
PROPOSTA – Debate sobre reforma do Ensino Médio, iniciado pela MP 746, é considerado estratégico para o País. Foto: Roberto Soares
*Por Gabriela Bezerra
Se o conteúdo da Medida Provisória (MP) nº 746/2016 e a escolha desse instrumento para a realização de uma reforma educacional são objetos de divergência, há um ponto de encontro entre as diversas opiniões sobre o tema: reformar é, sim, necessário. Divulgado em setembro, o resultado do último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) revelou que o País está distante da meta. Em comparação com outras nações no ranking do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), o desempenho mostra-se ainda mais deficitário.
Avaliando que o atual cenário “é reflexo de um modelo prejudicial que não favorece a aprendizagem e induz os estudantes a não desenvolverem suas habilidades e competências”, na justificativa da MP enviada ao Congresso Nacional, o ministro da Educação, Mendonça Filho, propõe um novo modelo de Ensino Médio. A principal ação para garantir proficiência e redução das taxas de abandono da escola é o que o gestor chama de “flexibilização”: em vez de cursar 13 disciplinas, o aluno poderá escolher uma das diferentes áreas que passarão a ser ofertadas – linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional.
Parte das críticas à medida advém desse ponto. “Não se pode ficar focado num modelo de educação economicista. Muitas vezes, a escola é o único lugar em que o estudante tem acesso à cultura, por exemplo”, argumenta o professor Ramon de Oliveira, que integra o Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “A medida provisória entende que ‘escola mais atraente’ é a que prepara para o vestibular e o mercado de trabalho, ou seja, o dia de amanhã. Mas como fica o dia de hoje?”, questiona.
A angústia é compartilhada pela deputada Teresa Leitão (PT), que preside a Comissão de Educação da Alepe. Em discurso no Plenário, a parlamentar declarou apoio a mobilizações contra a MP. “Os alunos não querem uma escola apequenada, na qual não se forma criticamente, sem a discussão de conteúdos contemporâneos e que prepara somente para apertar parafusos.” Durante a audiência pública realizada pelo colegiado no dia 28 de outubro, a deputada avaliou, ainda, que “o Ministério da Educação (MEC) recebeu de Pernambuco o sentimento de grande preocupação com o conteúdo e a implementação da medida”.
Também na audiência, o secretário de Educação Básica do MEC, Rossieli Soares, defendeu que a flexibilização vem para colocar o estudante no centro do processo. “O objetivo é garantir o protagonismo da juventude, focado no projeto de vida do aluno. A maioria dos países tem a sua base comum até o equivalente ao 1º ano do Ensino Médio do Brasil. Depois os estudantes seguem itinerários diferenciados, que estamos propondo com base nessa experiência”, explica.
Na mesma perspectiva, o secretário estadual de Educação, Frederico Amâncio, avalia que “o Ensino Médio brasileiro ficou parado no tempo, enquanto o mundo avançou”. “Muitos países rediscutiram seus currículos, adotando o referencial do estudante. É fundamental que façamos isso, sobretudo porque enfrentamos no Brasil taxas de evasão escolar muito altas”, frisa.
Outro ponto abordado por ele foi a importância da educação em tempo integral, também objeto da MP. Ao lado do Amazonas, Pernambuco – que tem investido na modalidade desde 2004 – foi um dos únicos Estados do Brasil que atingiu a meta do Ideb para 2015. “O ensino integral deveria ser um direito de todos, como em outras nações”, defende Amâncio.
Ressaltando que “a educação não é uma estrada, que se constrói e se entrega de um ano para o outro”, Ricardo Chaves, que desde maio preside o Conselho Estadual de Educação, aponta para uma discussão mais ampla sobre o futuro. “Quem o Brasil quer ser? A Coreia do Sul, por exemplo, investe em aulas de empreendedorismo, justamente porque isso faz parte do objetivo de desenvolvimento do país”, compara.
Chaves, que é professor de Economia da UFPE, também faz uma análise sobre os números obtidos no Pisa. “Sempre ficamos nas últimas posições, o que reflete a prioridade dada à educação no País”, diz. Na última edição do exame, a nota do Brasil em matemática ficou 222 pontos atrás do desempenho alcançado pelo primeiro colocado no ranking, a província de Xangai (China).
O Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe) acredita que a discussão sobre o Ensino Médio precisa abranger os problemas estruturais das escolas e questiona o que vê como lacunas no texto. “Como falar em qualidade do ensino sem mencionar a importância da formação continuada dos professores, da reformulação da carreira, que não é nem um pouco atraente, e da melhoria das condições das escolas?”, expôs Fernando Melo, que preside a entidade.
Para o MEC, o importante é iniciar a discussão. “Há 20 anos, o Congresso avalia propostas sem tomar uma decisão. Graças ao fato de ter sido apresentada como medida provisória, a reforma do Ensino Médio está sendo discutida no Brasil inteiro e considerada um debate urgente”, acredita Rossieli Soares.