A defesa de que a população se arme, feita pelo presidente Jair Bolsonaro na reunião ministerial de 22 de abril, gerou discussão nesta quinta (28), durante a Reunião Plenária da Alepe. O debate, suscitado pelo deputado Tony Gel (MDB), girou em torno do apoio de segmentos religiosos cristãos à medida. Após o questionamento, a deputada Clarissa Tércio (PSC) manifestou-se favoravelmente à pauta, em pronunciamento no Grande Expediente.
Na reunião ministerial, cuja gravação em vídeo se tornou pública por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, Bolsonaro diz: “Eu quero que o povo se arme, que é a garantia de que não vai ter um filho da… para impor uma ditadura aqui. É facílimo impor uma ditadura aqui. Um b… dum (sic) prefeito faz uma b… dum (sic) decreto, algema e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse armado, ia pra rua”. E, depois, complementa: “É escancarada a questão do armamento aqui. Eu quero todo mundo armado”.
A declaração foi feita pelo presidente ao pedir a assinatura da portaria interministerial que seria publicada no Diário Oficial da União no dia seguinte. A medida aumenta o limite de compra de munição por civis que têm direito ao porte e à posse de arma, de 200 unidades por ano para 550 por mês.
Na Reunião Plenária desta quinta, Tony Gel indagou se a comunidade evangélica e outras denominações religiosas apoiam a fala de Bolsonaro. “Como um presidente recomenda que o povo se arme? Será que vamos voltar ao ano de 1119, quando foram criados os templários [força militar subordinada à Igreja Católica]? Vamos nos armar contra nossos próprios irmãos brasileiros? Tem necessidade disso? Jesus mandou o povo se armar ou se amar?”, questionou, em aparte ao pronunciamento do deputado Antonio Fernando (PSC).
Ao comentar a fala do emedebista, o deputado Pastor Cleiton Collins (PP) afirmou que “Jesus é paz”. “A Bíblia fala em convergência, em unidade para ajudar. Jesus ensina que se o pior inimigo tiver fome, a arma a ser usada é abençoar a vida dele”, expressou. Ele considerou que “o expediente é muito perigoso” e pode ter sido trazido pelo presidente “num momento inoportuno”. “Esse é o momento para a gente discutir a cura [da Covid-19], o remédio que pode ajudar a população. Esse é o debate que deve ser feito”, ponderou.
Clarissa Tércio, por sua vez, citou critérios que restringem a posse (permissão para adquirir) de armas e o porte (autorização para andar ou utilizar o armamento), ao se posicionar a favor da medida apresentada pelo presidente. “Digo aos que defendem o desarmamento que abram mão dos seguranças e passeiem em lugares cheios de bandidos armados”, afirmou. “Quando o crente fala que a arma é a Bíblia, está tratando do mundo espiritual. Na hora do assalto, ninguém é tão ridículo a ponto de usar a Bíblia pra se defender.”
A parlamentar citou passagens do Velho e do Novo Testamentos que abordam a questão. “Jesus, quando os comerciantes estavam no templo, chegou invocado, e não chegou nem com uma Bíblia nem com uma pombinha. Chegou com um azarrague, um chicote, que era como se fosse uma pistola, uma arma da época. E saiu expulsando os comerciantes. Os pacificadores estão dispostos a ir à guerra pela paz”, argumentou. “A Bíblia me dá todo embasamento para que eu possa me defender”, afirmou Tércio.
Na réplica, Tony Gel considerou “equivocada” a fala da colega. Ele citou que, no momento de sua prisão, Jesus Cristo reconstituiu a orelha de um soldado romano, que havia sido cortada pelo apóstolo Pedro. E, na cruz, pediu o perdão de seus algozes. “Jesus não ensinou ninguém a se armar. Ele disse ‘amai-vos uns aos outros como eu vos amei’ e ‘bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra’.” O parlamentar do MDB defendeu que apenas as forças militares e de segurança possam ter porte: “A arma do povo é o saber, a educação. É conhecer e interpretar bem as coisas”, concluiu.
Durante a discussão, o deputado Alberto Feitosa (PSC) disse que o vídeo da reunião ministerial mostrou “um presidente comprometido com a população” e frustrou os que esperavam algo que o incriminasse. Já Ducicleide Amorim (PT) advertiu: “Temos que ter cuidado, como líderes religiosos, ao pregar a agressividade. Jesus nos ensina a ser apaziguadores e a oferecer a outra face. Misturar religião com política é perigoso”.
Por fim, João Paulo (PCdoB) sugeriu que Clarissa Tércio analise os fatores que levam à marginalização e ao crime, citando o acúmulo da riqueza e a negação de uma vida decente. Também indicou a leitura do livro Como as democracias morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt.