
PROJETO DE LEI ORDINÁRIA 486/2019
Institui o Forró como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de Pernambuco.
Texto Completo
Art. 1º Fica instituída como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de Pernambuco o Forró.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
Justificativa
Estamos apresentando o presente Projeto de Lei tendo como base o empenho da Assembleia Legislativa de Pernambuco em preservar e valorizar a cultura pernambucana; desta forma tornar a matriz do FORRÓ como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de Pernambuco fortalecer a cultura pernambucana e nordestina.
A proposta se justifica na medida em que se assiste diariamente o esfacelamento da cultura pernambucana. Portanto, é mais que necessário que se tomem providências urgentes e eficazes contra a industrialização da cultura, chamada “cultura de massa”, que tem como princípio motivar um ciclo entre a sociedade e o consumo, através do entretenimento presente nos meios de comunicação, massificando a produção intelectual da sociedade e inserindo a mesma em uma clausura que determina suas ações e comportamento.
BREVE HISTÓRICO
A memória folclórica nordestina foi codificada constituindo uma identidade regional por meio do forró[1]. Sendo assim, ele deve ser compreendido a partir do significado do contexto sociocultural, histórico, econômico e essencialmente político. O forró trouxe no subconsciente dos nordestinos, lembranças das relações humanas no campo, e o sentimento de saudade. Além de instigar a memória deles, fazendo uma conexão entre o passado e o momento de êxodo das populações rurais para os centros urbanos.
Esta “elaboração” de uma unidade territorial não se deu de uma forma ordenada. Ela ocorre dentro de um processo fragmentário que só se torna coeso através do ideário regionalista a posteriori. Para que o Nordeste se constituísse numa unidade imagética e discursiva através do Forró, foi necessário que antes inúmeras práticas e discursos “nordestinizantes” fossem realizados por meio das denominadas matrizes do forró. Na literatura popular por exemplo, já era criado um discurso político das oligarquias, nos cordéis, nas cantorias e desafios dos cantadores.
Entretanto, surge um movimento através de escritores[2], que na sua maioria eram descendentes das famílias tradicionais nordestinas; que buscaram se aproximar do povo, utilizando temas e formas de expressão de origem popular como forma de difundir as condições sociais pelas quais aquele povo estava vivendo na época. Esses autores de uma forma geral, passaram a se identificar com o sofrimento do povo e muitos deles assumiram a pretensão de ser seu porta-vozes, numa postura comumente populista, que variava entre a denúncia das condições de vida das classes populares e o louvor da tradicional dominação paternalista.
Apesar de ser um tanto controverso defender a ideia de um estilo comum para os romancistas de trinta, esta aproximação com as fontes populares criou uma comunhão de características de certa forma “regional” entre eles. Esse resgate de antigos sentidos, dos velhos costumes da região, tornou-se uma postura de resistência, frente às inovações tanto na escrita como nas coisas da vida cotidiana, que revelam o caráter saudosista dessa produção romanesca.
Outra matriz do forró está nas artes plásticas, o regionalismo tradicionalista nordestino foi expresso principalmente através da materialização em formas visuais das imagens produzidas na literatura; tanto pelas obras de ficção, como pela sociologia/antropologia freyriana. A pintura nordestina feita na época congelou imagens locais, instituindo-as como representações típicas da região com tal força que como pôde ser visto posteriormente. Essas pinturas carregam até hoje imagens sintéticas, simbólicas e arquetípicas, que remetem constantemente a uma suposta essência regional.
A matriz musical tem um papel fundamental no processo de constituição do conceito de identidade nordestina. Todavia, tanto a música como a canção foram urbanizada; ou seja, houve uma ressignificação do folclore, uma produção artística com a finalidade de introduzir os elementos culturais dentro do segmento de mercado fonográfico, adaptando eles através de uma massificação, dentro dos padrões e gostos urbanos, tornando-o um produto industrializado.
Sendo assim, o Forró de Raiz ou Forró Pé de Serra foi disseminado por meio de gêneros musicais[3] urbanizados para realimentar a memória dos nordestinos migrantes no sudeste do país na década de 1940, com um discurso representante da região rural nordestina. Tal discurso foi um daqueles percebidos e escolhidos, dentro do processo de unidade nacional proposto pelo Estado, para representar o Brasil nacional rural, que passou a simbolizar a tradição e as permanências, que tinha como ponto de confluência em sua emersão a maior migração nordestina nesse período.
Três personagens (Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira e Zé Dantas) foram fundamentais nesse processo de criar um sotaque regional através de elementos sonoros que codificados constituíram uma identificação sensorial, onde os campos modais e tonais trouxeram do subconsciente dos nordestinos, lembranças das relações humanas no campo, e o sentimento de saudade. Assim como, os elementos simbólicos constituídos nas letras instigaram a memória deles, fazendo uma conexão entre o passado e o momento de êxodo das populações rurais para os centros urbanos. Então foi por meio da junção destes dois elementos artísticos: a música e a poesia (canção), que ficou ilustrado dentro de um processo diversificado, o conceito de identificação cultural no mercado fonográfico através do Forró Raiz.
Não poderia deixar de citar outra importantíssima vertente musical do Forró Raiz na década de 1950, confeccionada pelo paraibano de Alagoa Grande, chamado: José Gomes Filho, pseudônimo Jackson do Pandeiro, inspirado nas referências culturais do coco de umbigada, rojão, samba dentre outros; ele criou outra rica vertente do forró por meio das matrizes. Assim, esses nordestinos renovaram, transformaram e modernizaram a música “nordestina” amplificando-a pelo rádio e ampliando o seu campo de memória. A estratégia de conquistar parceiros e converter futuros discípulos para propagar este conceito de identidade cultural nordestina, foi fundamental neste processo[4]. Sobre a batuta de Gonzaga uma criação musical sem precedentes nasceu na história da música popular brasileira, dando liga ao processo dançante, de celebração ou de protesto, proposto por suas canções, que circulava entre o sagrado e o profano.
Por fim destaco outra matriz do Forró; a dança. Sua história se confunde com a da música, pois as duas confeccionaram uma parceria histórica e importante dentro deste conceito de identidade do nordeste brasileiro. A dança teve e terá um papel fundamental na propagação e fomento deste patrimônio cultural. Pois dentro de suas atribuições ela é uma formadora de plateia; assim como, introduz dentro da sociedade civil, políticas públicas de inclusão social e acessibilidade. Por meio desse entendimento compreendemos que uma das maiores ferramentas da dança para esses fins citados anteriormente, são os grupos sociais denominados de quadrilhas[5]. Além dos grupos de dança[6] que são fundamentais para propagação e divulgação desta identidade cultural brasileira.
A salvaguarda do bem FORRÓ é compreendida como um processo no qual os detentores estarão mobilizados por meio das associações[7] para identificar com maior profundidade a situação na qual o bem cultural se encontra. Ele tem como base a convenção para a salvaguarda do patrimônio imaterial da UNESCO de 2003, aprovada pelo decreto legislativo 22/2006, promulgada por meio do decreto 5753/06.
A ideia de patrimônio não está limitada apenas a um conjunto de bens materiais, de uma comunidade, de uma população; mas também se estende a tudo aquilo que se considera valioso pelas pessoas, mesmo que isso não tenha valor para outros grupos sociais (o valor de mercado). O patrimônio cultural de um povo é formado pelo conjunto dos saberes e fazeres, expressões práticas e seus produtos que remetem a história, a memória e a identidade desse povo. Sendo assim, a sua preservação significa principalmente cuidar dos bens representativos deste grupo social.
Compreendendo esse raciocínio, surge a necessidade de salvaguardar as matrizes do forró; pois reconhecemos que a cultura nordestina está enfrentando problemas para dar continuidade as práticas culturais. São elas:
- A intervenção mercadológica do show business com propósitos de homogeneização e controle do consumo das populações. Apesar do apoio construído por meio dos interesses da sociedade capitalista dominante, ela não é a cultura dessa sociedade. É necessário que seja criado um dispositivo para encontrar uma intersecção de interesse entre uma política pública cultural e o sistema capitalista, em benefício da sociedade. Pois hoje existe uma grande critica a política empregada pelas instituições governamentais, sendo acusadas de restringir os benefícios do sistema para produtos artísticos do setor privado; permitindo assim, que apenas projetos de maior apelo mercadológico sejam contemplados, levando a Cultura para sua parte mais efêmera e menos importantes do comprimento do processo de desenvolvimento cultural da nação.
- Valorização por meio do poder público, para práticas mediante a promoção, apoio, e incentivo ao forró, através de licitações públicas; ou seja, confeccionar uma política econômica cultural propiciando capital inicial ou capital de giro para aqueles que fazem o patrimônio cultural em questão. Beneficiando assim, a cadeia produtiva do forró[8]; gerando fluxos de empregos diretos, indiretos e prestações de serviços; assim como, estimulando a arrecadação de tributos municipais, como: o ISS; e estaduais, como: ICMS, dentre outros. Além de estimular e ampliar o consumo ao turismo sustentável, movimentando a economia-sócio cultural no Estado e municípios.
- Outro empecilho significativo é a capacitação dos detentores dentro da cadeia produtiva. Pois hoje no mercado cultural tornou-se indispensável distinguir determinados conhecimentos técnicos; sendo assim, a capacitação para os profissionais é um instrumento que ajuda o artista determinar um perfil definitivo com um foco de atuação especifico, para inserir no mercado artístico um produto competitivo com objetivos claros, dessa forma, terá um reconhecimento do seu trabalho tanto na mídia e na sociedade civil, quanto em retorno financeiro.
- Ações de caráter pedagógico voltada para aperfeiçoar a compreensão e o desempenho dos poderes públicos para a gestão do registrado, por meio do apoio ou da realização de oficinas, seminários, cartilhas e manuais direcionados aos diversos públicos com orientações sobre a política de salvaguarda do patrimônio cultural.
- São necessárias, ações pedagógicas envolvendo uma preparação de conteúdos dirigidos aos diferentes segmentos sociais, como os de escolas, de pesquisadores, de técnicos e gestores de instituições públicas e/ou privadas dentre outros; sobre a importância dos bens culturais registrados. A cultura é a memória, são elementos que fazem com que as pessoas se identifiquem umas com as outras; ou seja, reconheçam que tem e partilham vários traços em comum. Entretanto, isso só acontece quando elas se sentem parte integrante de uma região ou de uma comunidade, dando então valor às essas referências culturais.
O resultado esperado pela sociedade civil, é que o bem registrado do universo cultural relacionado, sejam difundidos e conhecidos amplamente. Além da valorização dos detentores e suas ações realizadas, deve-se estimular visibilidade, projeção social e cultural por intermédio de iniciativas públicas que realizem práticas patrimoniais relativas ao bem cultural registrado; ou seja: a consequência do reconhecimento como patrimônio cultural é a valorização do bem registrado.
Da cultura do forró foram escritos diversos livros, dissertações, artigos e periódicos sobre o assunto, foram produzidos vários vinis, CD's e DVD's com músicas de diversos artistas pernambucanos, nacionais e internacionais, sendo realizados diversos filmes sobre o tema, com depoimentos ressaltando a importância do forró na cultura pernambucana e nordestina, como também matérias em jornais de grande circulação local e nacional.
Não podemos deixar de registrar o apoio dos artistas, não só os cantores, mas todos que fazem parte da cadeia produtiva do forró, bem como, as entidades da qual eles são representando na elaboração da nossa propositura.
Diante o exposto com uma breve histórico e curriculum sobre o tema é da nossa parte de suma importância a aprovação do Projeto de Lei.
1 - A origem da palavra “Forró” existe controvérsias, entre três teses para explicar sua existência. A primeira - é que a sua origem vem através de uma frase da língua inglesa; usadaquando a empresa inglesa Great Western of Brazil Railway Company oferecia festas aos seus operários, a festa chamava-se “For all”, traduzindo para o português seria “para todos”. Segundo os pesquisadores que defende está corrente, baseados no processo de deformações de palavras na boca do povo, a frase em inglês for all, tornou-se a palavra forró que com o passar do tempo, ficou com o significado de local onde é executada música popular. A segunda tese que foi defendida pelo pesquisador carioca Baurepaire Roha, e o filólogo pernambucano Evanildo Bechara dentre outros; - é que a palavra forró seria uma redução da palavra Forrobodó, que por sua vez é uma variante do antigo vocábulo galego-português forbodó, corruptela do francês faux-bourdon, que teria a conotação de desentoação; ou seja, sua corrente histórica é baseada dentro do estudo da linguística e da etimologia. Segundo Fermín Bouza-Bery, a ligação semântica entre as palavras: forbodó e forrobodó tem origem na região noroeste da Península Ibérica: "a gente dança a golpe de bumbo, com pontos monorrítmicos monótonos desse baile que se chama forbodó" (BECHARA; 2009; p. 957). Entretanto, segundo o historiador e antropólogo potiguar, Luís da Câmara Cascudo; essa palavra forrobodó ou forrobodança é de origem do banto africano, que significa festa, fartura de comes e bebes; surgindo assim, a terceira tese. Este termo foi incorporado ao vocabulário nordestino desde o século XIX, como adjetivo de divertimento, pagodeira ou festança.
2 - Dentre os romancistas classificados neste grupo de escritores e que tomam o Nordeste como “região da saudade”, três nomes se destaca: José Lins do Rego, José Américo de Almeida e Rachel de Queiroz.
3 - Anteriormente houve um processo de triagem por meio do segmento de mercado que definiu entre diversos gêneros e subgêneros musicais quais seriam de preferência do público-alvo. Sendo assim, com o passar do tempo ficou definido através do gosto do público, os seguintes gêneros e subgêneros: Baião, Xaxado, Toada, Xote, Marchinha ou Arrastapé e o forró também como gênero musical.
