específico para a AME. Assim, quanto mais cedo o diagnóstico, maiores as chances de se evitar os transtornos motores.
“Acompanho dois irmãos com essa condição. O mais velho deles, Lorenzo, foi diagnosticado quando tinha 6 anos. Hoje com 10, ele depende de ventilação não-invasiva e possui bastante limitação de movimento”, relatou. “Levi, por sua vez, teve a patologia detectada por meio de triagem neonatal, quando passou a ser medicado. Mesmo possuindo um tipo mais grave da doença, tem vida praticamente normal, em virtude do uso precoce da medicação”, exemplificou.
Ampliação da triagem
Os dois meninos são filhos da presidente da Associação dos Familiares e Amigos dos Portadores de Doenças Neuromusculares de Pernambuco (Donem), Suhellen Oliveira. Com base na experiência familiar, a mãe de Lorenzo e Levi acredita que o Estado pode salvar vidas e evitar o comprometimento motor de milhares de crianças se ampliar o rol de doenças detectadas precocemente.
“É preciso, ainda, melhorar os fluxos de atendimento. Muitas vezes, as crianças são direcionadas às Upas (Unidades de Pronto Atendimento) e terminam falecendo, por não haver profissionais capacitados nesse tipo de assistência”, relatou, citando as dificuldades que as famílias enfrentam para encontrar atendimento multidisciplinar apropriado. “Vários profissionais sequer sabem para onde encaminhar os pacientes. O Poder Público deve agir para tornar o processo menos desgastante”, defendeu.
Para a promotora do Ministério Público de Pernambuco Isabel Alves, a temática precisa entrar na agenda política. “Houve uma grande luta na década de 1990 para que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) fosse instituído, com previsão de triagem neonatal. Contudo, somente em 2001 a questão foi regulamentada, por meio da portaria que criou o Programa Nacional de Triagem Neonatal”, lamentou.
Poder Público
Representando o Governo Estadual, a gerente de Saúde da Criança e do Adolescente, Marta Rejane, informou que a norma federal determina a implantação e ampliação dos testes neonatais em cinco etapas. Hoje, Pernambuco encontra-se na fase 1 e, de acordo com demais técnicos presentes ao encontro, está viabilizando os recursos necessários para aumentar a triagem.
“A primeira etapa prevê que sejamos capazes de detectar seis doenças. Resta apenas uma patologia para avançarmos para a próxima fase”, garantiu a gestora. Ela observou, ainda, que um grupo de trabalho vem elaborando o cronograma para a adoção de futuras ações.
Presidente da Comissão de Administração Pública, o deputado Antônio Moraes (PP) propôs, ao fim do debate, a realização de audiências nas várias regiões de Pernambuco, a fim de alertar as prefeituras sobre a necessidade de realizar o teste nos primeiros dias de vida. “É uma questão de conscientização e de alocação de recursos para o Lacen (Laboratório Central de Saúde Pública de Pernambuco), para que esses exames possam ser feitos com mais qualidade e rapidez”, concluiu.