Com quantos votos se faz um deputado
Entenda as razões e os cálculos do sistema proporcional
André Zahar
Você sabia que o sistema pelo qual os deputados federais e estaduais são eleitos foi criado há mais de 120 anos? E que o formato adotado no Brasil é praticamente o mesmo há mais de sete décadas?
“Ah, mas, na última eleição, meu candidato teve mais votos que um outro e ficou de fora! E o outro entrou, mesmo com menos votos!”, interrompe o eleitor afoito.
Ok. Essa é, talvez, a crítica mais recorrente à representação proporcional, que pode até não ser o modelo mais simples (ou perfeito), mas é considerado o mais apto para garantir a representação, no Legislativo, dos variados segmentos sociais. E é por isso que foi adotado, no todo ou em parte, na maioria dos países democráticos.
Após apresentarmos, nas primeiras reportagens desta série especial, o calendário e as principais mudanças nas regras das eleições deste ano, agora vamos explicar como são distribuídas as 49 cadeiras da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).
Para isso, é preciso falar sobre eleições proporcionais e majoritárias. Depois, apresentaremos uma série de cálculos usados para determinar quem entra e quem fica de fora. Com o objetivo de facilitar a compreensão, criamos uma eleição fictícia para o Parlamento pernambucano e aplicamos os cálculos passo a passo.* Vamos lá?
Sistemas eleitorais
As eleições para presidente, governadores, prefeitos e senadores são majoritárias. Ou seja: garante a vaga quem tiver mais votos. No caso das três primeiras disputas, que se referem ao Poder Executivo, ainda existe a possibilidade de um segundo turno. Isso ocorre quando nenhum candidato ou candidata alcança a maioria absoluta dos votos válidos, ou seja, mais do que a soma de todos os outros concorrentes (os votos em branco e nulo são descartados na hora da apuração).
Já as disputas para a Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais são diferentes: ocorrem pelo método da representação proporcional. Usado pela primeira vez em 1989, nas eleições para deputados na Bélgica, esse sistema tem o propósito de permitir que grupos minoritários da sociedade sejam representados no Legislativo. Atualmente, 85 países do mundo usam o sistema eleitoral proporcional nas eleições para o Legislativo Federal.
“A representação proporcional leva em conta que a sociedade é multifacetada e, por isso, busca garantir a presença no parlamento dos variados segmentos sociais. É um sistema considerado bem democrático, pois nele as minorias são representadas, se tiverem densidade eleitoral suficiente”, explica o estatístico Maurício Romão, autor do livro Dinâmica Eleitoral no Brasil – Fórmulas, Competição e Pesquisas.
Elementos desse sistema começaram a ser adotados no Brasil a partir do primeiro Código Eleitoral, decretado em 1932 pelo então presidente Getúlio Vargas. A Constituição Federal de 1946 estabeleceu o modelo que vigora até hoje para a escolha dos representantes da Câmara dos Deputados. Já o Código Eleitoral de 1950 estendeu o formato às disputas de deputados estaduais e de vereadores de todo o País.
“Notas de corte”
A ideia do sistema proporcional é a de que o mandato pertence ao partido, e não ao político, o qual, inclusive, pode perder o cargo se optar pela desfiliação sem justa causa. Nele, entram em cena os chamados quocientes eleitoral (QE) e partidário (QP), que funcionam mais ou menos como as “notas de corte” de um vestibular, deixando de fora as legendas que não atingiram um número mínimo de votos (ver infográfico).
O QE define os partidos que têm direito a ocupar as vagas. Ele é obtido pela divisão do total de votos válidos pelo número de cargos em disputa. No caso da Alepe, são 49 cadeiras de deputados e deputadas estaduais.
Na última eleição para o Legislativo pernambucano, em 2018, foram computados 4.511.453 votos válidos. Divididos pela quantidade de vagas a preencher, chegamos ao número 92.070.
De acordo com o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Walber Agra, especialista em Direito Eleitoral, a expectativa é de que neste ano, com as mudanças nas regras eleitorais (especialmente a proibição das coligações), o QE fique em torno de 95 mil.
O momento seguinte é o de calcular o QP, que define o número de vagas que caberá a cada partido ou federação que tenha ultrapassado a primeira barreira. Ele é calculado através da divisão de todos os votos do partido (legenda e diretamente nos candidatos) pelo quociente eleitoral.
Até recentemente, já seria possível saber, após os cálculos do QE e do QP, o número de cadeiras que o Partido A conquistaria, bastando convocar os dez candidatos mais votados. Só que uma lei aprovada em 2015 mudou um pouco as coisas: agora, só garantem vaga os candidatos que tenham obtido, pelo menos, 10% do QE. É a chamada votação nominal mínima.
De acordo com Walber Agra, o mecanismo foi criado para evitar que os grandes “puxadores de voto” levem para o Legislativo figuras com votação inexpressiva, no que ficou popularmente conhecido como “Efeito Tiririca”. “Na eleição proporcional, acontece de candidatos menos votados se elegerem porque o partido atingiu os quocientes, enquanto postulantes de outras legendas, com mais votos, ficam de fora. Mas alguns mecanismos foram criados para que candidatos com muito poucos votos não se elejam”, resume o professor.
Eleição simulada
Para exemplificar, vamos imaginar uma eleição fictícia (ver infográfico abaixo) para a Alepe em que 4,9 milhões de votos foram apurados. Assim, o QE será igual a 4,9 milhões divididos pelas 49 cadeiras do Parlamento pernambucano, totalizando 100 mil votos. Então, a princípio, os partidos que não obtiveram essa votação não elegeriam deputados.
Vamos supor que, nessa eleição fictícia, os candidatos do Partido A, somados, atingiram 700 mil eleitores. E que a sigla teve outros 300 mil votos de legenda. Portanto, chegamos ao total de 1 milhão a ser dividido por 100 mil, chegando a QP = 10.
Também concorrem candidatos dos partidos B, C, Y e Z, que obtêm totais de votos variados. Lembre-se que, para chegar aos QPs dessas legendas, a conta foi arredondada para baixo. Isso porque o Código Eleitoral manda desprezar a fração nesses cálculos.
Como ficaria o resultado desse pleito? Vejamos:
Agora, restam algumas questões:
1. O Partido A, por conta da votação nominal mínima, não preencheu duas das dez vagas que tinha conquistado pelo QP. Para onde elas foram?
2. Com os arredondamentos no cálculo do QPs, “sobraram” 50 mil votos de B e outros 50 mil do C. Eles não poderiam entrar com meio deputado cada um, é fato, mas somando essas duas frações, daria para entrar um deputado na Casa.
3. E os partidos Y e Z “zeraram” o QP quando a fração foi desprezada, mas, somando os índices que atingiram (0,95 + 0,60 = 1,55), também contam com votos suficientes para eleger um representante.
E aí? O que será feito com essas “sobras eleitorais”? Também há um cálculo previsto no Código Eleitoral (Lei Federal nº 4.737/1965) para os casos em que o número de vagas não é totalmente preenchido na apuração do quociente partidário. E para quando candidatos, embora classificados no número de vagas obtidas pelo partido, não obtêm a votação nominal mínima de 10% do QE.
Pela regra anterior, todos os partidos com participação nas eleições podiam entrar numa “repescagem”, independentemente do número de votos. Mas, desde a reforma eleitoral aprovada no ano passado, a divisão das sobras eleitorais pelo sistema de maiores médias é feita apenas entre legendas que conquistaram um mínimo de 80% do QE, caso tenham candidatos com votos equivalentes a pelo menos 20% desse índice.
Pronto: agora você já sabe o que quer dizer “Eleitos por QP” e “Eleitos por média” quando vir algum dado ou notícia sobre o resultado das eleições. Segue o exemplo:
Essa operação será repetida para cada vaga, até não haver mais partidos com candidatos que tenham atingido a votação nominal mínima (neste caso, 20 mil). Lembrando que a média vai mudando à medida que se preenchem as vagas, pois cada candidato que entra passa a ser somado na divisão.
Na segunda rodada, portanto, a próxima cadeira vai para o partido B, caso algum de seus candidatos tenha obtido 20 mil votos.
E assim por diante.
Se ainda sobrarem cadeiras, e não houver mais candidatos com a votação nominal mínima (20 mil), elas serão distribuídas aos partidos que apresentarem as maiores médias.
“Simples” assim.
*O conteúdo desta reportagem partiu de consultas aos tribunais Superior Eleitoral (TSE) e Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE). Também contou com o apoio da Consultoria Legislativa da Alepe (Consuleg) e do estatístico Maurício Romão.
Crédito das imagens em destaque (home e Especiais): Breno Laprovitera