
TRANSPARÊNCIA – “Não houve a devida consulta prévia à população, que é dever do Poder Público”, criticou Vitor Santos. Foto: Evane Manço
O anúncio de que Pernambuco deverá sediar um terminal de minério de ferro na Ilha de Cocaia (Litoral Sul) foi discutido em audiência pública remota da Comissão de Cidadania da Alepe nesta sexta (16). O empreendimento para armazenar esse tipo de material no Complexo Industrial Portuário de Suape despertou, contudo, a preocupação de parlamentares e de comunidades tradicionais de pescadores com possíveis impactos ambientais e sociais.
A região de 51,8 hectares arrendada à Bemisa Brasil Operação Mineral S.A.concentra vasta área de manguezal, da qual mais de 300 famílias tiram sustento por meio da pesca artesanal. Na negociação com o Governo do Estado para a utilização do terreno, o grupo compromete-se a concluir o traçado da ferrovia Transnordestina até o Porto de Suape.
Representante da Associação Fórum Suape Espaço Socioambiental, Vitor Santos enfatizou que faltam “informações qualificadas sobre o projeto”. “Ficamos sabendo do terminal por meio de notícias da mídia. Não houve a devida consulta prévia à população, que é dever do Poder Público”, criticou. Diante disso, a entidade que ele integra se juntou a outras instituições para acionar o Ministério Público Federal (MPF), que instaurou inquérito civil público para esclarecer a questão.
A procuradora federal Ana Fabíola de Azevedo explicou que, logo após ter iniciado o procedimento investigatório, buscou informações tanto a respeito do terminal de minérios quanto da ferrovia. De acordo com ela, o Governo Federal confirmou que há “um processo para a alteração das poligonais da região portuária”. Na prática, conforme prevê a Lei nº 12.815/2013, esses limites significam a representação em mapa, carta ou planta da área física do porto organizado.

APURAÇÃO – Procuradora federal Ana Fabíola de Azevedo fez consultas à União, à empresa responsável pelo projeto e ao Porto de Suape. Foto: Evane Manço
“A Bemisa também foi consultada. A empresa disse que ainda não havia concessão ou outorga relativa ao terminal de minério na Ilha de Cocaia, a qual dependia de decisão do Governo de Pernambuco. Mas confirmou as informações da gestão federal sobre a autorização para explorar o transporte ferroviário entre o estado do Piauí e o município de Ipojuca (onde fica Suape)”, afirmou.
O Complexo Portuário, por sua vez, informou ao MPF que “a modificação poligonal não seria muito significativa, já que estava prevista em planejamento antigo e atingiria apenas o lado sul da Ilha de Cocaia – onde não é permitida a pesca”. “Com relação às licenças ambientais, declararam não haver nada em andamento, por não existir ainda o projeto e sim uma proposta de arrendamento de uma área. Entretanto, a CPRH (Agência Estadual de Meio Ambiente) disse algo diferente: já existe licença para instalação de terminal de granéis sólidos em Cocaia desde 2011″, frisou Azevedo.
Governo do Estado

CUIDADO – “Beleza cênica do manguezal está inserida na preservação histórico-cultural da área”, frisou a gerente da Semas Andrea Olinto. Foto: Evane Manço
O coordenador de Monitoramento e Licenciamento Ambiental de Suape, Rodrigo Xavier, observou que o licenciamento citado pelo CPRH “era destinado apenas a um cais e não tem relação direta com o projeto do terminal”. “A instalação desse novo empreendimento está sendo estudada. O que gostaria de acrescentar é que, atualmente, a condição contratual prevê investimento e construção a cargo da empresa (Bemisa) dentro de até oito anos”, observou o gestor.
A administração estadual salientou, ainda, que o Governo visa “ao máximo conciliar o desenvolvimento com a preservação do patrimônio ambiental, cultural, histórico e arqueológico”. “O próprio plano diretor de Suape prevê que a beleza cênica do manguezal está inserida também na preservação histórico-cultural da área”, acrescentou a gerente de Política Costeira da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Andrea Olinto.
Impactos ambientais e sociais
Pescadora da região da Ilha de Cocaia, Edriana Maria relatou que, na prática, não houve o devido cuidado com a preservação do ecossistema. “Todo dia, no final da tarde, depois de quase um dia inteiro de pesca, voltamos para casa com menos de dois quilos de sururu. Sofro porque cresci no meio da pesca e não sei fazer outra coisa. Hoje, a gente só encontra peixe morto e marisco”, contou. “Peço que as autoridades pensem nos pescadores. Nossos manguezais são as coisas mais lindas que temos”, clamou.

SUBSISTÊNCIA – “Peço que as autoridades pensem nos pescadores. Nossos manguezais são as coisas mais lindas que temos”, clamou Edriana Maria. Foto: Evane Manço
“Tenho mais de 20 anos de estudos em comunidades pesqueiras. Temos de aprender com os prejuízos trazidos pelo Porto. Mais de 70% do que se pescava não existe mais. Ou a gente corrige os erros do passado ou vai fertilizar novos equívocos e racismos ambientais”, condenou o coordenador do Núcleo de Estudos Humanidades, Mares e Rios, Cristiano Ramalho. “Os governos acentuam o processo histórico de vulnerabilização desses grupos étnicos. É preciso denunciar essas violações”, acrescentou Ornela Fortes, do Conselho Pastoral dos Pescadores.
Encaminhamentos
A presidente da Comissão de Cidadania, deputada Jô Cavalcanti – titular do mandato coletivo Juntas (PSOL) –, comunicou que encaminhará um documento à CPRH solicitando que a população da Ilha de Cocaia seja ouvida sobre a implantação do terminal de minério de ferro. A consulta está prevista na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre povos indígenas e tribais, a qual foi ratificada pelo governo brasileiro.

MEDIDAS – “Pediremos que a gestão de Suape e da Bemisa liberem uma cópia do projeto”, anunciou a presidente da Comissão de Cidadania, Jô Cavalcanti. Foto: Evane Manço
“Pediremos, ainda, que a gestão de Suape e da Bemisa liberem uma cópia do projeto. Queremos que nos enviem também uma nota técnica com parecer da assessoria jurídica que embase a possibilidade de contratação direta entre o Governo de Pernambuco e a empresa”, anunciou a parlamentar. O deputado João Paulo (PT) também participou da audiência pública e parabenizou o colegiado pelo debate promovido.
Além das entidades mencionadas, a Associação de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Cabo de Santo Agostinho, a Colônia dos Pescadores Z8 do Cabo e a ONG Onda Limpa para Gerações Futuras também se manifestaram sobre o assunto.
Veja a íntegra da audiência pública: