Arte no currículo escolar

Em 08/11/2018 - 14:11
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Eliza Kobayashi

A arte existe porque a vida não basta.”

A frase é do poeta maranhense Ferreira Gullar, que creditava à arte, ainda, o papel de tornar a existência humana “mais rica, fascinante e encantadora”. Porém, para boa parte dos educadores, a função das atividades artísticas vai além: elas contribuem para a capacidade crítica e de compreensão do ser humano. Por isso, defendem, o aprendizado deve começar cedo.

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Foto de casa onde funciona a Escolinha de Arte do Recife. Casa é amarela com detalhes verdes e janelas marrons, possui quintal na frente.

PIONEIRA – Fundada em 1953, a Escolinha de Arte do Recife foi concebida por educadores, intelectuais e artistas que defendiam a valorização do fazer e do pensar artístico das crianças. Foto: Sabrina Nóbrega

Na Escola Waldorf do Recife, as artes permeiam toda a prática de ensino, desde a Educação Infantil. A coordenadora pedagógica da instituição, Kátia Galdi, explica que as crianças são estimuladas a desenvolver o agir criativo por meio da imaginação, da expressão corporal e do fazer artístico. “Nossa concepção de arte vai para a própria relação com a vida, não tanto no âmbito profissional, mas, sobretudo, na forma de lidar com a existência. Quando um ser humano se apropria das suas capacidades e se percebe superando dificuldades, ele se torna o grande artista no centro da vida. Esse é um dos objetivos da nossa escola”, explica.

Na mesma linha, o professor de Arte-Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Everson Melquiades avalia que a arte é tão importante quanto a Língua Portuguesa, a Matemática e as Ciências da Natureza. “O ensino de artes durante a infância, na escola, não é para formar um artista, mas para a criança ter experiências e, a partir delas, desenvolver a cognição e os processos de pensar”, observa o especialista, que também é diretor da Escolinha de Arte do Recife, uma das pioneiras no Brasil.

Fundada em 1953, a entidade foi concebida por educadores, intelectuais e artistas que defendiam a valorização do fazer e do pensar artístico das crianças. “Hoje pode parecer algo simples, mas estou falando das décadas de 1930 e 1940. Nesse período, era um escândalo ensinar arte para crianças ou dizer que elas também produziam arte”, lembra Melquiades.

Mantida por voluntários, a Escolinha de Arte atende, atualmente, cerca de 50 crianças. No local, elas têm contato com diversas linguagens artísticas e são estimuladas a desenvolver a criatividade. “A arte faz o ser humano ter uma percepção de mundo diferente, mais ampliada. Cognição não é a questão de um indivíduo ser mais ou menos inteligente, mas de compreender onde ele vive e poder mudar aquilo que está ao redor dele”, acrescenta o professor Gustavo Lira, que também é arte-educador da Escolinha de Arte do Recife (ver vídeo).

Proposta triangular

“Pela proposta triangular, a criança deve ter acesso à arte para ler e compreender as obras. O professor deve contextualizar. Por fim, o próprio fazer artístico complementa a abordagem.”

Everson Melquiades, professor de Arte-Educação da UFPE

Uma das abordagens pedagógicas é a chamada proposta triangular, desenvolvida pela arte-educadora Ana Mae Barbosa, referência na área no Brasil. “Ela defende que a criança deve ter acesso à arte, para ler e compreender as obras”, esclarece Melquiades. “O professor deve contextualizar para ampliar essa compreensão. Por fim, o próprio fazer artístico completa a abordagem.”

O ensino de artes foi incluído no currículo escolar brasileiro a partir de 1971, aplicado apenas como atividade. Ele só se tornou disciplina obrigatória na Educação Básica em 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Em 2008, a música se tornou conteúdo obrigatório e, em 2016, a dança e as artes cênicas e visuais também foram asseguradas. As escolas de todo o País têm até 2021 para se adequar.

No entanto, o maior desafio ainda é a formação dos docentes. Cláudio Anjos, diretor do Instituto Arte na Escola – associação civil que promove a formação continuada de professores – destaca que, dos mais de 500 mil educadores que lecionam artes no Brasil, apenas 6% têm formação específica. “Isso explica a baixa qualidade de propostas pedagógicas apresentadas aos alunos, independentemente da boa intenção dos professores”, acredita.

Ele ressalta que a formação é importante para atualizar o professor do que acontece no mundo das artes e na produção de conhecimento artístico. “Mas é preciso fortalecer as licenciaturas, reduzindo o déficit de docentes”, pontua Anjos. “A principal dificuldade é a falta de prioridade que a arte recebe na formulação de políticas educacionais. Isso se reflete no dia a dia escolar.”

Reconhecimento

Há cerca de 20 anos, o Instituto criou o Prêmio Arte na Escola Cidadã para reconhecer projetos inspiradores desenvolvidos por professores da área. O pernambucano Emanuel Guedes foi um dos homenageados em 2016 (confira no vídeo), com uma proposta que levou a história, o valor artístico, os saberes e a prática da cerâmica para alunos de uma escola do município de Itambé, na Mata Norte.

“Quando eu ingressei na rede municipal de Itambé, o ensino de arte – tanto pela inexistência de profissionais na área como pela estrutura – ainda se pautava por atividades estereotipadas, como desenhos mimeografados para colorir. A abordagem triangular, que se baseia na apreciação, reflexão, conhecimento e experimentação, era inexistente”, conta o educador.

Guedes afirma que as atividades propostas por ele geraram interesse e engajamento não apenas dos alunos, mas também da direção da escola. “A arte possibilita uma contribuição muito importante, tanto para a formação quanto para o protagonismo. Influencia nas atitudes, no trabalho em grupo, mas também sobre o reconhecimento de cada ser humano em sua individualidade”, complementa.

Apesar do apoio que tem recebido, o professor diz que os arte-educadores ainda carecem de estrutura, material e, principalmente, investimentos para a formação adequada. “Isso permitiria a promoção de uma educação mais ampla e justa para as crianças e adolescentes”, conclui.

 

*Fotos em destaque (home) e (Notícias Especiais): Sabrina Nóbrega