Haymone Neto
A palavra “patrimônio” remete a bens e heranças de uma pessoa, de uma empresa ou até de um ente público. O termo também pode se referir a edificações históricas, tão bem representadas pelas casas coloniais e igrejas barrocas em Pernambuco.
Este tipo de patrimônio, chamado de material, tem uma longa história de proteção, que remete aos anos 1930, no caso da legislação federal, e aos anos 1970, no âmbito das leis estaduais.
Todavia, a partir da Constituição Federal de 1988, o Brasil passou a reconhecer também a existência do patrimônio imaterial. No mesmo sentido, em 2018, Pernambuco criou sua própria legislação sobre o assunto.
Talvez o exemplo mais conhecido de patrimônio cultural imaterial pernambucano seja o frevo, reconhecido nacionalmente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2007 e, em nível mundial, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 2012.
Veja a lista de bens registrados como Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco
Saberes
“O patrimônio material são as edificações, os grandes palácios, as casas, praças públicas, obras de arte, monumentos… São bens palpáveis, tangíveis, que estão nas cidades e nos centros de documentação”, explica o gerente de Patrimônio Imaterial da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), Marcelo Renan.
“Já o patrimônio imaterial diz respeito ao saber. São as práticas culturais, as celebrações, os rituais religiosos, a forma de fazer determinado ofício. São conhecimentos e técnicas. E esse saber não tem um único dono. Ele é coletivo”, complementa.
A Lei Estadual nº 16.426, que instituiu o Sistema Estadual de Registro e Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, define como patrimônio cultural imaterial os saberes, conhecimentos e modos de fazer tradicionais; as festas e celebrações; as formas de expressão literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas e, por fim, os lugares ou espaços de de concentrações de práticas culturais coletivas.
Registro
Até agosto de 2024, cinco bens haviam obtido, por solicitação da Alepe, o registro estadual de patrimônio imaterial (ver quadro abaixo).
Bens registrados em nível estadual por solicitação da Alepe
- Festa de Agosto (em São Lourenço da Mata, na Região Metropolitana do Recife), por indicação do ex-deputado Eriberto Medeiros (PSB)
- Festa do Morro da Conceição (no Recife), por indicação do ex-deputado Isaltino Nascimento (PSB)
- Reisado, por indicação do deputado Waldemar Borges (PSB)
- Bolo de noiva, por indicação do deputado Fabrizio Ferraz (Solidariedade)
- Procissão do Carrego de Lenha na comunidade quilombola de São Lourenço do Tejucupapo (em Goiana, na Mata Norte)*, por indicação do deputado Antônio Moraes (PP)
*Aprovada pelo Conselho Estadual de Proteção do Patrimônio Cultural (CEPPC), aguarda o decreto de homologação do Poder Executivo.
Em nível estadual, também estão registrados como patrimônios imateriais:
- As bandas de pífano de Pernambuco;
- A celebração dos primeiros bonecos gigantes de Pernambuco (em Belém do São Francisco, no Sertão de Itaparica);
O sistema estadual que regulamenta o patrimônio imaterial de Pernambuco prevê dois momentos: o registro e a salvaguarda. O registro consiste na identificação e na produção de conhecimento sobre o patrimônio imaterial. Para o registro, existem quatro livros: o dos Saberes, o das Celebrações, o das Formas de Expressão e o dos Lugares. A salvaguarda, por sua vez, compreende as medidas para garantir a viabilidade do patrimônio imaterial.
“O sentido da política de patrimônio imaterial é salvaguardar, é garantir condições e meios, sejam eles econômicos ou materiais, para que esse grupo de pessoas continue praticando esse saber cultural”, explica Marcelo Renan.
Processo
A abertura de processo para o registro do patrimônio cultural imaterial pode ser requerida por vários órgãos e entidades. São eles: a Secretaria de Cultura do Estado, o CEPPC, o Conselho Estadual de Política Cultural (CEPC), a Fundarpe, as prefeituras e câmaras municipais, entidades e associações civis e a Alepe. Os cidadãos também podem solicitar o início do trâmite.
Caso requerimento inicial seja aceito, a Fundarpe faz um inventário do bem cultural e manda para o Conselho de Proteção do Patrimônio Cultural
Os requerimentos, com a respectiva documentação, são enviados à Secretaria de Cultura do Estado, que tem 30 dias para acatar ou não o requerimento, com base em informação técnica preliminar elaborada pela Fundarpe.
Caso o requerimento seja acatado, a Fundarpe inicia a elaboração de um inventário e um parecer técnico. Esta etapa é longa e complexa, e sua conclusão leva em média um ano. Em seguida, os documentos são remetidos ao CEPPC.
No conselho, o processo é semelhante ao de apreciação de uma lei na Alepe: um relator é designado entre os conselheiros, que elabora um parecer e o submete aos demais membros do colegiado. Se for aprovado, o CEPPC produz uma resolução e remete-a à Secretaria de Cultura. Esta, por sua vez, encaminha a resolução à governadora do Estado para homologação, o que ocorre por meio de decreto.
Legislativo
Internamente, a Alepe tem regras próprias para aprovar a abertura de um processo de registro de patrimônio cultural imaterial. De acordo com o Regimento Interno, os pedidos são feitos por meio de resolução. Passam inicialmente pela apreciação das comissões de Justiça e de Educação. No Plenário, são votados em um único turno e aprovados por maioria simples. O requerimento deve conter informações específicas sobre o bem imaterial, como os grupos sociais envolvidos, o local, o período e a forma.
A aprovação da resolução, entretanto, não garante que o bem vai se tornar patrimônio cultural imaterial, já que o registro depende da aprovação do CEPPC. As chances aumentam quando, em torno da proposta do deputado, já há uma mobilização social.
Um exemplo é o do bolo de noiva. A Resolução nº 1.744, que indicou a iguaria ao registro, foi aprovada em 2021, a partir de um projeto do deputado Fabrizio Ferraz (Solidariedade). “Neste caso, já havia um processo de patrimonialização antes da indicação da Alepe, iniciado por entidades como o Senac”, explica Marcelo Renan. Em 2023, o CEPPC finalmente conferiu o título de Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de Pernambuco “às práticas socioculturais associadas ao Bolo de Noiva Pernambucano”. No ano seguinte, a governadora Raquel Lyra homologou a decisão do colegiado.