O Seminário “Todo Sagrado deve ser Respeitado” reuniu, na noite da última quinta (18), deputados, líderes religiosos e ativistas do movimento negro para discutir o enfrentamento à violência contra os seguidores de religiões de matriz africana. O evento, realizado no Auditório Sérgio Guerra, foi organizado pela Comissão de Cidadania da Assembleia Legislativa.
O encontro enfatizou a busca de estratégias institucionais de enfrentamento à violência contra os seguidores de religiões de matriz africana em Pernambuco, reunindo líderes religiosos e ativistas do movimento negro. O deputado federal Pastor Henrique Vieira (PSOL/RJ), principal convidado do evento, ressaltou que a violência contra os povos tradicionais de matriz africana “não é uma anomalia sistêmica”.
“O genocídio da juventude negra não é o sistema dando errado, mas sim o sistema em seu perfeito e pleno funcionamento. O sistema racista, moralista e fundamentalista cristão só pode ter esse resultado”, considerou o parlamentar federal. “O racismo naturaliza o caos, e autoriza institucionalmente o genocídio pra que ele se acomode na normalidade”, explicou.
Pastor evangélico, Henrique Vieira caracterizou o fundamentalismo como uma forma de experiência religiosa que nega a diversidade. O deputado federal acrescentou que fazer oposição ao radicalismo religioso de natureza racista é “resguardar um patamar mínimo de democracia”: “Se os ultra conservadores monopolizarem o sentido do que é o cristianismo, temos um problema para quem quer fazer maioria social para transformar o país”.
Vieira também apontou diversas medidas no âmbito do Poder Legislativo para combater o racismo religioso, como o fortalecimento de frentes parlamentares em defesa do estado laico e dos povos tradicionais.
Ataques em Pernambuco
O babalorixá Lívio Martins detalhou no evento um desses casos: o incêndio que destruiu o Terreiro das Salinas em janeiro de 2022, em São José da Coroa Grande (Litoral Sul). Segundo Martins, o ataque ao terreiro ficou impune, após o arquivamento do inquérito há dois meses. O líder religioso ressaltou que o medo e o sentimento de desamparo abalaram a comunidade religiosa, que agora luta para se reconstruir.
“Eu tenho 30 anos de idade, e eu volto a sofrer mazelas que meus antepassados sofreram há 300 anos. Conseguem compreender o quanto os nossos corpos negros estão cansados de serem violentados? O quanto as nossas casas de Axé estão cada vez mais invadidas, incendiadas da forma em que está sendo e simplesmente não dá em nada?”
Mediadora do seminário, a presidente da Comissão de Cidadania, Dani Portela (PSOL), também lamentou os inúmeros ataques contra os povos de terreiros ocorridos nos últimos anos em Pernambuco. “Não poderemos falar em democracia enquanto práticas de racismo religioso ainda forem vivas no nosso cotidiano”, ressaltou.
Legislação contra o racismo
Dani Portela também destacou projetos protocolados por ela sobre o tema. Um deles é o Projeto de Lei nº 387/2023, que propõe a criação do Observatório de Racismo Religioso, com a finalidade de acompanhar e monitorar casos de racismo e intolerância religiosa em Pernambuco.
Já ex-deputada estadual do mandato coletivo Juntas e advogada Robeyoncé Lima abordou a tendência crescente de ocupação dos espaços públicos por representações neopentecostais, que estariam estimulando o racismo religioso. De acordo com Robeyoncé, conselhos tutelares, escolas e unidades prisionais têm sido alvo da interferência desses grupos.
Além disso, o desrespeito à Lei Federal nº 10.639/2003, considerada um marco na educação antirracista, também foi analisado pela advogada. “É lamentável escutar muitos pais e mães dizerem que não querem levar o filho pra escola porque estão ensinando o filho a fazer macumba, a fazer o mal, ou a ter contato com o diabo e com o demônio”, relatou. Para ela, essas ocorrências demonstram que o espaço público das escolas “está sendo perdido para o discurso do racismo religioso, a despeito da Constituição dizer que o estado é laico”.
Ciane Neves, professora da Faculdade de Direito do Recife (FDR/UFPE) apresentou no evento uma definição do conceito de racismo religioso, fazendo uma distinção em relação ao termo “intolerância religiosa”. De acordo com Ciane, o racismo religioso se diferencia por ser um fenômeno político com o objetivo de aniquilar a existência das religiões de matriz africana e afro-indígena.
A professora apontou, também, fundamentos racistas na história do arcabouço jurídico brasileiro. “Com a Constituição de 1891, se destitui a religião oficial, mas não se instituem mecanismos de proteção de outros cultos. Afinal, as religiões de matriz africana e de matriz afro-indígena continuavam sendo práticas demoníacas que deviam ser tolhidas, impedidas e demonizadas”, lembrou.
A plateia do seminário também participou do debate, com a intervenção de evangélicos atuantes no PSOL e no Movimento Negro Evangélico, dentre outros representantes de terreiros e da sociedade civil organizada.