O anúncio da decisão de derrubar um muro construído irregularmente ao longo de quase 600 metros da praia de Maracaípe, em Ipojuca, na Região Metropolitana, foi comemorado em audiência pública realizada pela Comissão de Cidadania da Alepe, nesta quinta. O evento teve a participação de trabalhadores que atuam historicamente no local, como barraqueiros, jangadeiros, marisqueiros e pescadores artesanais.
De acordo com os relatos, o muro de troncos de coqueiro, construído pela família Fragoso – que é proprietária de uma área do Pontal de Maracaípe – impede o livre trânsito não apenas dos trabalhadores, mas também de moradores, banhistas e surfistas. A marisqueira Helena Ivalda, que trabalha há décadas no manguezal, denunciou que as pessoas estão sendo vigiadas por câmeras de segurança como forma de intimidação. “É assustador, pra mim como pescadora, que eu trabalho nessa região desde os 11 anos de idade, e hoje eu chegar nesse território e não poder mais pescar porque eles têm uma câmera me fazendo medo. Eu, pescadora e moradora daquele território, não aceito. Eu não aceito e não admito, porque é dali que eu tiro o sustento dos meus filhos.”
Já a barraqueira Ana Paula Rocha denunciou as perseguições aos trabalhadores. O marido dela chegou a passar 120 dias usando uma tornozeleira eletrônica e sem poder trabalhar, por causa de uma ação judicial movida pelos Fragoso em retaliação a denúncias feitas por ele. Ela fez um apelo para que a Prefeitura ajude os trabalhadores locais. “Eu só não entendo por que a Prefeitura não escuta a gente, por que a Prefeitura é omissa. Porque a Prefeitura sabe de tudo que está acontecendo no Pontal de Maracaípe, a Prefeitura sabe que tem aqueles muros, a Prefeitura sabe que tem muita coisa ilegal.”
Para a representante do Centro Popular de Direitos Humanos, Jennypher Santos, as perseguições configuram assédio judicial. Ela ressaltou que existem inúmeros processos com mesmo teor e tema, com finalidade de intimidar e criminalizar lideranças. Já o secretário de Meio Ambiente do município de Ipojuca, Erivelto Lacerda, ressaltou que a Prefeitura apenas cumpriu com determinações judiciais. Ele se comprometeu a receber os barraqueiros para ouvir as demandas e buscar soluções.
A questão ambiental também foi levantada. A mestranda em Biodiversidade e Conservação da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Flávia Ribeiro, ressaltou que as restingas são áreas de preservação permanente e questionou a liberação de licenças para construções nas praias de Ipojuca. Ela enfatizou que há impactos, inclusive, no processo de desova de tartarugas marinhas e na vegetação. “Eles retiram a vegetação de restinga, colocam cerca e ainda colocam vegetação exótica, com grama exótica, com cacto exótico, plantas que não são da área marinha.”
Representantes do Ibama e da Superintendência do Patrimônio da União confirmaram que a construção do muro apresenta irregularidades. Em relação à extensão da barreira, havia autorização para construir 250 metros de muro, mas foram feitos 576 metros. Também foi constatada uma invasão de área de praia para além do lote regular da propriedade.
O diretor-presidente do CPRH, a Agência Estadual de Meio Ambiente, José Anchieta dos Santos, anunciou o cancelamento da autorização que havia sido emitida pelo órgão em 2022. “A autorização está cancelada e ele vai ser notificado amanhã para, dentro de dez dias tirar o muro.” Ele acrescentou que todas as câmeras vão ser confiscadas e que a ação vai ser feita em conjunto com as polícias civil, militar e federal. Anchieta ressaltou que a medida conta com o apoio da governadora Raquel Lyra e da vice-governadora Priscila Krause.
Autora do requerimento da audiência pública, a deputada Rosa Amorim, do PT, comemorou a decisão. “Muitas das leis são as lutas institucionalizadas; e as conquistas, elas são as lutas gritadas. E pra dizer que vocês não estão sozinhos: vão pra casa sem medo. Para que a gente possa destruir os muros de Maracaípe e construir uma praia para todo mundo.”
A presidente da Comissão de Cidadania, Dani Portela, do PSOL, esteve presente e também celebrou a conquista do movimento. A reunião completa está disponível no canal da TV Alepe no Youtube.