Edson Alves Jr.
Entre os dias 21 e 31 de maio, Pernambuco e todo o Brasil sofreram as consequências da paralisação de motoristas de caminhão. O estopim da greve dos caminhoneiros foi o aumento no preço do diesel nas distribuidoras, chegando a 38,6% entre fevereiro e maio deste ano. A justificativa para a alta, segundo a Petrobras, é o aumento do preço do petróleo no mercado internacional.
Essa subida acentuada e brusca provocou debate sobre até que ponto o Poder Público deve interferir na formação de preço dos combustíveis. Por outro lado, a pressão do movimento dos caminhoneiros levou a sociedade a questionar a possibilidade de diminuir a carga de impostos sobre a gasolina e o diesel.
Ao fim da greve, o Governo Federal apresentou proposta de reduzir em R$ 0,46 o preço do diesel, dos quais 16 centavos viriam do corte de tributos federais e 30 centavos, de subsídios da União à Petrobras. Para entender o impacto da medida, basta saber que o tanque do modelo de caminhão mais vendido no Brasil – o Scania R440, na versão mais básica – tem capacidade para até 660 litros de combustível. Assim, a economia chegaria a mais de R$ 300 por tanque cheio (ver quadro).
Atender às reivindicações do setor de transporte, porém, não saiu barato: exigiu R$ 13,6 bilhões entre subsídios e corte de tributos. Para dar conta da medida, o Governo Federal retirou benefícios fiscais de diversas indústrias (29,5% do montante), utilizou as reservas que tinha para cumprir a meta fiscal e capitalizar estatais (61,5%) e anunciou corte de R$ 1,2 bilhão em políticas públicas de saúde, educação e agricultura (9%), entre outras áreas, o que provocou reações de diversos outros setores da sociedade.
Impactos no Estado
A discussão alcançou à esfera estadual, que recolhe parte dos tributos sobre combustíveis. Em Pernambuco, a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – responsável por quase 20% da receita do Estado – é de 29% sobre a gasolina e 18% sobre o diesel, alcançando um valor anual próximo a R$ 3 bilhões.
Assim, quando um caminhoneiro abastece um tanque com 660 litros de diesel a um custo de R$ 2.360, os cofres estaduais arrecadam, aproximadamente, R$ 400. Desse valor, 40% (R$ 160) serão usados em ações de saúde, educação e segurança pública executadas pelo Governo Estadual, segundo dados do Portal Tome Conta, do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE), referentes a 2017.
No Congresso Nacional, os senadores Romero Jucá (MDB-RR) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) fizeram a proposta de limitar as alíquotas de ICMS a 18% para gasolina e etanol e a 7% para diesel. Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro já reduziram essas porcentagens para 17% e 16% sobre gasolina e etanol, respectivamente, e para 12% sobre diesel.

PRISCILA – “Pernambuco está batendo recorde de arrecadação, mas gasto público cresceu ainda mais”. Foto: Jarbas Araújo
Por outro lado, governadores de sete unidades da federação – incluindo o de Pernambuco, Paulo Câmara – negaram a possibilidade de reduzir as quotas. Em carta aberta à população, os mandatários avaliaram que “já são sacrificados demais pela injusta concentração de recursos na União”. “O Governo Federal tenta transferir para os Estados a responsabilidade pela solução de uma crise que a União provocou, através de uma política de preços de combustíveis absurda, perversa e irresponsável”, declararam no texto.
O debate sobre a alíquota do ICMS chegou à Alepe, instituição que pode autorizar ou rejeitar a medida. Para a deputada oposicionista Priscila Krause (DEM), o Governo poderia antecipar a diminuição do percentual incidente sobre a gasolina, de 29% para 27%, e sobre o diesel, de 18% para 17%. A redução está prevista para acontecer somente em 2020. “Pernambuco está batendo recorde de arrecadação, mas o gasto público cresceu ainda mais. O governador deve, ao menos, tomar a frente desse diálogo”, considerou a democrata.
Já o líder do Governo, deputado Isaltino Nascimento (PSB), classificou a proposta como uma “saída simplória”. “Façamos um debate verdadeiro: somos um Estado pobre. Como vamos garantir hospitais, escolas e segurança sem o ICMS?”, questionou.

ISALTINO – “Como vamos garantir hospitais, escolas e segurança sem arrecadação do ICMS?”, questionou. Foto: Jarbas Araújo
Na avaliação do professor de Economia Gustavo Sampaio, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), reduzir percentuais de ICMS agora seria uma “péssima ideia” para qualquer Estado. “O impacto não será só nas finanças estaduais, mas também sobre os municípios, que recebem repasse de 25% do imposto”, observa. “Com a perda de arrecadação, algumas prefeituras acabariam descumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), pois não há como se ajustar imediatamente o quadro de servidores à nova realidade orçamentária.”
Em 2017, o Governo de Pernambuco chegou a 48,97% de gastos com o funcionalismo, enquanto o limite máximo permitido pela LRF é de 49%. No início de 2018, essa porcentagem recuou para 47,40% – valor que ainda impede a concessão de reajustes salariais ou o aumento do quadro de servidores, entre outras restrições.
No longo prazo, porém, Sampaio considera a diminuição da alíquota algo positivo. “Um preço menor dos combustíveis pode gerar aquecimento na economia, principalmente de setores que dependem mais do transporte, e acabar se revertendo em maior arrecadação. Não dá pra ter certeza, mas é algo factível”, observa o economista. “Mas temos que avaliar se as consequências do maior uso de transporte individual não podem trazer prejuízos para a população em geral, como o caos no trânsito e a poluição”, pondera.
Regulação do mercado de combustíveis
No entanto, há medidas para regular a venda e tributação dos combustíveis que não envolvem aumento ou diminuição da carga tributária. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autarquia federal com o objetivo de aumentar a concorrência e reduzir os preços ao consumidor, lançou uma série de recomendações que, na visão da instituição, poderiam baixar os preços da gasolina e do diesel.
A proposta inclui mudar completamente a sistemática de cobrança do ICMS sobre os produtos. No modelo atual, ocorre a chamada “substituição tributária”: o imposto é pago antecipadamente na venda entre a produtora (Petrobras) e as distribuidoras, que então comercializam os combustíveis para os postos. A cobrança é feita por um valor fixo calculado sobre a média dos preços oferecidos para o consumidor no varejo. Contudo, argumenta o Cade, do modo que é feito, postos de combustível não têm incentivo para ofertar preços abaixo da média definida, já que isso os faria pagar mais impostos em relação àqueles que praticam o custo médio.

QUEIROZ – Deputado defende venda direta de etanol das usinas para os postos. “Pode haver um barateamento do combustível”. Foto: Rinaldo Marques/Arquivo
“Se o agente [dono de posto] precificar abaixo da tabela, ele terá que gastar com advogados para entrar com uma ação judicial solicitando a devolução do ICMS pago a mais”, diz o documento. A autarquia propõe que o ICMS seja recolhido diretamente nos postos de combustível, com um imposto proporcional não à média, mas ao valor de venda de cada produto.
Outra medida sugerida pelo Cade é permitir que usinas de álcool comercializem etanol diretamente para os postos. Atualmente, a venda só pode ser feita para distribuidoras, conforme regulamentação definida pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). A proposta foi defendida pelo deputado Henrique Queiroz (PR) no Plenário. “Durante a greve, foi autorizado que as usinas da Mata Norte abastecessem diretamente os postos. Com isso, os caminhões com etanol não tiveram que percorrer 220 km até a distribuidora em Suape. Se essa logística permanecer, pode haver um barateamento do combustível”, pontuou.
Desafios operacionais
A Secretaria da Fazenda de Pernambuco (Sefaz-PE), porém, aponta dificuldades operacionais. “O regime atual é muito precioso para nós, pois, com ele, temos que fiscalizar apenas as poucas empresas distribuidoras”, explica Roberto de Abreu e Lima, diretor de Política Tributária do órgão. “Com a venda direta de etanol aos postos, há perda de controle da Sefaz na operação. Os níveis de sonegação tendem a aumentar assustadoramente.”

DIFICULDADES – Para Abreu e Lima, Sefaz “perderá controle” sobre operações caso medida sugerida pelo Cade seja implantada. Foto: Roberto Soares
Alfredo Pinheiro Ramos, que é diretor-presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo de Pernambuco (Sindicombustíveis-PE), defende o recolhimento de ICMS no varejo do setor e a discussão dessa e de outras mudanças com todos os segmentos envolvidos. “Sei que ia dar mais trabalho, mas, com as notas fiscais eletrônicas, a Sefaz pode saber online tudo o que a gente está vendendo”, avalia.
Por outro lado, o Sindicombustíveis é contrário a outras duas medidas sugeridas pelo Cade: a permissão de postos com autoatendimento (sem frentistas) e a possibilidade de distribuidoras serem donas de postos de combustível (verticalização). “O trabalho dos frentistas não é só abastecer, mas também dar mais segurança ao consumidor e ajudar nas vendas. Só em Pernambuco, representam mais de 30 mil empregos”, informa Pinheiro Ramos. “Já a verticalização vai acabar com as empresas menores do nosso ramo, favorecendo apenas as grandes companhias.”
*Fontes dos dados utilizados nos gráficos: ANP/ Fecombustíveis/ Petrobras/ Portal Tome Conta. (Considerou-se a mesma proporção na composição do preço do diesel praticada pela Petrobras antes da redução dos preços. Por motivos didáticos, o agrupamento dos dados do Governo de Pernambuco obedeceu a critérios diferentes dos utilizados nos relatórios fiscais.)