Profissionais de saúde mental cobram apoio para rede pública de assistência

Em 24/08/2021 - 18:08
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DEBATE – Audiência pública foi realizada pela Comissão de Saúde. “Retrocessos mostram que não temos um Governo Federal que pense nas pessoas”, pontuou a presidente Roberta Arraes. Foto: Evane Manço

Após perder investimentos federais, a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) exige cuidado especial do Estado e das prefeituras. Foi o que alertaram os profissionais da área em audiência pública virtual realizada, nesta terça (24), pela Comissão de Saúde da Alepe. Para eles, o atendimento em saúde mental ganhou ainda mais importância durante a pandemia de Covid-19.

“Não podemos ignorar o caos social que estamos vivendo. A saúde mental começa com a garantia mínima de direitos sociais”, ressaltou a representante do Conselho Regional de Psicologia de Pernambuco 2ª Região (CRP-02), Anamaria Carneiro. “É uma questão coletiva, que deve ser coberta pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com abordagens baseadas em cuidado e liberdade.”  

A Raps faz parte do SUS e atende pessoas com problemas mentais, incluindo efeitos nocivos do uso de álcool e outras drogas. Criada em 2011, a rede engloba equipamentos como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), as residências terapêuticas e as Unidades de Acolhimento (UAs). Atualmente, os leitos hospitalares ficam em hospitais gerais ou Caps de maior porte, e não mais em unidades exclusivamente psiquiátricas – os chamados “manicômios”.

Para o gerente de Atenção à Saúde Mental da Secretaria Estadual de Saúde, João Marcelo, “o Governo Federal está matando a Raps por inanição, cortando o financiamento”. “O sistema que permite a habilitação de Caps para receber verbas do SUS ficou fechado por dois anos e meio. Não tem como uma prefeitura manter um centro como esse aberto, com recursos próprios, por tanto tempo”, apontou o gestor.

ESTADO – Para o gerente da Secretaria de Saúde João Marcelo, “Governo Federal está matando a Raps por inanição, cortando o financiamento”. Foto: Evane Manço

Por outro lado, ele informou que Pernambuco conseguiu aumentar de 110 para 149 o número total de Caps entre 2015 e 2021. “Apesar de todas as dificuldades, nosso Estado tem mantido uma postura muito clara de resistência em favor da nossa política de saúde mental, contra a estrutura manicomial, e voltada a emancipar pessoas como sujeito de direitos”, salientou. “Tentamos induzir novos locais de atendimento, mas o cenário federal faz os municípios ficarem extremamente inseguros em abrir novos serviços”, prosseguiu.

Diretora do Centro de Prevenção às Dependências (CPD), organização sem fins lucrativos dedicada ao tema, Ana Glória Melcop destacou a vanguarda de Pernambuco e do Brasil na implementação de uma política nacional de saúde mental antimanicomial. “Mas, desde 2016, só vemos retrocessos nessa política em nível federal”, lamentou. “Isso prejudica, principalmente, trabalhos específicos para minorias, como as diretrizes para a saúde mental indígena.”

Na avaliação da presidente da Comissão de Saúde, deputada Roberta Arraes (PP), “os retrocessos demonstram que não temos um Governo Federal que pense em cuidar das pessoas”.

Comunidades terapêuticas

RELIGIÃO – Especialistas criticaram influência cada vez maior de comunidades terapêuticas: “Não está correto num Estado laico”, avaliou Rossana Rameh. Foto: Evane Manço

Os especialistas também criticaram a influência cada vez maior das comunidades terapêuticas no setor. “Sabemos que a espiritualidade é um fator de proteção para a saúde mental. O que não está correto, num Estado laico, é o financiamento público de um modelo religioso de atenção e cuidado para os usuários de drogas, como ocorre nessas unidades”, frisou Rossana Rameh, diretora para a Região Nordeste da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme).

Ela criticou, por exemplo, a permissão para que menores de idade sejam internados em comunidades terapêuticas. “Isso bate de frente com as determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas a pressão da ‘bancada da Bíblia’ tem sido mais forte”, observou. Rameh ainda cobrou mais investimentos próprios do Governo do Estado e a interiorização das ações, lembrando que Pernambuco tem programas de referência na área, como o Atitude.

Os participantes também reivindicaram maior atenção às condições psicológicas dos profissionais de saúde. “Na pandemia, nossos trabalhadores foram levados ao limite e estão adoecendo”, assinalou a conselheira Anamaria Carneiro. Outro ponto – levantado pelo representante do Fórum de Trabalhadores de Saúde Mental de Pernambuco, Vinicius Vieira – foi a necessidade de um plano de carreira para os profissionais da Raps.

INICIATIVA – “Vamos nos mobilizar contra projetos de lei que possam impor retrocessos ao setor”, afirmou João Paulo, que propôs a discussão. Foto: Nando Chiappetta

O deputado João Paulo (PCdoB), que solicitou a realização do debate, explicou que as  demandas serão reunidas pela Comissão de Saúde e abordadas em reuniões com a Secretaria Estadual da área. “Dentro da Alepe, vamos nos mobilizar contra projetos de lei que possam impor retrocessos ao setor”, garantiu.