Publicado em 04/10/2019 - 11:10

Marco democrático

Há 30 anos, Pernambuco promulgava, em outubro, o texto constitucional hoje em vigor. Elaboração da Carta Magna envolveu deputados, servidores e juristas em busca de uma proposta consistente e conciliatória

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Edson Alves Jr., com colaboração de Ciro Rocha

Neste ano, completam-se três décadas desde que a lei maior de Pernambuco foi reescrita para se adaptar à nova ordem constitucional brasileira. O momento exigia políticas públicas para mudar a realidade social e promover a abertura dos governos à participação popular. Foi à Assembleia Legislativa que coube a missão, indicada pela Constituição Federal de 1988, de elaborar a Carta Magna do Estado, cuja promulgação aconteceria no dia 5 de outubro de 1989.

“As Constituições estaduais brasileiras representam um passo além nas conquistas da Constituição Federal, em direção à construção da cidadania e de um verdadeiro Estado de Direito dentro do Pacto Federativo”, ressaltou o presidente da Alepe, deputado Eriberto Medeiros (PP), em discurso no Plenário da Casa ao abrir o congresso ConState, no início de setembro.

Segundo Marcelo Continentino, professor de Direito Constitucional da Universidade de Pernambuco (UPE), havia uma diferença entre os sentimentos dos constituintes de 1988 e dos deputados estaduais daquele período. “A elaboração da Constituição Federal estava imbuída de um espírito muito mais renovador, em oposição ao regime autoritário anterior. Já em 1989, o sentimento era de completar esse projeto democrático no que tange às peculiaridades de Pernambuco e suas diferentes regiões”, avalia o estudioso.

Durante o processo, de certa forma, duas Assembleias passaram a existir: uma, para manter a discussão e votação das leis comuns, e outra, responsável por elaborar a nova constituição. Cada uma delas possuía Mesa Diretora própria; a primeira era presidida por Clodoaldo Torres (PMDB) e a segunda, pelo deputado constituinte João Ferreira Lima Filho (PMDB).

FUTURO - "Tínhamos consciência de que a Carta não era só para aquele governo, mas para todos os que viriam depois", observa Marcus Cunha. Foto: Acervo Pessoal

FUTURO – “Tínhamos consciência de que a Carta não era só para aquele governo, mas para todos os que viriam depois”, observa Marcus Cunha. Foto: Edson Alves Jr.

A separação também se refletia numa atitude diferente com relação à disputa política. Divisões entre Governo e Oposição foram deixadas de lado em nome de discussões de longo prazo, segundo o ex-deputado Marcus Cunha, relator do texto. “Mas nós tínhamos a consciência de que a elaboração da Carta não era só para aquele governo, mas para todos os que viriam depois”, considera Cunha, que era membro do PMDB à época. Além disso, a Constituinte estadual teve quase nenhuma interferência do então governador, Miguel Arraes, assevera.

Inicialmente, o então presidente Ferreira Lima pensou em trazer pessoal de Brasília, que tinha atuado na Constituição Federal, para auxiliar nos trabalhos da Carta Magna estadual. A equipe técnica da Casa o desaconselhou, garantindo que a tarefa seria cumprida com rigor pelos servidores da própria Assembleia e juristas pernambucanos.

APOIO - Servidor da Alepe, José Carlos Santana, e assessor jurídico Izael Nóbrega integraram equipe técnica da Constituinte de 1989. Foto: Edson Alves Jr.

APOIO – Servidor da Alepe, José Carlos Santana, e assessor jurídico Izael Nóbrega integraram equipe técnica da Constituinte de 1989. Foto: Edson Alves Jr.

Foram chamados, entre outros, especialistas como Jarbas Cunha, Sérgio Higino, João Parente Muniz, Hélio Ourém, Francisco Pita Marinho e Arthur Pio. “Nós buscamos pessoas com pensamentos ideológicos distintos, para termos mais diversidade de opiniões”, relembra Izael Nóbrega. O procurador municipal do Recife aposentado foi assessor jurídico da Relatoria da Constituinte. 

Logo no começo, na definição do Regimento Interno, foram 89 emendas, o que já indicava o trabalho que viria. Durante a elaboração da Constituição, foram contabilizadas quase mil emendas. “Na busca de consensos, muitas vezes a equipe iniciava os trabalhos logo no café da manhã, na residência do relator Marcus Cunha, no bairro do Espinheiro”, conta Izael.

“Eu não vi corporativismo por parte dos deputados. Vi um debate intenso, mas de ideias”, corrobora José Carlos Santana, servidor com mais de 40 anos de atuação no  Legislativo Estadual. Ele assessorava as duas mesas diretoras em 1989 e, atualmente, faz parte da Consultoria Legislativa da Alepe (Consuleg). “Tínhamos apenas dois computadores e uma impressora matricial para fazer todo esse trabalho”, relembra. 

 

Memórias

No início dos trabalhos da Constituinte, o relator, Marcos Cunha, tinha medo de que o texto final ficasse a reboque das pressões do funcionalismo público. “Eu até cheguei a dizer ao governador Miguel Arraes que acabaríamos por fazer um estatuto do funcionalismo público, e não uma Constituição”, relembra o ex-parlamentar. “Mas a boa relação que eu tinha com deputados de Oposição, principalmente Eduardo Araújo (do então PFL, atual Democratas), foi importante. Acertamos juntos que iríamos priorizar o que era importante para o Estado e deixar para resolver as emendas corporativas depois”, ressalta.

57
deputados constituintes participaram da elaboração

“No regime democrático, sempre teremos classes sociais e categorias lutando por seus interesses. Com a Constituição, elas passaram a ter mais espaço. O regime democrático é para acomodar esses interesses”, considera Henrique Queiroz, que foi deputado constituinte pelo PFL, partido que liderava a oposição a Miguel Arraes.

“Havia muito zelo no trabalho dos constituintes”, avalia o ex-deputado José Humberto Cavalcanti, então no PMDB (hoje, ele é filiado ao PTB). “Uma emenda propôs, por exemplo, que os usuários de energia elétrica do Semiárido teriam suas contas reduzidas em até 70% por 15 anos. Na votação, ela foi derrotada apenas por um voto”, recorda. “Imaginem o impacto financeiro que isso iria trazer para a Celpe, que na época era uma empresa estatal.”

352
dias. Esse foi o tempo transcorrido entre a instalação da Assembleia Constituinte e a promulgação da Carta Magna.

Outra curiosidade é que um dos constituintes se negou a assinar o documento. Foi o deputado João Coelho, do PDT, que havia sido o mais votado nas eleições de 1986. O motivo da recusa foi que, para ele, seria impossível o Estado de Pernambuco cumprir o que estava previsto na Carta Magna. “Vou comemorar quando a Constituição for praticada na íntegra”, falou Coelho à imprensa, na ocasião.

Entrevistado para a edição especial do Tribunal Parlamentar dos 20 anos da Constituição Estadual, Coelho reconheceu que benefícios foram alcançados, sobretudo com relação à garantia das liberdades individuais. Mas reafirmou que a maioria dos artigos ainda não são aplicados pelas gestões do Estado. “O nosso problema não é ter leis, mas o cumprimento delas”, declarou.

Uma segunda reportagem especial sobre o tema vai ao ar no dia 17 de outubro. Nela, será revelado o papel dos movimentos sociais na redação da Constituição Estadual de 1989.

MEMÓRIA - Foto histórica dos parlamentares da Casa de Joaquim Nabuco responsáveis pela elaboração da Constituição de 1989. Foto: Acervo Alepe

MEMÓRIA – Foto histórica dos parlamentares da Casa de Joaquim Nabuco responsáveis pela elaboração da Constituição de 1989. Foto: Acervo Alepe

Lista dos deputados constituintes:

JOÃO FERREIRA LIMA FILHO – Presidente
FELIPE COELHO – 1º Vice- Presidente
CARLOS ADILSON PINTO LAPA – 2º Vice-Presidente
JOSÉ HUMBERTO LACERDA BARRADAS – 1º Secretário
JOSÉ GERALDO DA MOTA BARBOSA – 2º Secretário
GILVAN CORIOLANO DA SILVA – 3º Secretário
MANOEL FERREIRA DA SILVA – 4º Secretário
MARCUS ANTONIO SOARES DA CUNHA – Relator
ADOLFO JOSÉ DA SILVA
ÁLVARO SILVA RIBEIRO
ANTONIO MARIANO DE BRITO
ARGEMIRO PEREIRA DE MENEZES
ARTHUR CORREIA DE OLIVEIRA
CARLOS PORTO DE BARROS
CARLOS ROBERTO GUERRA FONTES
CLODOALDO DA SILVA TORRES
EDUARDO GOMES DE ARAÚJO
FAUSTO VALENÇA DE FREITAS
GARIBALDI BEZERRA GURGEL
GERALDO PINHO ALVES FILHO
GERALDO DE SOUZA COELHO
HENRIQUE JOSÉ QUEIROZ COSTA
INALDO IVO LIMA
JOÃO LIRA FILHO
JOÃO RAMOS COELHO
JOEL DE HOLANDA CORDEIRO
JOSÉ AGLAILSON QUERÁLVARES
JOSÉ ANTONIO LIBERATO
JOSÉ ÁUREO RODRIGUES BRADLEY
JOSÉ CARDOSO DA SILVA
JOSÉ FERREIRA DE AMORIM
JOSÉ HUMBERTO DE MOURA CAVALCANTI FILHO
JOSÉ MENDONÇA BEZERRA FILHO
LUIZ EPAMINONDAS FILHO, MANOEL ALVES DE SOUZA
MANOEL TENÓRIO LUNA
MARCANTONIO DOURADO
MARIA LÚCIA HERÁCLIO DE SOUZA LIMA
MAVIAEL FRANCISCO DE MORAES CAVALCANTI
MURILO CARNEIRO LEÃO PARAÍSO
NEWTON D’EMERY CARNEIRO
OSVALDO RABELO
PAULO PESSOA GUERRA FILHO
RANILSON BRANDÃO RAMOS
ROLDÃO JOAQUIM DOS SANTOS
SEVERINO JOSÉ CAVALCANTI FERREIRA
VALDEMAR CLEMENTINO RAMOS
VANILDO DE OLIVEIRA AYRESITAL CAVALCANTI NOVAES

Deixaram de assinar, por se encontrarem licenciados:
PEDRO EURICO DE BARROS E SILVA, SEVERINO ALMEIDA FILHO, FERNANDO ANTONIO CARVALHO RIBEIRO PESSOA, SEVERINO SÉRGIO ESTELITA GUERRA, MANOEL RAMOS DE ALMEIDA.

Participantes:
ADEMIR BARBOSA DA CUNHA, FRANCISCO CINTRA GALVÃO, IVO TINÔ DO AMARAL

 

Discursos da promulgação

capa-do-constituinte-28101989“Aqui, neste documento, está um novo Pernambuco.” Assim, o então deputado Geraldo Coelho (MDB) classificou a promulgação da Constituição Estadual, no dia 5 de outubro de 1989. As frases e expressões dos parlamentares da época podem ser conferidas nas atas oficiais da cerimônia no Diário Oficial do Estado de Pernambuco – Poder Legislativo, publicado no dia 28 de outubro daquele ano. O jornal está disponível no site da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). No endereço eletrônico, é possível acessar registros oficiais a partir do ano de 1936.
Veja a edição do Diário Oficial do Poder Legislativo do dia 28 de outubro 1989.

 

*Créditos: fotos em destaque do Acervo Histórico da Alepe (home) e de Breno Laprovitera (topo da página e Notícias Especiais). Vídeo editado por Edson Alves Jr., com imagens do acervo audiovisual da Alepe.