Um feito bicentenário
Primeira experiência republicana no Brasil, Revolução Pernambucana de 1817 segue viva no imaginário local com lições de liberdade e igualdade de direitos
Gabriela Bezerra e Haymone Neto
Data Magna do Estado, o dia 6 de março marca o estopim da Revolução Pernambucana de 1817, que deu início a um período republicano vivido no Brasil antes mesmo da destituição do imperador Dom Pedro II. Com o envolvimento direto de 50 padres e cinco frades, o movimento originou-se no Seminário de Olinda, ficando popularizado como “Revolução dos Padres”.
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- Assustado com as primeiras notícias do movimento de 1817, o então governador de Pernambuco, Caetano Pinto, recolheu-se com o filho e auxiliares no Forte do Brum (Centro do Recife). Ele já havia governado outras capitanias, tendo tomado posse em Pernambuco no dia 24 de março de 1804. Sua administração estava bem avaliada, mas começou a sofrer críticas com a elevação de impostos, que custeava a Corte da Família Real no Rio de Janeiro. Foto: Henrique Genecy
- Junto ao Areópago de Itambé, o Seminário de Olinda é considerado centro das ideias que impulsionaram o movimento de 1817, que, não por acaso, tem também o nome de Revolução dos Padres. Desde 1799 sob o bispado de Azeredo Coutinho, o seminário fornecia educação formal a jovens, tanto os dedicados ao sacerdócio quanto os que desejavam dar continuidade aos estudos obtidos nas universidades europeias. Foto: Antônio Melcop/Prefeitura de Olinda.
- Participante da Revolução de 1817 e da Confederação do Equador, em 1824, Frei Caneca foi condenado ao enforcamento, mas morreu fuzilado no Forte das Cinco Pontas (Centro do Recife) no dia 13 de janeiro de 1825. Ninguém quis a missão de enforcá-lo. Antiga prisão, o forte foi edificado em 1630 e é a última construção holandesa no Recife. Hoje funciona como Museu da Cidade. Foto: Henrique Genecy
- Produzida por Rinaldo Silva, a pintura intitulada Líderes da Revolução são Enforcados em Praça Pública ilustra o mês de dezembro do calendário comemorativo ao bicentenário da Revolução divulgado pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). Foto: Cepe/Divulgação.
- Instalado na Casa da Cultura (Centro do Recife), o painel resgata passagens da Revolução Pernambucana de 1817. A obra foi produzida e doada pelo pintor Cícero Dias. Foto: Henrique Genecy
- Inaugurado em 1994, o Monumento aos Heróis da Revolução Pernambucana de 1817 foi encomendado ao escultor Abelardo da Hora, juntamente com outras obras que retratam momentos importantes da história de Pernambuco, para compor a Praça da República (Centro do Recife). O local foi cenário do enforcamento de alguns líderes do movimento, como Vigário Tenório, Domingos Teotônio e José de Barros Lima, apelidado de Leão Coroado. Foto: Henrique Genecy
- Em 1967, o artista Corbiniano Lins fez vários painéis em azulejo destacando feitos históricos de Pernambuco no século 19, um deles retratando a Revolução de 1817. Todos estão expostos na Praça Cívica, junto à Avenida Cruz Cabugá (Centro do Recife). Considerado embaixador da República nos Estados Unidos, Antônio Gonçalves da Cruz, o Cabugá, era comerciante e viajou aos Estados Unidos em 1817 em busca de reconhecimento internacional para o movimento. Foto: Henrique Genecy
A seu favor, o levante contava com o histórico de luta nativista em Pernambuco, que já havia contribuído para a expulsão dos holandeses (1654), deflagrado a Guerra dos Mascates (1710) e conspirado contra a metrópole com os Irmãos Suassuna (1801). A trajetória alimentava o imaginário dos revoltosos, a ponto de Cipriano Barata, um dos envolvidos na Revolução de 1817, defender que “é certamente Pernambuco a província (…) mais ciosa da sua liberdade por isso a mais abundante de sucessos políticos e a mais capaz de servir de farol ao espírito público do Brasil inteiro”.
Em 1808, a chegada da Família Real ao Brasil contribuiu para o sentimento de revolta, ao expor as contradições entre a ostentação da Corte Portuguesa e a realidade dos que viviam na então colônia. O impulso libertário chegava da Europa por meio de reuniões em lojas maçônicas, como o Areópago de Itambé, a primeira do Brasil, fundada em 1796 nessa cidade da Mata Norte. No ano anterior à revolução, Pernambuco já contava com cinco dessas assembleias.
Se as ideias liberais criaram raízes, o almejado apoio internacional à rebelião não passou de esperança. A expectativa de reconhecimento pelos Estados Unidos se frustrou e a ambição de libertar Napoleão Bonaparte da Ilha de Santa Helena, na costa da África, para liderar a Revolução de 1817 jamais foi concretizada.
Apesar da curta duração (menos de três meses) e do caráter regional – abarcando, ainda, as províncias da Paraíba e do Rio Grande do Norte –; o movimento contribuiu para o processo de independência nacional, concluído cerca de cinco anos depois. Como punição pela revolta, Pernambuco perdeu territórios que atualmente compõem os Estados de Alagoas e do Rio Grande do Norte.
Contexto – Com cerca de 450 mil habitantes, Pernambuco possuía a terceira maior população do País na época, superado apenas por Minas Gerais e Bahia. Na esfera econômica, os 350 engenhos de cana de açúcar perdiam protagonismo para mais de 500 fazendas produtoras de gado e, principalmente, de algodão, cultura bem adaptada à Mata Norte e valorizada a partir da Revolução Industrial. Consequência da presença da Família Real no Brasil, a abertura dos portos trouxe nova dinâmica ao comércio de matéria prima para o setor têxtil, que passou a ser realizado sem intermediação da metrópole. O cenário impactou na política, historicamente controlada pela elite açucareira da Mata Sul. Como reflexo das disputas do período, cana e algodão estão representados no brasão do Estado.
Seminário de Olinda – Estabelecido, em 1800, pelo bispo Azeredo Coutinho, no local que abrigava o Real Colégio de Olinda desde o século 16, foi considerado uma das melhores escolas do Brasil. O historiador Capistrano de Abreu chegou a dizer que, sem a iniciativa de Coutinho, não teria surgido a geração idealista de 1817. Ajudou a formar intelectuais e revolucionários, os quais, sob influência do catolicismo, escreviam nos muros frases como “Viva a pátria e viva a religião católica! Viva Nossa Senhora e morram os aristocratas”.
Padre João Ribeiro – Professor de desenho do Seminário e um dos principais líderes de 1817. Nascido em Tracunhaém (Mata Norte), o religioso estudou na Europa na época da Revolução Francesa. Ao voltar para o Brasil, tornou-se um dos ideólogos da Revolução dos Padres. Com a derrota do movimento, tirou a própria vida. Para intimidar novos levantes, teve o crânio exposto em praça pública.
Areópago de Itambé – Sociedade secreta que se reunia em espaços chamados de lojas, a Maçonaria foi um dos canais por onde as ideias republicanas entraram no Brasil. Fundada pelo padre carmelita Manuel Arruda da Câmara no fim do século 18, a primeira loja maçônica do Brasil foi o Areópago de Itambé, localizada em município de mesmo nome. A palavra areópago significa tribunal ou assembleia. E era assim que ele funcionava: como um espaço para a discussão dos princípios de liberdade que começavam a circular no mundo.
6 de março – Com a tomada do poder pelos revolucionários em 6 de março de 1817, o governador de Pernambuco, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, refugiou-se no Forte do Brum e, em seguida, foi deportado para o Rio de Janeiro. Entre os integrantes do movimento revolucionário, formou-se um um governo provisório composto por: Padre João Ribeiro, representando o clero; capitão Domingos Theotonio, os militares; advogado José Luiz de Mendonça, os profissionais liberais; coronel Manuel Corrêa de Araújo, a agricultura; e Domingos José Martins, os comerciantes.
Domingos José Martins – Apesar de ter nascido no Espírito Santo, atuou no movimento de 1817. Comerciante, fez negócios na Bahia, em Lisboa e em Londres, onde conheceu as ideias iluministas. Considerado um dos líderes da Revolução, foi preso e fuzilado na Bahia. Uma rua no Bairro do Recife, próxima à Praça do Arsenal, homenageia Domingos.
Apoios internacionais – A Revolução Francesa de 1789 e a Independência dos Estados Unidos em 1776 foram as principais inspirações dos rebeldes pernambucanos. Por esse motivo, eles buscaram ajuda dessas nações para a causa. Os Estados Unidos já tinham, desde 1815, um consulado em Pernambuco, o primeiro do Brasil. Em 1817, o cônsul americano Joseph Ray apoiou a causa da Revolução, abrigou insurgentes em sua residência e deu suporte à viagem do embaixador Cruz Cabugá à América do Norte.
Cruz Cabugá – Antônio Gonçalves da Cruz, o Cabugá, era um comerciante. A ele coube a tarefa de buscar suporte internacional à Revolução. Viajou aos Estados Unidos para conseguir reconhecimento, armas e apoio dos franceses emigrados para a América do Norte após a derrota de Napoleão, mas o plano fracassou, e Cabugá não voltou a viver no Brasil.
Consequências – A pedido de Dom João VI, o Conde dos Arcos comandou as tropas portuguesas na repressão ao movimento de 1817. Pernambuco foi cercado por terra e mar. E, mesmo dentro da província, havia resistência aos revolucionários, notadamente do setor canavieiro da Mata Sul. Presos políticos foram levados ao Forte das Cinco Pontas e a outros Estados; muitos foram enforcados e baleados com arcabuzes (arma de fogo mais primitiva utilizada na época), outros tiraram a própria vida. A capitania perdeu parte do território, mas os ideais da revolução permaneceram vivos, voltando a eclodir em 1824, na Confederação do Equador.
Data Magna – Desde 2007, a Revolução Pernambucana é reconhecida como Data Magna do Estado, estabelecida por meio da Lei nº 13.386/2007, de iniciativa da deputada Terezinha Nunes (PSDB).
Ao longo de 2017, eventos culturais vão lembrar a história da Revolução Pernambucana. Saiba mais: