Luciano Galvão Filho
O mal-estar com a corrupção está alto entre os brasileiros. No início do ano, a insatisfação popular com a maneira como são conduzidos os assuntos públicos levou o País à pior posição na história do Índice de Percepção da Corrupção, indicador medido pela Transparência Internacional há cinco anos. A queda de 17 colocações no ranking em relação à edição passada deixou o Brasil abaixo de nações muito mais pobres, como a vizinha Guiana, ou que viveram guerras até pouco tempo, a exemplo do Timor Leste, da Bósnia e do Kuwait.
lugar. Essa é a posição do Brasil no ranking de percepção da corrupção que reúne 180 países.
Uma das respostas dos governos a esse incômodo são as leis anticorrupção, mecanismos para facilitar a punição de empresas que mantenham negócios com órgãos públicos e tenham obtido vantagens por meio de práticas ilícitas.
Suborno de funcionários e fraude em licitações, por exemplo, são casos para os quais a lei federal – em vigor há quase cinco anos – prevê a aplicação de multas e a inclusão nos cadastros nacionais. Essas listas contêm todas as empresas com as punições vigentes (após pagas as multas, os nomes são retirados) e aquelas proibidas de firmar contratos com a administração pública.
Pernambuco editou sua própria Lei Anticorrupção em janeiro deste ano. A nova norma permite que órgãos estaduais apurem irregularidades e imponham, no Estado, as punições previstas na legislação nacional. A medida ainda cria meios para prevenir desvios e permite a participação de diferentes entidades nas investigações. E os processos não precisarão chegar à Justiça para resultar em penalidades (ver gráfico).
A norma pernambucana prevê acordos de leniência – algo como uma delação premiada para empresas –, porém com uma diferença da lei brasileira: aqui, Ministério Público (MPPE) e Tribunal de Contas do Estado (TCE) poderão participar, o que não é possível na apuração de atos que gerem danos à Administração Federal. “São mais atores envolvidos, o que pode trazer uma dificuldade para se chegar a um entendimento. Mas, em se firmando o acordo, a vantagem é que a empresa irá trazer para o conhecimento público informações que seriam muito difíceis de conseguir por outros meios de investigação”, analisa o diretor de Correição da Controladoria Geral do Estado, Filipe Castro.
Para a advogada Camila Oliveira, que trabalha na área de integridade empresarial do escritório Queiroz Cavalcanti, no Recife, a possibilidade de atuação de mais instituições reduz os riscos de que o acordo seja invalidado mais à frente, o que favorece a colaboração da empresa. “O cenário antes da lei estadual era de insegurança jurídica, sem previsão de etapas do processo, nem garantia explícita do sigilo das investigações”, pontua. Ela fez parte do corpo técnico que assessorou a Comissão Especial da Alepe responsável por elaborar o texto que, um ano depois, viraria lei por iniciativa do Poder Executivo.
O deputado Rodrigo Novaes (PSD), que idealizou a iniciativa e coordenou os trabalhos do colegiado, considera que a medida “amadurece a relação entre os setores privado e público e fortalece as instituições no combate aos atos de corrupção”. O parlamentar explica em vídeo as vantagens da nova lei:
Também integrante da assessoria técnica da Comissão, a procuradora do Estado Giovana Ferreira sublinha a importância da possibilidade, prevista na legislação, de tornar públicas as decisões contrárias às empresas. “Considerando o potencial efeito negativo para a pessoa jurídica, a publicidade da decisão servirá não somente para punir os ilícitos, como também para coibir novas práticas. A lei, portanto, tem efeitos não somente repressivos, mas também preventivos.”
Números divulgados pela Controladoria Geral da União no início do ano sugerem que a administração pública tem, aos poucos, tornado-se mais efetiva em reprimir os desvios. Segundo o Governo Federal, quatro a cada cinco processos de responsabilização abertos nos quatro anos de vigência da Lei Anticorrupção foram instaurados em 2017. Ao todo, os órgãos federais iniciaram 187 processos, aplicaram 30 punições e recolheram R$ 12 milhões em multas no período.
Danos à democracia
“A corrupção é um ato desenfreado no Brasil, a causa de tudo o que há de mazela no País”, diz o promotor de Justiça Maviael de Souza Silva. “É um fenômeno que assola a vida pública diariamente e contra o qual é preciso começar a empreender esforços”, opina o membro do Ministério Público de Pernambuco.
Quando o incômodo provoca nos cidadãos a sensação de que todas as esferas do poder padecem do mesmo mal, os efeitos nocivos da corrupção começam a prejudicar o voto e a participação política. É o que identificou um estudo conduzido na Universidade Notre Dame, nos Estados Unidos, pela cientista política Nara Pavão, atualmente professora visitante da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Os eleitores tendem a se tornar tanto mais cínicos quanto maior for a percepção de que todos os candidatos são indistintamente corruptos. Isso, salienta a professora, faz com que as urnas sejam insuficientes para impedir o sucesso de políticos desonestos e aumenta a importância dos mecanismos institucionais de enfrentamento às irregularidades – como as leis anticorrupção e a atuação de entidades governamentais independentes. “Os órgãos judiciais e de controle precisam de legitimidade para impor punições eficientes e elevar os custos de comportamentos corruptos”, defende a pesquisadora.