André Zahar
O eleitor brasileiro tem um compromisso marcado para o dia 2 de outubro deste ano. Nessa data, cidadãos e cidadãs aptos a votar deverão indicar quem deve representá-los na Presidência da República, no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, além do Governo e da Assembleia Legislativa de seu Estado.
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Como naquela antiga propaganda de xampu, o processo da votação continua o mesmo, mas as regras eleitorais… Quanta diferença! Recentemente, o Congresso Nacional promulgou uma Reforma Eleitoral ( Emenda Constitucional nº 111/2021), com mudanças que serão aplicadas já neste ano. Outras duas leis também de 2021 – nº 14.211 e nº 14.208 – trouxeram novidades, respectivamente, no que diz respeito a coligações e federações de partidos políticos.
Em dezembro passado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou as resoluções que vão disciplinar o próximo pleito. E alguns especialistas enfatizam que decisões recentes dessa Corte vêm dando pistas de como a Justiça deverá atuar.

AFUNILAMENTO – Walber Agra acredita que nova legislação pode reduzir número de partidos no Congresso. Foto: Roberta Guimarães
Para entender esse novo cenário, a Alepe convidou, em março, o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Walber Agra, que é advogado especialista em Direito Eleitoral, para falar em um seminário promovido pela Escola do Legislativo (Elepe).
Na avaliação dele, as mudanças nas regras devem provocar um “afunilamento” no número de partidos com representação no Congresso Nacional. “Atualmente, são 23. Espera-se que essa quantidade caia para 15 ou menos na próxima eleição e, em 2030, restem cerca de 10 legendas importantes, o que é salutar para a democracia”, vaticina. “As agremiações que não atingirem a cláusula, na prática perdem a existência, porque não vão ter fundo partidário e eleitoral e nem estrutura parlamentar”, complementa.
Nesta reportagem, a segunda da série especial Eleições 2022, entrevistamos ainda o economista e estatístico Maurício Costa Romão. O professor com experiência no setor público nacional e em organismos internacionais é autor de livros como A Dinâmica Eleitoral no Brasil: Fórmulas, Competição e Pesquisas e Eleições de Deputados e Vereadores: Compreendendo o Sistema em Uso no Brasil.
Confira a análise dos especialistas:
Coligações
As alianças partidárias em eleições proporcionais estão vetadas desde as eleições de 2020. Com isso, na prática, uma legenda não pode se juntar com outra para, somando votos, alcançar cadeiras na Assembleia Legislativa ou na Câmara dos Deputados. Uma dessas táticas eleitorais era popularmente conhecida como “chapinha” (ver quadro).

CHAPINHA – Para Maurício Romão, coligações eram “a maior aberração” do sistema eleitoral brasileiro. Foto: Jarbas Araújo
Para Maurício Romão, as coligações eram “a maior aberração” do sistema eleitoral brasileiro. Segundo ele, essa forma de aliança partidária distorcia os votos em cada legenda e a vontade dos eleitores, pois podia beneficiar políticos sem afinidade ideológica com aqueles que os elegiam.
Conforme a análise do professor Walber Agra, a impossibilidade de coligações aumentará o número de votos válidos que um partido ou federação precisará alcançar sozinho para garantir vagas.
A Lei 14.211 facultou, porém, às legendas celebrarem coligações nas campanhas eleitorais majoritárias – para presidente, governador, prefeito ou senador. Isso impacta na distribuição do tempo de propaganda eleitoral de rádio e TV, mas não na totalização dos votos.
Federações
Se, por um lado, as coligações nas eleições proporcionais estão fora das regras do jogo, por outro, dois ou mais partidos poderão se unir em uma federação registrada perante o TSE (ver quadro). Com isso, na prática, passam a atuar como um só por, no mínimo, quatro anos.
A federação terá abrangência nacional e se aplicará a tudo que envolve as eleições, como recursos de campanhas, propaganda eleitoral, obtenção de cadeiras e convocação de suplentes. O partido que se desligar da aliança antes dos quatro anos sofrerá punições: ficará impedido de ingressar em federação, de celebrar coligação nas duas eleições seguintes e de utilizar o fundo partidário até completar o prazo remanescente.
Embora haja diferenças entre as coligações e federações, Romão considera esta nova forma de aliança “um drible” criado por legendas que perderiam recursos do fundo eleitoral se não cumprissem a cláusula de barreira e por parlamentares que não teriam condições de se reeleger sozinhos.
Agra pontua que “ter partidos em demasia é muito ruim para a democracia” e as federações podem ser uma forma de mudar esse quadro. Entretanto, antecipa que esse caminho retira parte da autonomia das agremiações inclusive para montar chapas de candidatos, e pode esbarrar em questões regionais.
