Polo de Confecções: colegiados debatem valorização profissional de costureiras

Em 26/10/2021 - 21:10
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INFORMALIDADE – “Mesmo trabalhando de 12 a 15 horas por dia, apenas 40% delas conseguem chegar a um salário mínimo”, afirmou Liliana Cabral de Barros. Foto: Evane Manço

Elas formam a base da cadeia produtiva do Polo de Confecções do Agreste. Mas, embora sejam de fundamental importância, as costureiras que prestam serviço às fábricas e lojas da região trabalham em situação precária. Só recentemente, passaram a despertar para condições dignas de trabalho e de sobrevivência, além de acesso a direitos básicos. 

Para debater formas de valorizar essa mão de obra, as Comissões de Cidadania e Direitos Humanos e de Defesa dos Direitos da Mulher realizaram, nesta terça (26), uma audiência pública conjunta. O tema do encontro foi “Mulheres, Direitos Sociais e Trabalho: Uma Agenda das Mulheres da Economia Solidária e do Polo de Confecções de Pernambuco”.

Santa Cruz do Capibaribe, Toritama e Caruaru são alguns dos 11 municípios que compõem o Polo Têxtil do Estado. A zona emprega mais de cem mil pessoas e é responsável por 16% da produção de roupas do Brasil. As costureiras, também chamadas de faccionistas, representam um segmento à parte nesse cenário. 

“Elas não têm registro profissional, são pagas pela quantidade de peças produzidas, o que as obriga a trabalhar de 12 a 15 horas por dia. Ainda assim, apenas 40% conseguem receber o equivalente a um salário mínimo por mês”, afirmou Liliana Cabral de Barros, integrante do Coletivo Mulheres Cidadania Feminina.

ANÁLISE – Segundo a economista Milena Prado, do Dieese, trabalho faccionado traz desafio para proteção social e legalização trabalhista. Foto: Evane Manço

O grupo reúne oito organizações da Região Metropolitana do Recife, que realizaram um trabalho no Polo de Confecções. “Cada organização foi para uma cidade a fim de levantar a situação das trabalhadoras. Em Santa Cruz do Capibaribe, por exemplo, todas as casas tornaram-se minifábricas”, relatou a participante.

“Morando em condições insalubres, essas mulheres perdem a vivência em família, pois todos acabam se envolvendo no trabalho. Elas não conseguem acompanhar o desenvolvimento dos filhos, nem atendê-los quando doentes e, quase sempre, param de costurar em razão de algum problema postural irreversível. Muito dinheiro é gerado em cima dessa exploração. Precisamos unir forças para garantir proteção social.”

Cenário

Representando o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Milena Prado explicou que a entidade acompanha as costureiras do Polo desde 2018, por meio do Projeto Vozes da Moda. Segundo a economista, a atividade faccionada desafia a proteção social e a legalização trabalhista. 

“A mulher tem um papel importante nessa cadeia, pois a costura é uma atividade feminina. Elas geram riqueza para a região, mas não têm acesso aos direitos trabalhistas e previdenciários. No começo, atuar no espaço familiar foi favorável porque facilitava a observação dos filhos, mas, com o tempo, as mulheres sentiram a falta de creches e de uma separação entre a vida familiar e a laboral”, destacou.

EXPLORAÇÃO – “Costureiras têm jornadas extensas, cuidam da casa, da família e da comunidade”, destacou Betânia Ávila, da SOS Corpo. Foto: Evane Manço

Apesar da importância econômica do Polo de Confecções, estudos do Dieese constatam o aumento da pobreza na área. “Em Caruaru, havia, no censo de 2010, 40% de famílias vulneráveis. Embora não haja uma atualização do IBGE, outros indicadores revelam o crescimento da população de baixa renda nos últimos anos. Esse fato mostra que os trabalhadores da base não são beneficiados pelos lucros das empresas”, prosseguiu Milena Prado.

