Cachaça, fubá, marimbondo. O que essas palavras têm em comum? Elas são originárias do continente africano e se incorporaram à nossa linguagem como uma das heranças do Brasil colônia. A instalação de diversos quilombos no país, a partir da fuga de escravos e da resistência ao sistema escravocrata, também contribuiu para que a cultura africana fosse absorvida no dia a dia brasileiro. Em Pernambuco, comunidades remanescentes do povo quilombola permanecem na luta pela preservação dessa cultura.
O professor e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro-brasileiras, Indígenas e de Povos Tradicionais da Uninabuco, Francisco Alexandrino, aponta os principais locais onde isso ocorre. “Na Região Metropolitana do Recife é possível encontrar, na região de Suape, o quilombo das Onze Negras e a comunidade na Ilha de Mercês. Em Olinda, basicamente no Portão do Gelo, existe o quilombo do Xambá.”
Instalada em 1951, a comunidade de Xambá é o único quilombo urbano reconhecido em Pernambuco. Descendente de uma das famílias fundadoras do terreiro, Guitinho da Xambá vive no local desde pequeno. Ele conta que a culinária, a música e, principalmente, os rituais religiosos de matriz africana ainda são preservados pelo grupo de Olinda. “As tradições culturais que a gente mantém na Xambá são as de décadas: o culto aos orixás no terreiro. Então, mensalmente, todos têm um toque dedicado a cada dia de cada orixá”.
A preservação da história e da cultura do povo quilombola não pode depender unicamente dos esforços dos integrantes dessas comunidades. É o que afirma o professor Francisco Alexandrino. Ele defende a criação e a manutenção de políticas públicas que promovam ações afirmativas, que garantam a preservação da história do povo de origem africana. “Antes de mais nada, a garantia quanto ao direito à terra, a uma educação que valide, valorize e preserve tradições, bem como a melhoria das condições básicas de saúde, moradia e segurança.”
Guitinho da Xambá compartilha da mesma opinião. Segundo ele, o poder público precisa atuar na comunidade para melhorar a condição de vida dos moradores. “A gente sofre lá muito com a questão do lixo, saneamento básico, as valas, as canaletas. Elas não atendem, principalmente em dias de chuvas.”
Outro problema enfrentado pela população quilombola é a discriminação religiosa. Membro do terreiro da Xambá, Gledson Silva contou que já foi vítima de preconceito. Ele defende que a informação é a base para acabar com o que chama de “primitivismo da sociedade brasileira”. “Vez por outra a gente tem algumas situações de incidente no sentido de ele sentar quererem na frente do terreiro fazer alguma espécie de culto, de palavras, quando não cabe e a gente vê isso como uma afronta. E no dia a dia acessando os aparatos estatais, a gente se depara com essas situações de preconceito, seja por uma vestimenta, seja o seu jeito de ser.”
Dados do Disque 100, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, apontam que houve um aumento no número de denúncias de discriminação contra adeptos das religiões de matriz africana no Brasil. De janeiro a junho de 2018, foram 71 registros, contra 66 no mesmo período de 2017. O professor Francisco Alexandrino afirma que as instituições podem exercer uma função importante no combate a esse tipo de crime. “Escolas, associações de bairro, núcleos de cultura, Universidades e Centros Universitários como o nosso também podem exercer o papel de espaços de resistência contra o racismo e todas as formas de opressão, além de resgatar e preservar as tradições das populações ditas primordiais, ou ditas primitivas, ou mesmo tradicionais.”