Especialistas da Fiocruz abordam evidências científicas para tratamento da Covid-19

Em 20/05/2020 - 21:05
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TRATAMENTO – Em reunião da Comissão de Saúde, Paulo Sérgio Ramos criticou recomendação do uso da cloroquina pelo MS: “Muito preocupante”. Foto: Reprodução/ Roberta Guimarães

Questões dos parlamentares a respeito de tratamentos e protocolos de prevenção referentes ao novo coronavírus foram respondidas, nesta quarta (20), por dois especialistas do Instituto Aggeu Magalhães/Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Pernambuco. Os pesquisadores participaram da reunião virtual da Comissão de Saúde da Alepe. Segundo eles, faltam evidências científicas fortes para qualquer remédio, e o uso de algumas substâncias – entre elas, a hidroxicloroquina – não é recomendado por sociedades médicas do Brasil e dos Estados Unidos.  

O médico Paulo Sérgio Ramos, que também é chefe do setor de Infectologia do Hospital das Clínicas (HC), criticou a recomendação do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina pelo Ministério da Saúde (MS), divulgada hoje. “Para a surpresa de toda a comunidade científica, o órgão indicou o medicamento não só em hospitais, mas em ambiente ambulatorial, para casos leves. Isso é muito preocupante”, acredita. “Apesar de essas substâncias serem empregadas há mais de 80 anos para tratar malária, lúpus e artrite, não são isentas de risco.”

“Todo médico infectologista tem um ou mais casos para contar de pacientes sem histórico de problema cardíaco que tomavam hidroxicloroquina em hospitais e tiveram morte súbita. No grupo de 130 infectologistas de que faço parte, e é a referência no Estado, nenhum deles prescreveu esses remédios para a Covid-19”, prosseguiu Ramos. De acordo com o médico, o acompanhamento e o pronto atendimento dos pacientes, principalmente em UTIs, é a melhor abordagem no momento.

RISCO – Lindomar Pena considerou risco comportamental. “Propagação ilusória da eficácia pode fazer com que as pessoas saiam às ruas”, acredita. Foto: Reprodução/Roberta Guimarães

O especialista em virologia Lindomar Pena, por sua vez, destacou documento elaborado por três entidades médicas (Associação de Medicina Intensiva Brasileira, Sociedade Brasileira de Infectologia e Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia) sobre os tratamentos disponíveis para a Covid-19. “Elas são contra o uso rotineiro da cloroquina e da hidroxicloroquina, tanto isoladas como associadas à azitromicina, pois não há evidência científica concreta de benefícios”, ressaltou. Os organismos também não recomendam outros remédios, como o lopinavir/ritonavir. 

O pesquisador da Fiocruz Pernambuco informou, ainda, que o uso de cloroquina e hidroxicloroquina também não foi indicado pelo National Institutes of Health (NIH), agência governamental de pesquisa do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. Além das considerações técnicas, Pena lembrou que há um risco comportamental na orientação do MS: “A propagação ilusória de que seriam eficazes pode fazer com que as pessoas saiam às ruas”.

Para ele, há linhas de pesquisas mais promissoras de tratamento que deveriam ser avaliadas, como a utilização do plasma de pessoas que já foram infectadas pelo vírus. “Tem sido eficiente para outras doenças e não apresenta muitos efeitos colaterais. Ainda não há estudos bem controlados para esse tratamento, mas alguns resultados foram promissores”, frisou. “Tendo uma empresa como a Hemobrás em Pernambuco, essa é uma opção para a qual deveríamos nos mobilizar a fim de termos disponível”, sugeriu.

Pena registrou que a equipe da Fiocruz Pernambuco conseguiu desenvolver testes para o vírus da zika por apenas R$ 1 a unidade. “Temos capacidade técnica de desenvolver exames de baixo custo para o coronavírus. Mas precisamos de mais apoio, tanto da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado como da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)”, prosseguiu o virologista.

DEBATE – Antonio Fernando sugeriu convite ao Lafepe e à Hemobrás para discutir a possibilidade de parcerias em pesquisas. Foto: Reprodução/Roberta Guimarães

Os deputados Isaltino Nascimento (PSB) e Antonio Fernando (PSC) sugeriram que a Comissão de Saúde convide representantes de instituições como o Lafepe e a Hemobrás para discutir a possibilidade de parcerias em pesquisas. Atualmente, a capacidade de testagem oficial em Pernambuco é de sete mil testes por semana, segundo informou o infectologista Paulo Sérgio Ramos.

Contágio – Outro ponto levantado por Lindomar Pena diz respeito a pesquisas divulgadas na revista The Lancet apontando risco de transmissão pelo coronavírus por até 20 dias após o paciente contrair a doença. “A partir desse estudo, acredito que deveríamos aumentar o tempo de isolamento de 14 dias, como é recomendado hoje pela Organização Mundial da Saúde, para 20 dias”, ponderou. “Isso também precisa se refletir nos atestados médicos, principalmente para profissionais de saúde, e em todo o planejamento, tanto para um lockdown como para uma possível reabertura de comércio no futuro.” 

As deputadas Teresa Leitão (PT) e Alessandra Vieira (PSDB) abordaram a proposta de fila única para vagas de UTI em Pernambuco. Segundo Ramos, isso pode ser validado pelo Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe) na próxima semana. “Seria um sistema parecido com o de transplante de órgãos, que leva em consideração a chance de sobrevivência dos pacientes”, observou. “Não vimos casos de pessoas que morreram por falta de leitos de UTI na rede privada do Recife, mas sabemos que isso ocorre diariamente nas UPAs.”

ISOLAMENTO SOCIAL – “Parlamentares devem ser multiplicadores da mensagem dos profissionais de saúde”, defendeu Roberta Arraes. Foto: Reprodução/Roberta Guimarães

“Sabemos das desigualdades no acesso à saúde no País, o que vai ter um reflexo muito negativo no desenvolvimento da doença”, destacou a presidente da Comissão de Saúde, deputada Roberta Arraes (PP). “Nós, parlamentares, devemos ser multiplicadores da mensagem dos profissionais de saúde. Precisamos todos continuar com o isolamento social”, ressaltou. 

Discussão – Na reunião, o colegiado aprovou três proposições. Uma delas foi o substitutivo da Comissão de Justiça ao Projeto de Lei nº 934/2020, de autoria de Clodoaldo Magalhães (PSB), que inclui na proibição de vendas de cigarros para menores de 18 anos outras maneiras de consumo de tabaco e produtos fumígenos. “A iniciativa reforça a lei de 2004, englobando formas que não eram populares na época, como narguilés e cigarros eletrônicos”, disse Isaltino Nascimento, que relatou a matéria.