Rapidez e segurança são trunfos do voto eletrônico num país continental

Em 09/09/2022
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Muito antes de o primeiro computador pessoal ser lançado, nos anos 1970, a urna eletrônica já existia como uma ideia na cabeça dos brasileiros. O primeiro Código Eleitoral, de 1932, já fala do “uso das máquinas de votar”, quando elas nem haviam sido ainda inventadas. Após uma série de protótipos testados nos anos seguintes, elas foram efetivamente implantadas a partir de 1996. Hoje, são o componente mais conhecido de um sistema de votação 100% informatizado e reconhecidamente seguro, confiável e auditável. Nas 11 eleições realizadas nos últimos 22 anos, todos os votos são registrados, contabilizados e totalizados sem intervenção humana, o que diminuiu bastante o risco de fraudes.

Mas nem sempre foi assim. Durante o Império e a República Velha, as fraudes eram comuns nas diversas etapas do processo eleitoral. A professora de Direito da UFPE, Carina Barbosa Gouvêa, observa que graves ocorrências durante os anos 1990 deram o impulso para a adoção do processo eletrônico no Brasil.

“Em 1990, por exemplo, em Alagoas, houve uma eleição suplementar, após os votos de 117 urnas de Maceió e de outros cinco municípios serem anulados. Na capital, as fraudes ocorreram a partir da transformação de votos brancos e nulos em votos válidos e da alteração dos boletins de votação. No interior do estado, as urnas já chegaram aos locais de votação com votos previamente preenchidos. Em 1994, nas eleições do Rio de Janeiro, o TRE do estado decidiu anular o pleito para deputados federais e estaduais diante das irregularidades identificadas na eleição feita em cédula de papel. Em 1998, o TRE já havia apontado três fraudes em três zonas eleitorais do Rio de Janeiro para beneficiar candidatos à Câmara da capital”.

A urna eletrônica que usamos hoje foi concebida entre os anos de 1995 e 1996, por um grupo de trabalho que reuniu não apenas a Justiça Eleitoral, mas também as Forças Armadas, ministérios, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. As eleições municipais de 2000 foram as primeiras em que todos  eleitores votaram usando a urna eletrônica. Foi o fim das mesas de contagem, quando a totalização dos votos poderia demorar dois ou bem mais dias para ser concluída. E, desde então, o resultado passou a ser proclamado poucas horas após o encerramento da votação.

O secretário de Tecnologia da Informação e Comunicação do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, George Maciel, destaca que todo o sistema informatizado usado nas eleições pode ser fiscalizado e auditado em mais de uma dezena de eventos públicos realizados em diferentes momentos.

A gente tem vários mecanismos de auditoria antes da eleição, durante a eleição e posterior à eleição. As urnas continuam lacradas até o trânsito em julgado da eleição. Essas urnas podem, se houver alguma contestação, ser inspecionadas e, nessa inspeção, é possível ver os softwares que estão utilizando, que são softwares oficiais, etc. A gente não formata a urna, não apaga o conteúdo até que a eleição transite em julgado”.

Para as eleições deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral aprovou ainda uma resolução que atualizou os procedimentos de fiscalização e auditoria. Entre as entidades que podem participar de todas as etapas do processo, estão a OAB, a Polícia Federal, universidades e as Forças Armadas. Essas instituições poderão desenvolver, inclusive, programas próprios de verificação de integridade e autenticidade dos sistemas eleitorais.

Este ano haverá, ainda, um número maior de urnas submetidas ao teste de integridade, que é uma espécie de votação paralela, em papel. Em Pernambuco, serão 27 urnas testadas. Além disso, haverá o uso de um robô, o que é inédito no país e vai levar a mais inovações, como explica Maciel.

O robô fará o reconhecimento da cédula manual usando inteligência artificial profunda, e fará a digitação na urna. A gente vai pegar a votação manual, vai mostrar para o robô e ele digita na urna, não haverá intervenção humana. Essa tecnologia usada para fazer o robô vai possibilitar outras inovações, mas ainda não para esta eleição. Inovações do tipo: uma pessoa com mobilidade reduzida, que só mexe a cabeça, vai conseguir, ou pelo movimento dos olhos, ou pelo movimento da cabeça, operar o robô com sigilo, sem precisar de nenhum assistente”.

Nos últimos 20 anos, três leis federais buscaram, sem sucesso, restabelecer o voto impresso. A primeira delas, de 2002, foi revogada após uma experiência realizada com sete milhões de eleitores, na qual foram constatados transtornos como aumento de filas, atrasos na votação, falhas nas impressoras e maior percentual de urnas com defeito. Outras duas, de 2009 e 2015, foram declaradas inconstitucionais pelo STF, por colocarem em risco o sigilo e a liberdade do voto. Em agosto de 2021, a Câmara dos Deputados rejeitou uma Proposta de Emenda à Constituição  com esta mesma finalidade.

Além disso, o Tribunal Superior Eleitoral se manifestou sobre o tema, elencando três grandes inconvenientes do voto impresso, como explica Carina Gouvêa.

O primeiro é que tem mais chances de ser fraudado que o voto eletrônico, já que pessoas manusearão os papeis. O segundo é que, a cada dois anos, será necessário montar um grande esquema logístico para garantir o transporte e o armazenamento seguro dos votos dos 148 milhões de eleitores brasileiros e, o terceiro, é o risco de judicialização das eleições. Isso significa que candidatos derrotados poderão alegar fraude na votação eletrônica e pedir a contagem dos votos impressos apenas para pôr em dúvida a legitimidade da vitória dos adversários e, assim, fragiliza-los politicamente. Na época do voto em cédulas de papel, isso era muito comum. Só no Rio Grande do Sul, por exemplo, foram apresentados mais de 8 mil recursos à Justiça Eleitoral nas eleições de 1994”.

Citando o exemplo de Pernambuco, onde as eleições mobilizam 7 milhões de eleitores e mais de 20 mil urnas eletrônicas, George Maciel expõe a vantagem do sistema informatizado de votação, não só para a segurança, mas também para a logística do processo eleitoral.

“A gente tem um país continental, com mais de 550 mil urnas. Só aqui em Pernambuco, o contingente de voluntários que a gente utiliza é de mais de 80 mil pessoas, são mais de 80 mil mesários. Imagine que agora você precisasse de mais um contingente como este para a contagem. Isso gera uma série de fragilidades. A votação passou a ser eletrônica justamente para tirar a intervenção manual, onde ocorriam as fraudes”.

Você ouve as demais reportagens da série sobre as eleições no site www.alepe.pe.gov.br ou no perfil da Rádio Alepe nos principais tocadores de podcast.