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Parecer 6106/2021

Texto Completo

PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1418/2020

 

AUTORIA: DEPUTADA PRISCILA KRAUSE

 

PROPOSIÇÃO QUE VISA INSTITUIR A OBRIGATORIEDADE DE ENSINO DO HOLOCAUSTO NA DISCIPLINA DE HISTÓRIA, NO ÂMBITO DO SISTEMA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO ESTADO DE PERNAMBUCO. APRESENTAÇÃO DE SUBSTITUTIVO PARA MODIFICAR INTEGRALMENTE A PROPOSTA, A FIM DE INSTITUIR A PROIBIÇÃO DO ENSINO OU ABORDAGEM DISCIPLINAR DO HOLOCAUSTO SOB OS PRISMAS DO NEGACIONISMO OU REVISIONISMO HISTÓRICO. ANÁLISE DO SUBSTITUTIVO PROPOSTO. MATÉRIA INSERTA NA COMPETÊNCIA DOS ESTADOS-MEMBROS PARA LEGISLAR SOBRE EDUCAÇÃO E MEIOS DE ACESSO AO ENSINO (ART. 23, INCISO V, E ART. 24, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 19 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, VISTO QUE A PROPOSIÇÃO NÃO AUMENTA DESPESA, TAMPOUCO CRIA NOVA ATRIBUIÇÃO A ÓRGÃOS DO ESTADO, MAS APENAS PROÍBE O ENSINO DE UM “FATO HISTÓRICO INCONTROVERSO”. INEXISTÊNCIA DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO EXCEPCIONALMENTE QUANDO SE TRATA DE “INFERIORIDADE E DESQUALIFICAÇÃO DO POVO JUDEU”, CONFORME ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – UTILIZADO COMO PARADIGMA O “CASO ELLWANGER” (HABEAS CORPUS Nº 82424-2). PROPOSIÇÃO QUE SE COADUNA COM O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ART. 1º, III DA CF/88) E COM A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (ARTS. 1º E 2º). PELA APROVAÇÃO, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO PROPOSTO PELO RELATOR.

 

1. RELATÓRIO

 

Vem a esta Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, para análise e emissão de parecer, o Projeto de Lei Ordinária nº 1418/2020, de autoria da Deputada Priscila Krause, que institui a obrigatoriedade de ensino do Holocausto na disciplina de história, no âmbito do Sistema Estadual de Educação Básica do Estado de Pernambuco.

 

A proposição, conforme trecho da justificativa parlamentar, possui como objetivos:

 

“se busca apenas apontar diretivas mínimas para o ensino do tema, sem ainda ferir a liberdade de ensino e aprendizagem, uma vez que o ensino da Shoá sob os prismas do negacionismo ou revisionismo histórico configurariam, prima facie, a prática dos crimes de apologia ao nazismo e racismo, bem como atitude condenada pela comunidade internacional, no que cito a “Decisão sobre racismo e xenofobia”, assinada pelo Conselho da União Europeia, em Luxemburgo, em 19 de abril de 2007, segundo a qual deverão ser condenadas em todos os estados daquele bloco político atitudes públicas de aceitação, negação ou relativização de crimes de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra, bem como dos crimes definidos pelo Tribunal de Nuremberg direcionados a grupos de pessoas ou membros de grupos raciais, de cor, de religião, por descendência nacional ou étnica.”

 

O Projeto de Lei tramita nesta Assembleia Legislativa pelo regime ordinário (art. 223, inciso III, Regimento Interno).

 

É o relatório.

2. PARECER DO RELATOR

 

Cabe à Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, nos termos do art. 94, I, do Regimento Interno desta Casa, manifestar-se sobre a constitucionalidade, legalidade e juridicidade das matérias submetidas a sua apreciação.

 

A proposição vem arrimada no art. 19, caput, da Constituição Estadual e no art. 194, inciso I, do Regimento Interno desta Assembleia Legislativa.

 

Primeiramente, cumpre destacar que a redação proposta originalmente pela parlamentar incorreria em vícios de inconstitucionalidade, visto que prevê a inclusão de disciplina e, portanto, ofenderia o art. 19 da Constituição Estadual de 1989 o qual trata de matérias de iniciativa privativa do Governador do Estado. Portanto, será sugerida uma alteração, amparada pelo entendimento do STF e por isso de forma excepcional, instituindo a proibição do ensino ou abordagem disciplinar do Holocausto sob os prismas do negacionismo ou revisionismo histórico; vejamos:

SUBSTITUTIVO Nº      /2021 AO PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1418/2020

Altera integralmente a redação do Projeto de Lei Ordinária nº 1418/2020

Artigo único. O Projeto de Lei Ordinária nº 1418/2020 passa a ter a seguinte redação:

Institui a proibição do ensino ou abordagem disciplinar do Holocausto sob os prismas do negacionismo ou revisionismo histórico, no âmbito do Sistema Estadual de Educação Básica do Estado de Pernambuco.

Art. 1º Fica proibido, no âmbito do Sistema Estadual de Educação Básica do Estado de Pernambuco, o ensino ou a abordagem disciplinar do Holocausto sob os primas do negacionismo ou revisionismo histórico.

Art. 2º Para os fins desta Lei entende-se:

I - por Sistema Estadual de Educação Básica, as instituições públicas e privadas, estaduais e municipais, de Educação Básica, localizadas no Estado de Pernambuco;

II - por Educação Básica, o ensinos infantil, fundamental e médio, nos termos do inciso I do art. 21 da Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996; e

III - por Holocausto, o genocídio ou assassinato em massa e crime de lesa-humanidade, identificado como uma ação sistemática de extermínio do povo judeu durante a Segunda Guerra Mundial, patrocinado pelo Estado Alemão Nazista entre os anos de 1939 e 1945 sob o controle de Adolf Hitler e do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, durante o qual cerca de 6 (seis) milhões de judeus perderam suas vidas.

Art 3º O ensino ou a abordagem disciplinar do Holocausto, dentro do currículo educacional, deverá ter por objetivo informar e refletir com os discentes sobre os crimes de lesa-humanidade perpetrados pelo Estado Alemão Nazista durante a Segunda Guerra Mundial contra os judeus e outros grupos também discriminados, bem como sobre as razões geopolíticas e sociais que conduziram a este quadro e sobre as ações de resistência a esse regime, permitindo assim aos alunos desenvolverem uma cultura de valorização da vida e de respeito aos direitos humanos.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

Passando-se à análise do substitutivo apresentado acima, verifica-se que se trata de matéria relativa à educação e ensino no Estado, conforme descrito nos arts. 23 e 24 da Constituição Federal:

 

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: 

.......................................................................................................

 

IX - educação, cultura, ensino e desporto;

......................................................................................................

 

 

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: 

.......................................................................................................

 

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;

..........................................................................................................................”

 

Analisando-se o substitutivo proposto, não há que se falar em ofensa ao art. 19 da Constituição Estadual de 1989, visto que o PLO não gera despesa à Administração Pública, tampouco cria novas atribuições a órgãos de governo, pois não é matéria estranha à base curricular. Isso porque se houvesse criação de novas atribuições, incorreria, por óbvio, em vícios formais de inconstitucionalidade.

Seguindo-se o estudo, observa-se que o PLO, então, se coaduna com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana previsto no art. 1º, III da CF/88 o qual, nesse caso, deve prevalecer, mesmo em conflito com a liberdade de expressão, pois, segundo o STF, a pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, constitui crime de racismo definido na Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Abaixo, nesse sentido, excerto do Curso de Direito Constitucional do Ministro Gilmar Mendes, in verbis:

 

 

 “O Supremo Tribunal Federal tem assinalado, por exemplo, que declarações inadmissíveis em outras situações tendem a ser toleradas “ no contexto político em que a linguagem contundente se insere no próprio fervor da refrega eleitoral” . Por outro lado, o discurso de ódio, entre nós, não é tolerado. O STF assentou que incitar a discriminação racial, por meio de ideias antissemitas, “que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu”, constitui crime, e não conduta amparada pela liberdade de expressão, já que nesta não se inclui a promoção do racismo. Devem prevalecer, ensinou o STF, os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica.” (Mendes, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 12. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2017, Pg 241)

 

Destarte, adota-se o mesmo posicionamento do STF que entende que a negação da existência de “fatos históricos incontroversos”, como o holocausto, não pode ser considerada conduta constitucionalmente resguardada sob manto da liberdade de expressão, mas, sim ação tipificada na Lei 7.716/89 (Lei de Racismo).

Sobre esse tema, ainda, faz-se mister analisar, sinteticamente, o Habeas Corpus nº 82424-2, conhecido como o paradigmático “Caso Ellwanger”, quando, em 2003, o STF se debruçou sobre o conflito entre a liberdade de expressão e o respeito à dignidade da pessoa humana, senão vejamos.

O impetrante, sr. Siegfried Ellwanger, foi processado por crime de racismo (Lei 7.716/89), visto que redigia e publicava livros antissemitas e alegou, no HC impetrado no STF, que os judeus não sendo uma raça, o crime praticado não se tipificaria como racismo, mas sim, o de incitamento contra o judaísmo, buscando- se assim, ilidir a imprescritibilidade do delito.

 

Entretanto, já se verificou que o objetivo do legislador é dizer que o racismo abrange qualquer tipo de discriminação. Ademais, ainda se ampara na Lei 7.716/89, art. 20: “Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicações de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, religião, etnia ou procedência nacional. Penas: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos”.

 

Foram mencionadas também naquele processo decisões judiciais, das justiças americana e inglesa, para as quais os judeus, embora não sejam uma raça, são considerados raça para fins de proteção contra atos discriminatórios e para certos direitos. Ou seja, a finalidade da proteção, segundo a ótica da maioria dos Ministros, assegura o status racial. 

 

Ademais, concluiu-se também que o fato de a liberdade de expressão ser direito fundamental, entretanto, não a traduz como direito ilimitado e sua limitação se encontra no respeito à dignidade humana, princípio base para a construção do Estado de Democrático de Direito e é fundamento da liberdade, da justiça e da paz.

Sobre a colisão de direitos fundamentais, faz-se mister destacar excerto do Livro de Direito Constitucional do Min. Gilmar Mendes que enfatiza a primazia do princípio da dignidade da pessoa humana, in verbis:

Embora o texto constitucional brasileiro não tenha privilegiado especificamente determinado direito, na fixação das cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4º), não há dúvida de que, também entre nós, os valores vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana assumem peculiar relevo (CF, art. 1º, III). Assim, devem ser levados em conta, em eventual juízo de ponderação, os valores que constituem inequívoca expressão desse princípio (inviolabilidade de pessoa humana, respeito à sua integridade física e moral, inviolabilidade do direito de imagem e da intimidade). (Mendes, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 12. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2017, Pg 241)

Então, quando princípios colidem, cabe ao juiz sopesar qual prevalecerá no caso concreto, momento em que prevaleceu o princípio da dignidade da pessoa humana. No processo exposto, o impetrante do HC exerceu sua liberdade de expressão com finalidades ilícitas e, portanto, por 8 votos a 3, os ministros condenaram o sr. Siegfried Ellwanger por racismo, em razão de livros que publicou negando o Holocausto, deixando claro o posicionamento daquela Corte que o fato histórico não pode ser negado.

            Cumpre mencionar, ainda, que, além da Constituição Federal de 1988, também a Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento criado em 1948 pelas Nações Unidas estabeleceu normas comuns de proteção aos direitos da pessoa humana, in verbis:

“Artigo 1° Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. 

Artigo 2° Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania. “

            Isso posto, conclui-se que o PLO tem a função social de impedir que “fatos históricos incontroversos”, como o holocausto, sejam lecionados sob o prisma negacionista e revisionista quando do ensino escolar. Não se trata, pois, de uma inclusão de nova disciplina na grade escolar, o que, certamente, afrontaria o art. 19 da Constituição Estadual de 1989, bem como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Não obstante, é uma situação excepcionalíssima, com amparo no entendimento do STF sobre o tema, como já exposto.

 

Diante do exposto, o parecer do Relator é pela aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 1418/2020, de autoria da Deputada Priscila Krause, nos termos do substitutivo proposto.

                                                                                                             

É o Parecer do Relator.

3. CONCLUSÃO DA COMISSÃO

 

Tendo em vista as considerações expendidas pelo relator, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça, por seus membros infra-assinados, opina aprovação do Projeto de Lei Ordinária nº 1418/2020, de autoria da Deputada Priscila Krause, nos termos do substitutivo proposto.

Histórico

[03/08/2021 10:53:46] ENVIADA P/ SGMD
[03/08/2021 16:31:56] ENVIADO PARA COMUNICA��O
[03/08/2021 16:32:07] ENVIADO P/ PUBLICAÇÃO
[04/08/2021 00:31:40] PUBLICADO





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