O especialista também sublinha a falta de jurisprudência do TSE sobre o tema: “Hoje a federação é um cheque em branco, porque ainda não há nenhum tipo de decisão da Justiça”, observa.
Ficha limpa
A Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135/2010) estabelece que condenados por órgãos colegiados, como tribunais de segunda instância, ou cujo processo tenha transitado em julgado, sem possibilidade de recursos, ficam inelegíveis por oito anos, após o cumprimento da pena.
Danos causados por imprudência, imperícia ou negligência não configuram improbidade administrativa, conforme alterações na Lei nº 8.429 aprovadas em 2021.
Em dezembro de 2020, porém, uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes encurtou o prazo da punição, que, para ele, já deveria começar a contar no momento da condenação por tribunal colegiado. O TSE ainda aguarda o Plenário do STF dar a palavra final sobre o tema antes de julgar processos relacionados.
Walber Agra destaca que, em 2021, também foram aprovadas mudanças na Lei de Improbidade Administrativa ( Lei nº 8.429/1992), cuja violação pode tornar um candidato “ficha suja”. A principal delas é a exigência de dolo (intenção) para que os agentes públicos sejam responsabilizados pelos atos ilegais ou contrários aos princípios básicos da Administração Pública. Ou seja: danos causados por imprudência, imperícia ou negligência não mais configuram improbidade.
Cláusula de barreira
Criada em 2017 pelo Congresso Nacional e aplicada a partir de 2019, a cláusula de desempenho (ou de barreira) estabelece regras para acesso ao fundo partidário e ao tempo de TV. Ela tem exigências gradativas, cada vez mais rígidas, de acordo com a votação obtida para a Câmara Federal ou conforme o número de eleitos:
Traduzindo: neste ano, para superar a cláusula, os partidos precisarão ter pelo menos 2% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados (superando 1% em, pelo menos, nove Estados) ou eleger 11 parlamentares por nove ou mais Estados.
O economista Maurício Romão explica que a cláusula de barreira foi criada para garantir que as legendas com representação no Congresso tenham abrangência em todo o País. “Se um partido alcançasse os 2% de votos válidos para a Câmara este ano apenas com o resultado obtido em São Paulo, seria um partido paulista e não nacional”, exemplifica.
Urna eletrônica e fake news
Uma resolução do TSE proibiu a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral. O documento cita explicitamente aqueles que atrapalharem os processos de votação, apuração e totalização de votos.
O professor Walber Agra aponta como uma sinalização importante da Corte Eleitoral a cassação do mandato de um deputado estadual eleito pelo Paraná que divulgou notícias falsas contra o sistema eletrônico de votação.
O Tribunal fez, ainda, uma norma consolidando os mecanismos para fiscalização e a auditoria deste sistema. A resolução também cita as entidades fiscalizadoras – públicas e da sociedade civil – que poderão participar das etapas do processo de fiscalização. Entre elas, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Polícia Federal, as universidades e as Forças Armadas.
O TSE também vetou o disparo em massa de mensagens instantâneas por aplicativos de mensagens sem consentimento do destinatário e a contratação desse tipo de serviço.

INTEGRIDADE – Resolução proíbe divulgação de informações falsas sobre sistema de votação. Foto: Antônio Augusto/Ascom TSE
Raça e gênero
Com o fim das coligações, cada partido ou federação deve indicar em 2022 pelo menos 30% de candidatas do sexo feminino para concorrer para a Câmara dos Deputados e assembleias legislativas. Antes, o percentual mínimo para a indicação de mulheres, previsto na Lei das Eleições, era por coligação.
Recursos do fundo eleitoral e tempo de propaganda devem ser repartidos proporcionalmente entre candidatos dos dois sexos.
Conforme Resolução do TSE, os recursos do fundo eleitoral e o tempo de propaganda de rádio e TV não podem se concentrar nas candidaturas masculinas, devendo ser repartidos proporcionalmente entre candidatos dos dois sexos. E, dentro de cada um desses universos, é preciso haver paridade nos recursos para candidatos negros e brancos.
A EC 111, por sua vez, estabeleceu que, para fins de distribuição entre os partidos políticos dos recursos do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados nas eleições de 2022 a 2030 serão contados em dobro.
Reconhecendo as medidas como interessantes, Agra alerta, no entanto, para o risco de burlas por candidatos brancos que se autodeclararem pardos. Ele também sublinha a importância de candidatos beneficiados por essa distribuição de recursos contarem com o apoio de profissionais habilitados para geri-los e cuidar das prestações de contas.
