Escola com barreiras

Em 17/11/2017 - 12:11
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Mulher brinca com o filho em parquinho. Menino está no balanço. Os dois sorriem.

LUTA POR INCLUSÃO – Islênia, mãe de João: “Minha trajetória com instituições de ensino é muito dolorosa e difícil”. Foto: Giovanni Costa

Marcos Miguel

O menino João Pinheiro brincava com os colegas no pátio da escola, em Olinda, na Região Metropolitana do Recife, quando foi advertido aos gritos pela professora: “João, não! João, não!”. Era 19 de abril de 2016, Dia do Índio, e todos da turma haviam recebido um cocar – menos ele. Ao tentar puxar o adorno de outra criança, veio a repreensão.

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Mãe dele, a funcionária pública Islênia Pinheiro, chegava para buscar o filho e pôde ouvir tudo ainda da rua. A experiência foi traumática: “Entrei, peguei o João pelo braço e disse para a professora que gritar com autista era a mesma coisa que gritar com surdo. E que, a partir daquele dia, meu filho não pisava ali mais”, revela.

Antes e depois desse episódio, ocorrido quando tinha 8 anos de idade, o menino – diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) aos dois anos e sete meses – acumulou outras experiências de exclusão. “A minha trajetória com instituições de ensino é muito dolorosa e difícil. Recebi muitos nãos, de forma velada: chegava na escola, tinha a vaga no turno, mas quando eu falava que João é autista, aquela vaga não existia mais”, lamenta Ismênia.

A luta pelo direito à educação também marcou a história de Amanda de Moraes, com Síndrome de Down. Formada em pedagogia e pós-graduada em Educação Especial, ela conta que não foi aceita em colégios tradicionais da Zona Norte do Recife. Durante o Ensino Fundamental, praticamente pediram que saísse de uma instituição na qual sofreu cobranças por não se encaixar nos padrões. “Falta preparo do professor e incentivo. Também falta sensibilização por parte da sociedade”,  ressalta a profissional.

A mudança dessa realidade é uma das metas do Plano Nacional de Educação (Lei Federal nº 13.005/2014). Pela norma, o Brasil tem até 2024 para universalizar o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado – preferencialmente na rede regular de ensino – para a população com deficiência de quatro a 17 anos de idade. O sistema educacional inclusivo deve apresentar salas de recursos multifuncionais, classes e serviços especializados para esse público.

A realidade é desafiadora. Em todo o País, há cerca de 46 milhões de crianças de zero a 14 anos, das quais 3,5 milhões apresentam algum tipo de deficiência, de acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2010. Cerca de 30% desse grupo está fora da escola, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015, elaborada também pelo IBGE.

Na capital pernambucana, a Prefeitura tem atuado em várias frentes. “Hoje o Recife dispõe de algumas escolas com salas bilíngues. Também realizou concurso e foram contratadas várias pessoas para acompanhar os alunos com deficiência”, afirma o representante da Gerência Municipal da Pessoa com Deficiência, Paulo Fernando. “Discutimos a própria reforma de acessibilidade, garantindo o direito de ir e vir do aluno não só ao colégio, mas também ao entorno.” Quase 3.300 alunos se beneficiam das ações.

Em todo o Estado, soma-se à atuação do Poder Público o trabalho do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que estimula municípios a implementar políticas públicas que garantam os direitos previstos em convenção internacional sobre o tema. Em Pernambuco, o esporte é o foco de atuação neste momento. “A gente vai ajudar as prefeituras com práticas e formação on-line para a inclusão de crianças e adolescentes com deficiência por meio da educação física escolar”, comenta o chefe de Educação e Parcerias do Unicef no Brasil, Italo Dutra.

Após ouvir a representação do Unicef em Pernambuco em reunião realizada na Alepe, no fim de agosto, a Frente Parlamentar em Defesa da Pessoa com Deficiência da Casa deve se engajar na causa. A coordenadora do colegiado, deputada Terezinha Nunes (PSDB), promete monitorar o problema. “Vamos acompanhar a busca ativa do Unicef junto com a Prefeitura do Recife, com o objetivo de que essas crianças passem a ir para a escola. Esse é o nosso papel”, destaca a parlamentar.

“É a escola que tem que se adaptar ao aluno, e não o contrário.”

               Nátali Brandi,                defensora pública

Legislação – A integração, porém, vai muito além de receber a criança na sala de aula, na opinião da defensora pública Nátali Brandi. “Incluir é efetivamente tornar aquela criança membro participativo do convívio escolar, proporcionando condições de aprendizagem, convivência social e participação nas atividades recreativas. É a escola que tem que se adaptar ao aluno, e não o contrário”, observa. Ela ainda acrescenta que a recusa de matrícula é crime, com pena de reclusão prevista no Código Penal.

Desde 24 de outubro de 1989, quando foi promulgada, a Lei Federal nº 7.853 também afirma ser crime recusar ou cobrar valores adicionais para a matrícula de alunos com deficiência nas escolas, passível de pena de um a quatro anos de reclusão. A partir de 6 de julho 2015, o artigo 8º da Lei Brasileira de Inclusão ( Lei Federal nº 13.146) endureceu essa punição, prevendo reclusão de dois a cinco anos.

Porém, a legislação por si só não basta, na opinião do vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da seccional pernambucana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE), Mateus Pereira. “Já existem várias leis já a respeito do assunto, somos bastante avançados nisso. A subscrição da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência foi aprovada sob as especiais condições da Constituição Federal, de modo que é o primeiro e único Tratado de Direitos Humanos no País que tem status de emenda”, esclarece. Para Pereira, o Poder Público precisa ter um compromisso permanente em relação ao tema, “de modo a quebrar barreiras atitudinais, físicas e comunicacionais”.

Serviço

Pais que tenham sofrido ato discriminatório ao matricular filhos com deficiência podem acionar o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública Estadual pelo telefone 0800-081-0129.


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