
FREXEIRAS – “Se somos invasores, por que não colocaram fiscais para nos impedir de entrar?”, questionou Andréa Silva. Foto: Nando Chiappetta
“Uma vez, em uma reunião no Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), disseram que nós somos invasores. Na verdade, a própria ferrovia construiu a primeira moradia em Frexeiras, há 80 anos”, relatou Andréa Lúcia da Silva, representante da comunidade localizada no distrito de Escada, na Mata Sul pernambucana. “Se isso é verdade, por que não colocaram fiscais para dizer que a gente não poderia entrar?”, questionou.
A angústia de Andréa é compartilhada por outras 130 famílias de cortadores de cana e de aposentados que vivem na localidade e estão prestes a perder as casas em que moram há anos, sem qualquer indenização, segundo decisão transitada em julgado em favor da Ferrovia Transnordestina. O caso dessa e de outras comunidades ameaçadas de despejo foi tema de uma audiência pública realizada pela Comissão de Cidadania da Alepe nesta sexta (13).
Relatos

ESTRATÉGIA – Para Terezinha Francisca de Jesus, ações judiciais separadas são tentativa de enfraquecer o coletivo. Foto: Nando Chiappetta
A advogada do Centro Popular de Direitos Humanos Luana Varejão lamenta que ações judiciais dispersas tratem uma questão de interesse público de forma fragmentada. Segundo um levantamento da entidade, a Transnordestina entrou com 141 processos de reintegração de posse contra 1.070 famílias em Pernambuco, a maioria delas moradoras da Mata Sul e da Região Metropolitana do Recife.
Representante da Diocese de Palmares, Lenivaldo Lima afirmou que, desde 2014, há ações para reintegração de 370 imóveis nesse município da Mata Sul. “Os moradores recebem ameaças de demolição por parte de representantes da Transnordestina e do Dnit”, contou.
Para Terezinha Francisca de Jesus, da Comunidade da Linha, no bairro do Ibura, no Recife, as ações judiciais são realizadas de forma separada para enfraquecer o coletivo. Ela relatou que as famílias que lutam pela manutenção da moradia são formadas, em grande parte, por mães, idosos e doentes. “São pessoas que compraram e construíram suas casas com muito sacrifício ao longo de vários anos. Se as perderem, não terão alternativa a não ser ocupar imóveis abandonados em outro local”, observou.
Posicionamento

CONTRATO – Segundo Roberto Jorge Vieira, a Transnordestina Logística “não tem autonomia de usar, gozar e dispor da faixa de domínio como bem entender”. Foto: Nando Chiappetta
Em nome da Transnordestina Logística, o gerente de Patrimônio, Regulação e Relações Institucionais, Roberto Jorge Vieira, explicou que há duas ferrovias com situações distintas no Estado. Por um lado, existe o projeto inconcluso da Nova Transnordestina, que está sendo construída a partir de Salgueiro, no Sertão Central. O gestor argumenta, no entanto, que as famílias em questão residem às margens de uma outra estrada de ferro, a Tronco Sul.
De acordo com Vieira, essa infraestrutura, construída pela antiga Rede Ferroviária Federal, passa por dentro de núcleos habitacionais, está abandonada em vários pontos e foi privatizada em 1997. A empresa seria forçada, pelo contrato de concessão, a ingressar com ações de reintegração de posse nas margens da Tronco Sul, o que só poderia ser evitado pela União.
“A Ferrovia Transnordestina Logística não tem a autonomia de usar, gozar e dispor da faixa de domínio como bem entender. Na verdade, a gente é obrigado a entrar com essas ações por proteção da faixa de domínio”, explicou. “As linhas hoje compõem o sistema ferroviário nacional, e toda via férrea só pode ser retirada com o Governo Federal adentrando no assunto e dizendo que aquela malha não compõe mais essa infraestrutura física e operacional”, complementou.
No mesmo sentido, o supervisor do escritório do Recife da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Antonio Pereira de Jesus, alegou que cabe à União resolver o problema como uma “questão de política pública”.
Garantias

DIREITO À MORADIA – O defensor público da União André Carneiro Leão ajuizará uma ação para suspender os processos de reintegração. Foto: Nando Chiappetta
Do ponto de vista jurídico, o defensor público da União André Carneiro Leão defendeu a aplicação da Medida Provisória nº 2.220/2001, que determina o direito de uso daquele que já ocupa imóvel público por pelo menos cinco anos para moradia própria. Ele considerou inadequadas as decisões, por parte do Poder Judiciário, que ignoram esse dispositivo e o direito constitucional à moradia, informando que irá ajuizar uma ação para suspender os processos de reintegração enquanto não há um projeto concluído para uso das ferrovias em questão.
O reassentamento das famílias que forem removidas foi defendido pela representante da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, Ana Fabíola Ferreira. Já a mobilização comunitária foi enfatizada pelo deputado João Paulo (PT) e por Carol Vergolino, codeputada do mandato coletivo Juntas (PSOL). “Temos muito a trabalhar, só que vocês têm um papel fundamental, que é despertar para que, na próxima audiência, a gente não caiba neste auditório”, pontuou a psolista.

ARTICULAÇÃO – Jô Cavalcanti anunciou criação de grupo de trabalho com diversas instituições, inclusive o Ministério da Infraestrutura, entre outras medidas. Foto: Nando Chiappetta
Presidente do colegiado de Cidadania e mandatária das Juntas, a deputada Jô Cavalcanti lembrou que o déficit habitacional de Pernambuco é de mais de 326 mil residências. “A situação só não é mais grave graças à Lei nº 17.400/2021, que nosso mandato apresentou para suspender reintegrações, despejos e remoções durante a pandemia”, disse.
Por fim, a parlamentar listou os encaminhamentos do debate: criação de um grupo de trabalho com participação de diversas instituições, inclusive o Ministério da Infraestrutura; apresentação do projeto da nova Transnordestina; e articulação, junto à bancada federal de Pernambuco, para que seja realizada uma audiência pública sobre o tema na Câmara dos Deputados.