
PERNAMBUCO – Centro de Referência em Erros Inatos do Metabolismo do Imip realiza cerca de 200 atendimentos por mês. Foto: Giovanni Costa
Na 18ª semana de gestação, a estudante de Administração Daniella Carneiro, de 26 anos, recebeu uma notícia que mudaria o curso da vida dela e do marido, o professor de Física Leandro Lima, 29. Um exame de ultrassom revelou que o bebê que esperavam era portador de uma deficiência congênita rara na medula espinhal: a mielomeningocele. “Foi um choque. Esperávamos ver o sexo, ouvir o coração bater. A última coisa que uma mãe deseja é saber que o filho tem um problema como esse”, relata a moradora de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife.
Além de cirurgias realizadas antes e depois de Daniel Bernardo nascer, o casal se viu às voltas com uma nova rotina, tendo que proporcionar ao filho, no primeiro ano de vida, exames, fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional. “Com o tempo, fui vendo que não era o fim do mundo, e o amor se tornou até maior”, garante. Estima-se que existam oito mil tipos de doenças raras – aquelas que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), afetam até 65 pessoas a cada 100 mil. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, até 13 milhões de pessoas podem apresentar alguma dessas patologias, cujo diagnóstico leva, em média, dez anos.
Histórias como as de Daniel revelam exemplos semelhantes de dedicação, mas também idênticas dificuldades com lacunas deixadas pelo Poder Público. Um dos obstáculos apontados por Daniella e por outras mães é a falta de vagas para atendimento especializado. Além disso, é frequente a mãe ter que deixar o emprego para ser cuidadora em tempo integral.
Foi o que aconteceu com a zeladora Hilda Venâncio da Silva, 38, depois que o filho Mateus nasceu, em outubro de 2015, com microcefalia causada pelo zika vírus. Seu marido, Jober, também pediu demissão para assumir a responsabilidade pelas duas outras filhas do casal. O casal ainda não recebe o Benefício da Prestação Continuada (BPC), auxílio de um salário mínimo mensal pago pelo Governo Federal ao cidadão com deficiência. “Atualmente estamos vivendo de doações. Não é justo. Tive de abrir mão do meu salário por um problema pelo qual não tive culpa. As ruas não têm saneamento, acumulam água parada e ficam cheias de mosquitos”, diz Hilda.
Para ter direito ao BPC, é necessário que a renda por membro da família seja menor que R$ 220. O valor do auxílio é considerado baixo pelas famílias raras, que dependem de remédios e de exames de alto custo. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, em Pernambuco, 172 mil pessoas com deficiência recebem o benefício. O órgão diz que trabalha para acelerar a concessão em casos de microcefalia. Vice-presidente da Aliança das Mães e Famílias Raras (Amar), Daniela Rorato considera que a epidemia provocada pelo zika chamou a atenção da sociedade para os problemas enfrentados cotidianamente pelas pessoas raras. Ela defende que os cuidadores tenham sua atividade reconhecida em lei, e que recebam uma renda para exercê-la. “Também é preciso descentralizar o atendimento para além da Região Metropolitana”, acrescenta a empreendedora social, cujo filho, Augusto, 19, possui as síndromes de Down e de West (tipo grave de epilepsia).
Toda a rede de serviços que recebe esses pacientes em Pernambuco fica no Recife. Uma das unidades, o Centro de Referência em Erros Inatos do Metabolismo do Imip (Cetreim), realiza cerca de 200 atendimentos por mês. De acordo com a coordenadora da instituição, Ana Cecília Menezes, a maior dificuldade para as famílias é o diagnóstico, que implica grandes despesas e por vezes precisa ser realizado fora do Estado. “No caso do tratamento, alguns remédios são caros e não são oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A família precisa conseguir na Justiça, o que é doloroso”, explica. Desde 2014, o Brasil conta com uma Política Nacional de Atenção às Doenças Raras. Em nota, o Ministério da Saúde informa que, para a implantação da iniciativa, foram incorporados 15 exames ao SUS. Segundo o órgão, a previsão de investimento para essa politica é de aproximadamente R$ 130 milhões. “Planejamos lançar, até 2018, protocolos clínicos para 47 doenças raras, orientando profissionais de saúde a como realizar o diagnóstico e o tratamento dos pacientes”,registra o documento.
Semana Estadual visa conscientizar população
Em 2015, a Assembleia Legislativa instituiu a Semana Estadual de Conscientização sobre Doenças Raras, celebrada na última semana de fevereiro. Autor da iniciativa, o deputado Zé Maurício (PP) afirma que a política nacional tem que ser reproduzida nos estados e municípios com foco na atenção integral, voltada ao suporte não só dos pacientes, como também dos cuidadores. “O município está na base dessa pirâmide, mas não possui recursos suficientes para atender – com a qualidade que sonhamos –, todos os seus usuários. Por isso, é preciso uma rede de políticas públicas interligadas, contemplando educação, saúde, previdência, assistência social e trabalhista”, diz o parlamentar, que já solicitou ao Poder Executivo um projeto de lei tratando do tema.
Motivada pelo surto associado à epidemia do zika vírus, a Casa instituiu ainda a Comissão Especial de Acompanhamento da Microcefalia, que, em 18 de maio, apresentou o relatório preliminar de suas atividades. Os principais problemas encontrados pelo grupo coincidem com muitos daqueles citados pelas famílias raras. O relatório destaca a indisponibilidade de remédios anticonvulsivantes, além da falta de um número suficiente de especialistas em neuropediatria. “A partir desse colegiado, queremos ampliar o foco para todas as pessoas raras”, frisou a coordenadora da Comissão, deputada Socorro Pimentel (PSL).
*Esta matéria faz parte do jornal Tribuna Parlamentar de maio/junho de 2016. Confira a edição completa.