Carolina Flores
Quem já alugou um imóvel residencial certamente deparou-se com o contrato de locação e suas inúmeras cláusulas com obrigações do locatário. A primeira impressão é de que o inquilino tem mais deveres do que o proprietário. Na prática, as duas partes dividem garantias e responsabilidades. Atentos à necessidade de trazer mais equilíbrio a essa relação, os legisladores brasileiros reformularam, há dez anos, a Lei do Inquilinato.
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Em plena “Era do Acesso” – caracterizada por gerações que optam cada vez mais por usufruir de bens materiais em vez de adquirir a propriedade deles –, cresce a preferência por alugar imóveis. Que o digam os consultores imobiliários Tiago Maia e Daihane Cézar, da Bahia. Criadores do Blog Lei do Inquilinato na Prática, único do País sobre o tema, eles tiram dúvidas sobre a legislação pelas redes sociais desde 2016.
Daihane observa que o aluguel é uma tendência que veio pra ficar. “A nova geração está valorizando experiência, comodidade e mobilidade, sem querer assumir a responsabilidade que uma propriedade imobiliária implica”, avalia. Com a ascensão dessa modalidade, a Lei do Inquilinato se consolida como guia de direitos e deveres de locadores e locatários.
Criada, originalmente, em 1991, a norma reúne procedimentos para as locações de imóveis urbanos. Para o defensor público da área cível Rodolfo Tomaz, a principal novidade empreendida em 2009 foi a disciplina do aluguel de forma a não favorecer apenas quem detém a propriedade. Para ele, a Defensoria é uma aliada importante na efetivação da lei.
“Normalmente, as empresas imobiliárias têm bons advogados, o que faz com que os contratos sejam direcionados para uma vantagem maior para quem está alugando”, observa. “A Defensoria Pública entra, justamente, para equilibrar essa balança e promover uma maior proteção aos inquilinos, para que esses contratos sejam justos, equânimes e isonômicos para ambas as partes envolvidas”.
Cobrança de juros excessivos no caso de atraso no pagamento da mensalidade, assim como de multa abusiva pelo encerramento do contrato antes do prazo, estão entre os itens que merecem atenção, segundo o defensor público. De acordo com a Lei do Inquilinato, o locatário pode devolver o imóvel, desde que pague a multa definida em acordo com o locador, proporcional ao período de cumprimento do contrato. Há casos, porém, em que a penalidade ultrapassa cinco aluguéis: “Já atuei em processo em que consegui, por meio da defesa apresentada, que fosse reduzido o valor para a metade do que tinha sido cobrado pelo proprietário do imóvel”.
Mesmo quem optou pelo acordo verbal está amparado por dispositivos da lei. Contudo, nesse caso, é preciso reunir provas testemunhais e outras evidências que confirmem a relação de aluguel.
Apesar da percepção geral de que o inquilino é a parte mais vulnerável dessa associação, o escritor e professor do Curso de Gestão Imobiliária da Universidade de Pernambuco (UPE) Frederico Mendonça lembra que muitas famílias dependem da renda proveniente do aluguel para seu sustento. “Imagine, por exemplo, um casal de idade que tem uma aposentadoria do INSS de R$ 2 mil, mais um imóvel alugado por R$ 1 mil. O valor do aluguel representa, portanto, 30% do rendimento mensal. Às vezes, cobre o plano de saúde daquela pessoa”, observou. “Então é um equívoco a gente achar que o inquilino é a parte mais frágil.”
O especialista acrescenta que a legislação atual protege os proprietários dos maus pagadores, permitindo a ação de despejo por meio de liminar da Justiça num prazo de 15 dias. No entanto, esse recurso só pode ser concedido nas hipóteses previstas pela lei. Mendonça ressalta o papel do corretor de imóveis na negociação do aluguel, com obrigações definidas pelo Código Civil. “Ele é obrigado, por lei, a verificar todas as condições do negócio e do imóvel. Muita gente não sabe, mas tudo isso é responsabilidade legal desse profissional”, complementa.
Serviço
Antes de assinar o contrato de aluguel, o futuro inquilino deve tirar todas as dúvidas sobre as cláusulas do documento. Para quem não pode arcar com as despesas de um advogado, a Defensoria Pública oferece orientação gratuita, com agendamento na capital pelo telefone 0800-081-0129. No Interior, basta dirigir-se a um dos núcleos da instituição, que está presente em 106 comarcas.
*Fotos em destaque (home e Notícias Especiais): Breno Laprovitera