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PROJETO DE LEI ORDINÁRIA 1418/2020

Institui a obrigatoriedade de ensino do Holocausto na disciplina de história, no âmbito do Sistema Estadual de Educação Básica do Estado de Pernambuco.

Texto Completo

     Art. 1º É obrigatório, no âmbito do Sistema Estadual de Educação Básica do Estado de Pernambuco, o ensino sobre o Holocausto.

     Parágrafo único. O ensino sobre o Holocausto será desenvolvido junto ao conteúdo programático da disciplina de História, de forma suplementar ao que já dispõe a Base Nacional Comum Curricular.

     Art. 2º Para os fins desta Lei entende-se:

     I - por Sistema Estadual de Educação Básica, as instituições públicas e privadas, estaduais e municipais, de Educação Básica, localizadas no Estado de Pernambuco;

     II - por Educação Básica, o ensino fundamental e o ensino médio, nos termos do inciso I do art. 21 da Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, excluindo-se a educação infantil; e

     III - por Holocausto, o genocídio ou assassinato em massa e crime de lesa-humanidade, identificado como um processo sistemático de discriminação e perseguição antissemita iniciado na Alemanha em 1933, que levou ao genocídio de seis milhões de judeus, implementado pelo regime nazista e seus colaboradores no âmbito da Segunda Guerra Mundial, em cujo contexto foram também perseguidos e assassinados outros grupos humanos por suas características físicas, ideológicas, religiosas, étnicas e sexuais, pessoas com deficiências, testemunhas de Jeová, comunidade LGBTIQ+, ciganos Roma, Calon e Sinti, negros afro-alemães, comunistas, poloneses, eslavos, intelectuais, dissidentes políticos e prisioneiros de guerra, todos alvos de grave opressão e aniquilamento sob a tirania nazista.

     Art 3º O ensino acerca do Holocausto, inserido na matéria de História, terá por objetivo, permitindo aos alunos desenvolverem uma cultura de valorização da vida e de respeito aos direitos humanos, informar e refletir com os discentes sobre:

     I - os crimes de lesa-humanidade perpetrados pelo Estado Alemão Nazista durante a Segunda Guerra Mundial contra os judeus e outros grupos discriminados;

     II - as razões geopolíticas e sociais que conduziram a este quadro; e

     III - as ações de resistência a esse regime.

     § 1º Este ensino deverá munir os alunos com as ferramentas necessárias para a identificação de discursos de ódio em nossa vida contemporânea, de modo a estarem mais preparados para exercer responsavelmente sua cidadania.

     § 2º Para a consecução do disposto no caput e no § 1º é vedada a abordagem do tema do Holocausto sob os prismas do negacionismo ou de qualquer forma de apologia ao nazismo, conforme art. 20 da Lei Federal 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito.

     Art. 4º Esta Lei entra em vigor no período letivo subsequente à sua publicação.

Autor: Priscila Krause

Justificativa

     “Não há sociedade que esteja geneticamente imunizada contra o fenômeno do qual a Europa foi vítima. Esta é a lição histórica básica da nossa geração”; a frase atribuída ao historiador, cientista político, comentarista e escritor israelense, uma das maiores autoridades acadêmicas em fascismo, Zeev Seternhell, nascido em 1935 em Przemysl, na Polônia, e falecido no dia 21 de junho de 2020, traduz com suficiente clareza a obrigação e a responsabilidade que recaem sobre toda a comunidade global de prover o ensino e a formação humanitária às novas gerações sobre o nazismo, as condições geopolíticas que levaram à ascensão do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, o Partido Nazista ou NSDAP na sigla em alemão, e a sua mais desumana consequência, que foi o Holocausto, a Shoá, o genocídio do povo judeu durante a Segunda Guerra Mundial.

     O ensino do Holocausto, termo de origem grega que significa “totalmente queimado”, também conhecido como Shoá, termo de origem hebraica que significa “catástrofe”, efetuado sob uma ótica humanitária e de desenvolvimento da compreensão pelo corpo discente acerca dos variados aspectos dos direitos humanos e das circunstâncias geopolíticas que deram origem ao estado nazista, permitirá às novas gerações reconhecerem e se posicionarem diante dos “sintomas” dos regimes autoritários e negacionistas da vida e da liberdade.

     Ao analisarmos as circunstâncias geopolíticas que levaram à sombria ascensão de Adolf Hitler à cúpula do Poder no Estado Alemão entre 1933 e 1945, como Chanceler do Reich e Führer da Alemanha Nazista, podemos identificar que o NSDAP não agiu, ao contrário do que muitos acreditam, de forma isolada ou sem o apoio da sociedade alemã da época. Da mesma forma, Hitler e seu secto nazista inicialmente buscaram dissimular a direção que o Estado Nazista tomou durante a Segunda Guerra Mundial. Após ser nomeado Chanceler da Alemanha, apesar de diuturnamente preparar o Estado para a Guerra, Adolf Hitler afirmava, segundo W. Shirer (1967, p. 21) que “aquele que acender a chama da guerra na Europa não quererá outra coisa senão o caos. A Alemanha Nacional-Socialista deseja a paz em virtude de suas convicções. E também quer a paz porque nenhuma guerra seria essencialmente adequada para alterar as angústias da Europa.” (apud MAGNOLI et al., História das Guerras, ed. Contexto, São Paulo – SP, 2006, p. 360).

     O que se percebe, por esse e outros discursos de Hitler e da cúpula do NSDAP, é a instauração de uma política de desinformação e dissimulação, como forma de criar uma base de apoio popular para a disseminação das políticas de ódio e antissemitismo que faziam parte do núcleo ideológico do Partido Nazista declarados desde 1920 entre os 25 pontos do Programa do NSDAP. Com a ascensão dos nazistas ao poder na Alemanha, o ódio contra os judeus e a política de segregação deste povo se tornaram institucionalizados e passaram a ter tanto o apoio da máquina estatal quanto da larga maioria da sociedade. Exemplo disto foram as Leis de Nuremberg, introduzidas em 15 de setembro de 1935 pelo Reichstag, implementando no ordenamento jurídico daquela nação princípios ideológicos racistas formadores do pensamento nazista; a Lei da Proteção do Sangue Alemão e da Honra Alemã, que proibia o casamento e as relações sexuais fora do casamento entre alemães e judeus, e a Lei da Cidadania do Reich, que determinava que apenas as pessoas com sangue alemão ou relacionado seriam elegíveis para serem cidadãos do Reich, sendo que as demais pessoas seriam privadas de direitos de cidadania. Seguindo-se a essa e várias outras alterações legislativas, os judeus foram gradativa e assertivamente sendo excluídos do convívio social, do acesso à educação formal e das esferas econômica e política, abrindo caminho para as futuras políticas segregacionistas, de expropriação de bens e de negação da vida e da liberdade judaicas. Já em 1938 a nação alemã, influenciada pelos ideais nazistas, uniu-se para perpetrar o massacre antissemita conhecido como Kristallnacht – “A Noite dos Cristais”, durante o qual sinagogas por toda a Alemanha foram incendiadas, lojas de judeus foram saqueadas e pelo menos 91 judeus foram brutalmente assassinados.

     Apesar de terem sido, desde o início do Estado Nazista, as principais vítimas da política segregacionista alemã, os judeus também lutaram contra a opressão de diversas formas; as lutas heroicas se deram em guetos na Polônia e em áreas da União Soviética ocupadas pela Alemanha, sendo o exemplo mais conhecido das lutas nos guetos o Levante do Gueto de Varsóvia, no qual os judeus, em números inferiores e armados de coquetéis molotov e armas de pequeno porte, levantaram-se contra os criminosos nazistas, resistindo às forças alemãs por cerca de um mês. Prisioneiros judeus também se rebelaram contra seus algozes nos centros físicos supremos de implementação da política de negação à vida e à liberdade do Estado Alemão Nazista; os campos de extermínio. Em Treblinka, Sobibor e Auschwitz-Birkenau os prisioneiros judeus malnutridos, desarmados e em franca desvantagem entregaram suas vidas para oferecem resistência aos seus carrascos. Além disso, a comunidade judaica estabeleceu um parâmetro mundial de solidariedade e união, tendo muitas parentelas arriscado suas próprias vidas para oferecer guarida a famílias deslocadas e judeus refugiados, bem como financiavam movimentos armados e lutas de resistência judaica por toda a Europa.

     Sem que haja a pretensão de esgotar o tema, o que se observa é a confluência de uma série de fatores geopolíticos e ações institucionalizadas que permitiram a abertura do caminho para a “solução final da questão judaica”, defendida pelo partido nazista, e que consistia no genocídio da população judaica através do Holocausto, da Shoá, perpetrado não por pessoas isoladas, mas pelo Estado Alemão Nazista, vitimando mais de 6 milhões de judeus e grandes partes de outros grupos considerados pelos ideais nazistas como “inferiores” ou politicamente desalinhados; ciganos, deficientes físicos e mentais, eslavos, afro-descendentes, homossexuais, comunistas, socialistas e as Testemunhas de Jeová.