4 - Destaco alguns nomes de grandes artistas, compositores e letristas que surgem no Estado de Pernambuco, dentro da compreensão citada previamente a partir da década de 1950 até os dias atuais; são eles: Marinês, Onildo Almeida, Anastácia, Luís Queiroga, Coronel Ludugero (Luiz Jacinto Silva), Dominguinhos, Camarão, Azulão, Jacinto Silva, Arlindo dos oito baixos, Genival Lacerda, Asissão, João Silva, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Quinteto Violado, Marinalva, Elba Ramalho, Alcimar Monteiro, Israel Filho, Novinho da Paraíba, Ivan Ferraz, Agostinho do Acordeon, Jorge de Altinho, Nando Cordel, Terezinha do Acordeon, Joquinha Gonzaga, Sevy Nascimento, Araci Araújo. Além de Zé Bicudo, Joana Angelica, Petrúcio Amorim, Maciel Melo, Accioly Neto, Santanna O’ Cantador, Maria Lafaete, Cristina Amaral, Nádia Maia, Rogério Rangel, Geraldinho Lins, Cascabulho, Silvério Pessoa, Flávio Leandro, Irah Caldeira, Josildo Sá, Patricia Cruz, Coruja e seus Tangarás, Ivanildo de Pombos, Bia Marinho, Lampiões e Maria Bonita, Dudu do Acordeon, Quenga de Coco,Azulinho; Banda seu Januário, Carlinhos Monteverde; César Amaral; Fabiana Pimentinha; Salatiel D’Camarão, Galeguinho de Gravatá; Ed Carlos, Rei do Cangaço, Genildo Sousa; Fim de Feira, Izaias de Bonito, João Lacerda, João Paulo Jr., Manoelzinho do Acordeom, Nerilson Buscapé, Nino Gama de Limoeiro, Arlindo Moita, Roberto Cruz, Bruno Lins, Vando Dias; Encanto e Poesia, Bruno Flor de Lotús, Andrezza Formiga, Benil, Luizinho de Serra, Nenê Oliveira, André Macambira, Derico Alves, d entre outros.
5 - Destaco algumas quadrilhas de tradição em Pernambuco, como: Junina Zabumba, Junina Tradição, Junina Raio de Sol, Junina Lumiar, Junina Origem Nordestina, Junina Dona Matuta, Zé Matuto dentre outros.
6 - Grupos importantes para o fomento, propagação e divulgação do forró dança, foram: Balé Popular do Recife, Companhia Trapiá de dança dentre outros.
7 - Destaco que outrora foram criadas associações de forrozeiros em Pernambuco para fomentar e preservar a memória das matrizes do forró; além de buscar capacitar os artistas, no sentido de formalizar seus trabalhos para estarem aptos a serem contratados no âmbito de licitações públicas; assim como, orientar dentro do mercado artístico privado a produção de cada profissional e sua carreira. Hoje, temos algumas associações atuantes, como: Associação Luiz Gonzaga dos Forrozeiros do Brasil (Exu); COCAR - Coletivo Cultural de Arcoverde (Arcoverde); Associação dos Forrozeiros e Trios Pés de Serra de Caruaru, Sociedade dos Forrozeiros Pé de Serra e Ai (Recife), dentre outras.
8 - Ela consiste em todas as etapas que envolvem a produção das matrizes do forró e seus serviços até chegar ao consumidor, envolvendo diversos profissionais e diferentes setores, com finalidade econômica desde a criação e manuseio da matéria-prima até a distribuição do produto; ou seja, dentro deste processo destaco os seguintes profissionais: compositores, letristas, músicos, produtores musicais, produtores executivos, diretores musicais, diretores artísticos, agentes, empresários, produtores culturais, bailarinos, engenheiros de som, técnicos em áudio, produtor fonográfico, técnicos de iluminação, roadys, carregadores, camareiras, fotógrafos, assessor de imprensa, contador, administrador. Além dos departamentos, como: gravadoras, estúdios de gravação, editoras, associações, ecad, estúdios de ensaio, distribuidora comercial (atacado e varejo), serviços de apoio (transportes, gráficas, entre outros).
Histórico
Wanderson Florêncio
Deputado
Informações Complementares
Status | |
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Situação do Trâmite: | RETORNADO PARA AUTOR |
Localização: | Gab. Wanderson Florêncio |
Tramitação | |||
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1ª Publicação: | 23/08/2019 | D.P.L.: | 6 |
1ª Inserção na O.D.: |
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Tipo | Número | Autor |
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Parecer FAVORAVEL_ALTERACAO | 1664/2019 | Constituição, Legislação e Justiça |
Substitutivo | 1/2019 |