Natural de Juazeiro do Norte (Ceará), mas radicado em Pernambuco, o escritor Sidney Rocha já publicou vários livros e ostenta duas premiações no currículo pelos títulos Destino das Metáforas (Prêmio Jabuti) e Sofia (Prêmio Osman Lins). Rocha também atua como editor e acaba de apresentar o resultado de mais uma empreitada: o Projeto Hexágono, um conjunto de seis revistas, todas lançadas ao mesmo tempo. Cada uma das publicações aborda obra de um escritor que tenha nascido ou vivido em Pernambuco. O programa da TV Alepe, Em Discussão, conversou com o escritor, que falou sobre o projeto direcionado aos estudantes, sua carreira e seus planos. A seguir, confira trecho da entrevista ou assista na íntegra neste link.
TV Alepe – Em pleno 2018, cabe o desafio de levar a literatura para jovens e para as escolas? Como é que esse projeto tem chegado aos estudantes?
Sidney Rocha – Talvez a gente tivesse de discutir um pouco mais sobre o que é a leitura hoje. Nós temos uma visão inadequada do que o jovem quer ler e o que é que ele lê na escola. Aliás, o que é que ele lê nas mensagens de aplicativos quando a leitura é tratada, ou a literatura, sobretudo, é tratada na escola como uma forma pedagogizante, digamos assim, com uma carga exagerada de pedagogia, e ela passa a perder muito do seu interesse para o jovem. É muito esquisito e sintomático que, por exemplo, uma pessoa que está fazendo o Ensino Médio e gosta de escrever e termina entrando no curso de Letras, quando entra na universidade começa a perder o interesse pela literatura. Nós vemos que os cursos universitários têm dado uma preferência ao caminho da linguística e desprezado o caminho da literatura. Quando sou convidado para oferecer cursos de escrita criativa nas escolas, tenho descoberto uma coisa interessante. Primeiro, as pessoas não sabem ler. Mas isso não sou só eu que digo. Já há estudos que confirmam essa minha tese, porque os caminhos da leitura na escola são os caminhos da leitura funcional, digamos assim. Mas, nós vemos, por exemplo, como é que os jovens se comportam nas redes sociais pois a maioria das “tretas” do Facebook só ocorrem porque as pessoas não conseguem mais interpretar os textos, elas não conseguem mais ler. Então, devemos estudar uma nova forma ou uma nova compreensão do que seja essa leitura. Nós notamos que as pessoas também não leem livros, e os professores sempre me perguntam: Por que meu aluno não lê? E eu pergunto, e o senhor leu aquele livro essa semana e o senhor leu que livro este mês, aliás, este ano, que livro? Os nossos professores, não por questão de formação, mas por outras razões, como falta de tempo, não conseguem ler. E aí eu fiquei pensando como é que poderia auxiliar nisso?. E quando eu chegava para falar de determinados autores esses autores não existiam na escola. Nós pegarmos as duas últimas gerações de estudantes em Pernambuco e vimos que ninguém havia lido João Cabral de Melo Neto. Outro autor que ninguém havia lido foi Ariano Suassuna. A literatura tinha que ser um elemento de entretenimento. Ela serve para emocionar as pessoas e termina sendo substituída por outro tipo de entretenimento, como, por exemplo, a TV.
TV Alepe – Como é que esses autores são tratados nas revistas?
Sidney Rocha – Esse projeto foi incentivado pelo Funcultura, do Governo do Estado de Pernambuco. Esse produto não é vendido, ele é distribuído. Como somos diagnosticador desse tipo de dificuldade na escola, eu peguei alguns críticos de duas gerações em Pernambuco para escrever sobre esses autores com o seguinte pedido: não escreva um texto acadêmico, você pode ser bastante inteligente mas não queremos aqui o especialista, queremos um texto que a professora Margarida lá de Santo Amaro leia e goste e que o aluno Roberto lá da Macaxeira, lá de Goiana ou de Sertânia, possa ler e gostar. Ao mesmo tempo a revista tinha que ser e é um produto bastante estrutural nesse sentido, que é um ensaio, ou seja, um longo texto sobre a vida e a obra, e sobre porque se deve ler esses autores hoje. Além disso traz uma cronologia, ou seja, qual a importância desse autor no tempo, uma bibliografia dos textos desse autor e o que fazer para localizar teses e até mesmo estudos mais elaborados e publicações mais simples e contemporânea. Os autores que estão nesta edição são João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna. César Leal, Hermilo Borba Filho, Luiz Jardim e Osman Lins. Quando você lê o texto e começa a ver as obras dessas pessoas muito provavelmente terminará incentivando a leitura.
TV Alepe – Você falou que a próxima leva de revistas vai tratar de mulheres escritoras. Quem são elas e como é que está o andamento disso?
Sidney Rocha – A segunda série da Hexágono tem grandes nomes femininos da literatura Pernambucana. Começa com uma pernambucana que não é pernambucana, que é Clarice Lispector. Esse será o primeiro número da segunda série que já está sendo trabalhada, Clarice Lispector. As próximas serão Maria do Carmo Barreto Campello de Melo, que foi uma poeta importante nos anos 1960 e 1970 e depois esquecida, porque não se publicam mais os livros dela. Celina de Holanda, que foi uma poeta que ajudou muito esses poetas que estão hoje em circulação pelo Recife, era uma pessoa muito generosa na formação de autores. Francisca izidora Gonçalves, que era importante no começo do século 20, com as lutas feministas, e Ladjane Bandeira, que fez escola no jornalismo, na literatura e na ilustração. São esses nomes que a gente vai trazer à baila na segunda série da coleção que deve sair até o final do ano ou no começo de 2019.
TV Alepe – Como é que as escolas recebem a revista?
Sidney Rocha – O projeto é dirigido especialmente para as escola públicas. Não temos uma quantidade muito grande porque os meios de financiamento do Funcultura têm um limite para o incentivo. Então, foram impressas mil coleções dessas e a gente distribui dentro de uma necessidade das secretarias de Cultura e de Educação para que essas revistas cheguem às bibliotecas públicas e que possam ser consultadas também pelos alunos e professores. Mas, dado o sucesso dessa revista, vamos colocar na internet por meio do site Hexágono, onde as pessoas vão baixar os arquivos em PDF.
TV Alepe – Você está escrevendo uma sequência do último romance que é o Fernanflor. É isso mesmo? Tem alguma coisa engatilhada para ser lançada?
Sidney Rocha – A editora Iluminuras é que me pública há quase 15 anos. A partir dela, vieram as premiações. Então, há sempre algo novo. No meu caso, especialmente, eu venho tentando constituir uma obra, algo mais compacto, algo que possa se retirar dali um homem e o seu tempo. Fenanflor é o primeiro livro de uma trilogia que eu comecei a escrever há uns 10 anos, mas que só foi publicado em 2015 o primeiro, e agora em 2018 pública-se o segundo número dessa trilogia, que é a Estética da Indiferença. Então, no final de outubro ou em novembro, nós lançaremos esse outro número.
TV Alepe – Sobre essas oficinas de escrita criativa que você promove, é possível ensinar as pessoas a serem autores?
Sidney Rocha – Eu não uso esse termo oficina, embora não tenha nada contra quem faz. Eu prefiro chamar de curso de escrita criativa ou de criação literária. Eu costumo dar os fundamentos da escrita criativa ou da escrita literária a partir de módulos bem desenvolvidos. Há uma distância muito grande entre participar de um curso e ter a vida toda dedicada a literatura como acontece com os escritores.