Betânia Ávila, da organização não governamental (ONG) SOS Corpo, lembrou que, historicamente, determinadas funções sempre couberam à mulher, independentemente das condições. “As costureiras têm jornadas extensas, cuidam da casa, da família e da comunidade simultaneamente. São obrigadas a aceitar uma estrutura desigual e cruel. Além disso, não há tempo para estudar ou buscar uma oportunidade melhor. É um lugar de exploração profunda, que rouba o tempo e compromete o futuro delas.”

Estudo

A doutoranda em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande (PB) Virgínia Vasconcelos tem realizado estudos sobre as condições de trabalho na região. Para a pesquisadora, antes de pensar em políticas públicas para atender as trabalhadoras  do Polo, é preciso ter em mente que ele não é homogêneo.

“Lá existem muitos formatos de empresas e de atividades laborais. Algumas são estruturadas, outras são de fundo de quintal; algumas fazem contratações regulares e outras não. Também é preciso compreender a cultura local e o pensamento dos trabalhadores. Muitos não se sentem explorados porque não sabem que têm direitos. É necessário haver a escuta e a conscientização ao mesmo tempo”, frisou. 

CAMINHO – Presidente da Comissão de Cidadania, Jô Cavalcanti acredita na economia solidária como melhor alternativa para dignificar a atividade. Foto: Evane Manço

De acordo com Virgínia, 80% dos negócios do Polo são informais. Ao aplicar uma consulta pública com mais de cem mulheres, descobriu-se que, entre os problemas apontados, estão a baixa remuneração, a renda incerta e a falta de vínculo empregatício. A pesquisa ainda revelou que há espaço para a criação de cooperativas e de associações, o que pode viabilizar uma mudança na estrutura de trabalho.

Fiscalização

Procuradora do Ministério Público do Trabalho, Débora Tito Farias enfatizou que o órgão fiscaliza as facções há muitos anos, autuando as empresas em caso de infração. “São necessárias políticas públicas para mudar a realidade das costureiras. Escutá-las vai possibilitar que haja valorização desse trabalho. Se o caminho for as cooperativas, apoiaremos; se for a formalização, também estaremos de acordo”, observou.

A secretária estadual da Mulher, Ana Elisa Sobreira, salientou que é necessário um conjunto de forças para modificar esse cenário. “As costureiras fazem parte do grupo prioritário da pasta. Estamos desenvolvendo estratégias no sentido de valorizar a atuação dessas profissionais”, explicou. Para Juliana Gouveia, secretária de Políticas para Mulheres de Caruaru, os municípios precisam de incremento orçamentário: “Já estamos incentivando a economia solidária em parceria com o Dieese”, ressaltou.

Já o superintendente de Atração de Investimentos da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado, Diogo Beltrão, informou que o órgão promove ações em benefício dos trabalhadores do Polo. Entre elas, cursos de capacitação, reforma de áreas e implantação de sinalizações, além da compra de três milhões de máscaras durante a pandemia. “Estamos à disposição para receber sugestões”, avisou.

UNIÃO – Teresa Leitão também defendeu a organização das trabalhadoras: “A luta é árdua, mas esperamos que as propostas se revertam em soluções”. Foto: Evane Manço

Ao final da reunião, a presidente da Comissão de Cidadania, deputada Jô Cavalcanti, do mandato coletivo Juntas (PSOL), defendeu a economia solidária como “a melhor alternativa para dignificar o trabalho das costureiras”, que atuam irregularmente e não têm direito a uma remuneração justa. “Vamos elaborar um documento com sugestões propostas no encontro para encaminhar ao Governo do Estado. Capacitação, assistência médica e psicológica, creches e registro profissional, bem como linhas de crédito específicas foram algumas ideias apresentadas”, acrescentou.

Representando a Comissão da Mulher, a deputada Teresa Leitão (PT) também defendeu a organização das trabalhadoras. “São muitas as precariedades. Insalubridade, mistura de vida privada com atividade laboral, falta de proteção social, entre outras, que foram agravadas durante a crise sanitária da Covid-19. A luta é árdua, mas esperamos que as propostas que surgiram se revertam em soluções”, completou.