
REVISÃO – Comissão de Saúde debateu mudanças no financiamento e na composição das equipes de Saúde da Família, entre outros temas. Foto: Rinaldo Marques
O plano de reformulação da Política Nacional de Atenção Básica à Saúde (Pnab), apresentado pelo Ministério da Saúde (MS), foi alvo de críticas durante audiência pública promovida pela Comissão de Saúde da Alepe nesta segunda (28). Os participantes questionaram as modificações no modelo de financiamento e na composição das equipes de Saúde da Família, além de demandar mais tempo e diálogo com a sociedade civil para revisar as estratégias de atendimento.
Presidente do colegiado, a deputada Roberta Arraes (PSB) abriu o debate reprovando o que chamou de “retomada de uma perspectiva médica com procedimentos mais simplificados e reduzindo o cuidado integral”. “É preciso refletir sobre essas mudanças em políticas que foram construídas ao longo dos anos sob grandes esforços e que têm sua efetividade comprovada pela população e por órgãos internacionais”, ressaltou.
De acordo com a minuta divulgada pelo MS, a reforma reconhece outros formatos de equipe além daquele já consolidado na atenção básica, excluindo a obrigatoriedade da presença dos agentes comunitários de saúde (ACSs). Também integra as atividades de atenção básica, realizadas por esses profissionais, às de vigilância em saúde, a cargo dos agentes de combate às endemias (ACEs).
Outra medida seria a inclusão da figura do gerente na Unidade Básica de Saúde (UBS). O documento ainda estipula um prazo de quatro meses para que gestores municipais implantem as equipes de saúde e reduz a população atendida por equipe – de 4 mil pessoas para a faixa entre 2 mil e 3,5 mil por território.

CONSULTA PÚBLICA – Para Nascimento, não houve tempo suficiente para a população avaliar a proposta. Foto: Rinaldo Marques
O texto completo foi submetido a consulta pública pelo Departamento de Atenção Básica do MS durante dez dias, tempo que o solicitante do debate, deputado Isaltino Nascimento (PSB), considerou insuficiente. “Foram apenas seis mil questionários respondidos, um nível de escuta diminuto se levarmos em conta a população brasileira, e 95% dos que participaram foram contrários à proposta”, frisou.
As mudanças preocupam também os gestores municipais da área. Orlando Jorge de Andrade Lima, que é secretário de Saúde de Paudalho e presidente do Colegiado dos Secretários Municipais de Saúde (Cosems-PE), apresentou as sugestões da entidade, entre elas a responsabilização do Governo Federal por metade do financiamento da política de atenção básica. O restante seria repartido entre Estado (20%) e município (30%). “É preciso que as políticas sejam amplamente discutidas com a população, especialmente com os movimentos sociais”, defendeu.
Para a deputada Simone Santana (PSB), “toda política de saúde precisa ser revista, mas a discussão deve se dar sem urgência e ouvindo as pessoas”. “Me preocupa a mudança para o financiamento em bloco, porque o modelo atual induz o gestor municipal a investir na atenção básica”, observou. “Sem isso, não sei se todos terão sensibilidade para compreender a importância dessa modalidade que resolve mais de 80% dos problemas de saúde da população”, pontuou.
O fim da obrigatoriedade de agentes comunitários de saúde nas equipes foi condenado por quase todos os presentes. Atualmente, mais de 260 mil profissionais exercem a atividade no País. “Está por trás disso a tentativa de unificar agentes de saúde e de endemias, que têm atuações diferenciadas”, explicou o diretor da Federação Nacional de Agentes de Saúde e de Combate a Endemias (Fenasce), Luiz Cláudio Celestino de Souza.
O histórico de implantação da Pnab, a partir da Portaria nº 2.488/2011, foi relembrado na fala da superintendente de Atenção Primária da Secretaria Estadual de Saúde, Maria Francisca Carvalho. “Houve um processo de discussão à época. Hoje vemos que a atenção básica conseguiu reduzir indicadores de mortalidade infantil e materna. É o agente de saúde que vai a sua casa dizer que você está com o exame atrasado ou que seu filho não tomou vacina”, ressaltou.

CONTEXTO – Professor da UPE, Lajes acha momento inadequado para rediscutir a Pnab. Foto: Rinaldo Marques
Professor da Universidade de Pernambuco (UPE), Itamar Lajes acredita que o contexto atual é desfavorável para a revisão pretendida, principalmente em razão da aprovação da Emenda Constitucional nº 95/2016. “Não tem como prestar atenção básica com R$ 25 por pessoa ao ano. Essa receita inviabiliza qualquer projeto. Vai excluir negros, populações carcerárias, LGBTTs e outros segmentos”, afirmou. Já a pesquisadora do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), Bernadete Antunes, alegou que “a reformulação do Pnab não tem base técnico-científica”.
Plenário – À tarde, na Reunião Plenária, Isaltino Nascimento repercutiu a audiência pública. Segundo o parlamentar, o encontro foi uma oportunidade de ouvir os profissionais e os representantes das instituições, que estão intranquilos em relação à medida. “A pergunta que se faz é se este é o momento mais propício para fazer modificação na Política Nacional de Atenção Básica, já que uma série de proposições feitas pelo Governo Federal vão no sentido contrário da visão de quem trabalha com saúde coletiva no Brasil”, questionou.
O deputado também informou que algumas sugestões foram apresentadas pelos participantes, como a criação de um Grupo de Trabalho em que as instituições que atuam no campo da saúde coletiva possam dar subsídios e fazer juízos de valor sobre as mudanças; a realização de um simpósio sobre o tema, promovido pelo Centro Brasileiro de Estudos da Saúde; e a elaboração de um documento pela Assembleia, com questionamentos ao Ministério da Saúde sobre a proposta.