Violência psicológica contra a mulher
Duas normas federais relacionadas a questões de gênero aprovadas em 2021 também devem receber atenção especial durante a campanha eleitoral deste ano. A Lei nº 14.192 trata da violência política contra a mulher durante as eleições e no exercício de direitos políticos e de funções públicas. Ela alterou o Código Eleitoral para proibir a propaganda partidária que deprecie a condição de mulher ou estimule discriminação relacionada ao sexo feminino, à sua cor, à raça ou à etnia.
Já a Lei nº 14.188 incluiu no Código Penal o crime de violência psicológica contra a mulher, com pena de reclusão, entre seis meses e dois anos, além de pagamento de multa. Esses são pontos aos quais os partidos e políticos devem estar atentos, para evitar derrotas em ações não só eleitorais, mas penais.

ESTADUAL – Alepe aprovou, em 2021, o Estatuto da Mulher Parlamentar e Ocupante de Cargo Público. Foto: Roberto Soares
Também a Alepe aprovou, em âmbito local, o Estatuto da Mulher Parlamentar e Ocupante de Cargo ou Emprego Público, a partir de projetos de iniciativa das deputadas Teresa Leitão (PT) e Delegada Gleide Ângelo (PSB). A norma veta qualquer forma de pressão, perseguição, ameaça ou agressão, inclusive por meio das redes sociais, com o objetivo de limitar a atuação feminina ou forçar a realização de ações contra a vontade delas.
A lei estadual também mira a imposição de atividades sem relação com as funções exercidas, a divulgação de informações pessoais e o impedimento de falar e votar em igualdade de condições com os homens. Proíbe, ainda, discriminações relacionadas à aparência física, vestimenta, apelido, entre outras. As punições previstas incluem multa variando de R$ 5 mil a R$ 50 mil para agentes privados, além de proibição de contratar com o Poder Público ou obter subvenções.
Veja outras novidades para as eleições deste ano:
Distribuição do fundo eleitoral
O fundo eleitoral, destinado ao financiamento público das eleições, deve ser de R$ 4,9 bilhões em 2022. Independentemente da eventual união das legendas em federações, os repasses continuarão sendo feitos aos diretórios nacionais de cada partido. Verbas não utilizadas deverão ser devolvidas ao Tesouro Nacional.
Arrecadação de recursos
Outra novidade regulamentada pelo TSE é a possibilidade de receber recursos por meio do Pix, devendo a chave para identificação ser sempre o CPF ou o CNPJ. “Showmícios” seguem proibidos, mas apresentações artísticas e espetáculos musicais em eventos de arrecadação de recursos estão liberados.
Fidelidade partidária
Com a reforma eleitoral, a fidelidade partidária passa a constar na Constituição Brasileira. Deputados federais, estaduais e distritais e vereadores que saírem do partido pelo qual tenham sido eleitos só não perderão o mandato se a legenda concordar com a saída ou houver uma justa causa estabelecida em lei.
Consultas populares
A Emenda 111 determina a realização de consultas populares sobre questões locais junto com as eleições municipais. Essas consultas terão que ser aprovadas pelas câmaras municipais e encaminhadas à Justiça Eleitoral até 90 dias antes da data das eleições. O professor Walber Agra acredita que a medida deve ter pouco impacto, já que “outros instrumentos de participação popular já previstos na Constituição Federal de 1988 tampouco recebem a devida atenção”.
Candidaturas coletivas
Embora o conceito de candidatura coletiva não exista na legislação brasileira, uma resolução do TSE permite que os nomes de urna dos candidatos ou candidatas citem o grupo ou coletivo de apoiadores.
Propaganda partidária
Extinta desde 2017, foi restabelecida pela Lei nº 14.291/2022. Tem como finalidade divulgar a ideologia, os programas e os projetos dos partidos, não podendo ser utilizada para promover pré-candidatos. Em anos eleitorais, será exibida somente no primeiro semestre, antes das convenções para escolha de candidaturas. Do tempo total disponível para cada agremiação, no mínimo 30% deverão ser destinados à promoção e à difusão da participação política das mulheres.
Cerimônias de posse
A partir de 2027, presidentes da República eleitos tomarão posse no dia 5 de janeiro e os governadores no dia 6. Hoje ambos são empossados em 1º de janeiro. A mudança também foi estabelecida na EC 111.
Imagens em destaque: Antônio Augusto/Ascom TSE (home e página de Notícias Especiais)
Infografia: Brenda Barros (Scom/Alepe)