     Do ponto de vista da política educacional adotada pela República, a Base Nacional Comum Curricular – BNCC já prevê para a matéria de História, dentro da Unidade Temática “Totalitarismos e conflitos mundiais”, o Objeto de Conhecimento “A emergência do fascismo e do nazismo”, desenvolvedor da habilidade “(EF09HI13) Descrever e contextualizar os processos da emergência do fascismo e do nazismo, a consolidação dos estados totalitários e as práticas de extermínio (como o holocausto)”. No mesmo sentido, o Plano Estadual de Educação – PEE, instituído pela Lei Estadual nº 15.533/2015, em seu art. 2º, inciso X, estabelece como diretriz a “promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental”, o que vai ao encontro da proposta aqui veiculada, que atua com caráter suplementar.

     Já quanto à constitucionalidade da matéria, a nossa Carta Magna estabelece em seu art. 24, IX, a competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre “educação, cultura, ensino e desporto”, não tendo sido o tema da educação delegado à competência legislativa privativa do Governador pela nossa Constituição Estadual, sendo que a proposta tampouco gera novas despesas ao Executivo Estadual, uma vez que o ensino de História já é adotado pela rede estadual de ensino, assim como o ensino do holocausto já se encontra previsto na BNCC, no que se busca apenas apontar diretivas mínimas para o ensino do tema, sem ainda ferir a liberdade de ensino e aprendizagem, uma vez que o ensino da Shoá sob os prismas do negacionismo ou revisionismo histórico configurariam, prima facie, a prática dos crimes de apologia ao nazismo e racismo, bem como atitude condenada pela comunidade internacional, no que cito a “Decisão sobre racismo e xenofobia”, assinada pelo Conselho da União Europeia, em Luxemburgo, em 19 de abril de 2007, segundo a qual deverão ser condenadas em todos os estados daquele bloco político atitudes públicas de aceitação, negação ou relativização de crimes de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra, bem como dos crimes definidos pelo Tribunal de Nuremberg direcionados a grupos de pessoas ou membros de grupos raciais, de cor, de religião, por descendência nacional ou étnica. Coaduna-se ainda com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual veda qualquer limitação à liberdade ou aos direitos pessoais por razões de “raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição” e com o inciso III do art. 1º da nossa Constituição Cidadã, que estabelece como fundamento da República Federativa do Brasil “a dignidade da pessoa humana”.

     Como disse o filósofo espanhol George Santayana, pseudônimo de Jorge Agustín Nicolás Ruiz de Santayana y Borrás, “aqueles que não podem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”, o que revela a fundamental importância do ensino acerca do Holocausto, ora proposto, de forma integrada à formação humanista dos alunos pernambucanos, dentro da matéria da história, apta a criar competências para a identificação e combate a políticas autoritárias e de negação da vida, dos direitos políticos e da liberdade.

     “O que é feito não pode ser desfeito, mas podemos prevenir que aconteça novamente” (FRANK, A. O diário de Anne Frank. Edição integral. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2000).

Histórico

[02/09/2021 16:17:21] EMITIR PARECER
[03/09/2021 15:04:14] AUTOGRAFO_CRIADO
[03/09/2021 15:27:08] AUTOGRAFO_ENVIADO_EXECUTIVO
[12/08/2020 10:22:44] ASSINADO
[12/08/2020 10:23:20] ENVIADO P/ SGMD
[13/08/2020 13:57:28] ENVIADO PARA COMUNICA��O
[13/08/2020 15:13:24] DESPACHADO
[13/08/2020 15:13:46] EMITIR PARECER
[13/08/2020 20:33:53] ENVIADO PARA PUBLICA��O
[14/08/2020 17:22:41] PUBLICADO
[24/09/2021 11:18:30] AUTOGRAFO_PROMULGADO
[24/09/2021 11:18:38] AUTOGRAFO_TRANSFORMADO_EM_LEI

Priscila Krause
Deputada


Informações Complementares

Status
Situação do Trâmite: AUTOGRAFO_PROMULGADO
Localização: SECRETARIA GERAL DA MESA DIRETORA (SEGMD)

Tramitação
1ª Publicação: 14/08/2020 D.P.L.: 11
1ª Inserção na O.D.:




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